Entidades, oposição e mães de crianças com deficiência criticam decisão favorável do STJ a planos de saúde
Segunda Seção desobrigou as operadoras a custearem procedimentos que não constarem na lista da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS); Corte também delimitou quais serão as exceções
Horas após a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) desobrigar os planos de saúde a realizarem procedimentos que não estejam listados no rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), ocorreram manifestações de diversos setores da sociedade. O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) classificou o posicionamento da maioria dos ministros da Corte como um “retrocesso” que “privilegia interesses de operadoras acima da vida de milhares de consumidores”. Em nota, o órgão afirma que, em um primeiro momento, a decisão possibilita aos planos de saúde a se recusar a custear determinados tratamentos e coloca em xeque a saúde de 49 milhões de usuários de planos de saúde. Carlota Aquino, diretora-executiva do órgão, disse que o veredito é uma derrota da povo. “O STJ, que se autodenomina Tribunal da Cidadania, mostrou sua posição, deixando claro que o lucro das operadoras de saúde está acima da vida de milhões de brasileiras e brasileiros. A limitação da cobertura com o rol taxativo é preocupante e deixa as pessoas em um cenário de extrema vulnerabilidade diante das empresas”, argumentou.
Opiniões políticas
Nas redes sociais, foi possível acompanhar a manifestação de personalidades políticas a respeito da decisão do STJ. Guilherme Boulos (PSOL-SP), pré-candidato a deputado federal, alegou que a receita dos planos de saúde cresceu R$ 10 bilhões no último ano e criticou o novo entendimento da Corte. Randolfe Rodrigues (Rede-AP) lamentou o posicionamento dos ministros do Superior Tribunal de Justiça e afirmou que o direito à vida e à saúde não prevaleceram. “Todos os brasileiros sentirão os efeitos desse retrocesso” Esperamos que o Judiciário revise a decisão”, alegou o parlamentar. Pré-candidato ao governo do Rio de Janeiro, Marcelo Freixo (PSB) afirmou que é “inaceitável que milhões de brasileiros, que se sacrificam para pagar planos de saúde, fiquem desamparados quando mais precisam de socorro”. Sâmia Bomfim (PSOL-SP) e Jandira Feghali (PCdoB-RJ), ambas deputadas federais, lembraram que a desobrigação irá impactar diretamente as famílias com parentes que apresentem deficiência ou autismo.
Reações da sociedade civil
Antes do STJ iniciar a sessão que julgou se a lista da ANS já integra de maneira exclusiva toda a cobertura obrigatória, Andréa Werner, jornalista e ativista em prol da inclusão social, promoveu protestos nas redes — através da tag #RolTaxativoMata — e presencial, em Brasília, com a presença de mães de pessoas com deficiência. O ato contou com barracas, faixas e gritos de ordem contrários à medida. A líder do movimento explicou, em vídeo, qual o possível desdobramento que o julgamento poderia ter. “Se você, dois anos atrás, precisasse de um tratamento, exame ou medicamento que não estivesse no rol da ANS de procedimentos, caso você entrasse na Justiça, o juiz entenderia que essa lista da ANS é exemplificativo, ou seja, a cobertura mínima que os planos de saúde precisam dar. De uns anos para cá, começou a mudar esse entendimento de que o rol é taxativo. Os planos só teriam obrigação de cobrir o que está no rol. Mas isso deixa de fora cirurgias por vídeo, tratamento para câncer e doenças raras”, argumentou. Werner também relembrou que, a possibRerilidade de pessoas ficarem sem tratamento para determinadas condições de saúde, ou que não tenham condições para pagar por serviços particulares, fará com que o Sistema Único de Saúde (SUS) fique sobrecarregado e não consiga prestar um atendimento igualitário. “Por isso falamos que o rol taxativo mata”, expõe.
O Conselho Nacional de Saúde (CNS) também manifestou sua opinião de maneira prévia ao julgamento. Em suas redes sociais, o órgão afirmou que se opõe ao rol taxativo e alegou que, assim que um plano de saúde é contratado, não há como o consumidor saber quais os tratamentos que ele precisará no futuro. A entidade também alegou que “a mudança no caráter do rol um imensurável retrocesso aos direitos conquistados há mais de 20 anos”. Isso porque a primeira edição da lista da ANS foi publicada em 1998 e, desde então, havia o entendimento no Judiciário Brasileiro de que esse documento era exemplificativo. “O consumidor/usuário é indiscutivelmente a parte vulnerável na relação entre a empresa e o plano de saúde. Os beneficiários têm direito à integralidade de benefícios, tendo em vista a questão da defesa da vida e da saúde de uma forma integral”, declarou o CNS.
A decisão dos juizes
Dos nove ministros que integram a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, seis deles – ministros Luis Felipe Salomão, Vilas Bôas Cueva, Raul Araújo, Isabel Gallotti, Marco Buzzi e Marco Aurélio Bellizze – julgaram que a lista da ANS é taxativa, ou seja, que nela há especificado todas as obrigações que os planos de saúde precisam custear de exames, cirurgias, terapias e o repasse de medicamentos. O veredito sobre o chamado Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde altera o entendimento de que o rol não mais é exemplificado, ou seja, que a lista contém a cobertura mínima ofertada pelos convênios. O relator do caso, ministro Luis Felipe Salomão, votou por tornar o rol taxativo pois o mesmo é adotado em países como Estados Unidos e Inglaterra. A decisão, porém, não é definitiva, uma vez que a Associação Brasileira de Proteção aos Consumidores de Planos e Sistema de Saúde – que defende o modelo exemplificado – já provocou o Supremo Tribunal Federal (STF) a manifestar-se sobre o caso. O relator do caso na mais alta instância do poder Judiciário é o ministro Luís Roberto Barroso.
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