Entrar em comunidades e matar quem estiver ali é o pior modelo, diz especialista sobre onda de violência na Bahia 

Em entrevista ao site da Jovem Pan, Leandro Piquet, da Escola de Segurança da USP, explica causas do avanço do crime organizado no Estado; cerca de 60 pessoas morreram em confrontos com as forças de segurança

  • Por Thiago Caetano
  • 30/09/2023 20h00 - Atualizado em 02/10/2023 21h16
Senivpetro/Freepik Pessoa segurando revólver Onda de violência tem aavançado no Estado

Disputa de facções rivais, diversas operações e mortes. A Bahia tem sofrido com a violência e com falta de propostas efetivas de combate ao crime. Em setembro, cerca de 60 pessoas morreram em confrontos com as forças de segurança. Um policial federal está entre as vítimas. A gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) virou alvo de críticas devido ao avanço da violência na Bahia, governada por Jerônimo Rodrigues (PT), e no Rio de Janeiro. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, Jequié, situada no interior do Estado, registra 88,8 homicídios por 100 mil habitantes. O município é apontado como o mais violento do Brasil, segundo o levantamento, divulgado em julho deste ano. Além de Jequié, aparecem no topo da lista os municípios de Santo Antônio de Jesus (88,3), Simões Filho (87,4) e Camaçari (82,1), todos situados no interior do da Bahia. Cabo de Santo Agostinho (81,2), em Pernambuco, Sorriso (70,5), no Mato Grosso, e Altamira (70,5), no Pará, aparecem na sequência. Os dados são referentes  a 2022. Nesta sexta-feira, 29, o secretário executivo do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Cappelli, anunciou que o governo federal lançará, na próxima segunda-feira,  2, um plano nacional de segurança. O anúncio ocorreu após uma reunião com o  governador do Rio de Janeiro, Claudio Castro (PL). Na visão do coordenador da Escola de Segurança da Universidade de São Paulo (USP), Leandro Piquet Carneiro, existem duas dinâmicas paralelas que se completaram. A primeira é a do crime organizado, cujo negócio principal é o varejo de cocaína e maconha. Para o especialista, o Brasil vive um problema semelhante ao que os Estados Unidos viveram na década de 90 e no início dos anos 2000. “O Brasil vive uma expansão de uso de cocaína, na forma de crack. O crack é um produto muito popular e onde ele chega cria um mercado. Nos anos 90, era muito restrito. Hoje consolidou rotas de distribuição e a droga chega em cidades onde ela não estava presente, como em cidades do interior da Bahia. E outras drogas vão entrar nisso. Uma vez que já existe a cadeia logística em torno dessas organizações, é fácil acrescentar novos produtos. Assim como a maconha, tem lucro, ganhos e controles de territórios”, explica em entrevista ao site da Jovem Pan.

A segunda dinâmica está relacionada ao preparo das autoridades para combater o crime organizado. A Bahia é governada pelo PT, que aposta na política educacional como uma ferramenta para combater a criminalidade. Piquet concorda que uma mistura de políticas sociais poderia colaborar com a segurança, mas não diretamente no controle do crime organizado. “O crime organizado visa o lucro. Tem estratégia e recruta jovens. Existe essa dinâmica. O crime organizado surge com base nessas condições, mas ele se organiza. Tem hierarquia, estratégias para comprar de armas, de presença de território e de enfrentamento a polícia”. Em seu entendimento, a maneira eficaz de enfrentar o problema é criar uma “cultura de investigação ao crime organizado”. “Precisa de uma investigação própria”, resume. “Precisa ter, no sistema prisional, unidades especiais com regime disciplinar diferenciada, onde o preso fique isolado caso tenha provas que comprovem que ele entrou em contato com alguém fora da prisão. Todo o sistema precisa mudar e ter como objetivo o combate o crime”. Ele cita São Paulo como exemplo, mencionado as operações permanentes, os Batalhões de Ações Especiais (BAEPs), sistema prisional com ala especial para regime disciplinar diferenciado. Além disso, ele destacou o trabalho de investigação do Ministério Público e da Polícia Civil. Segundo ele, o modelo de entrar em comunidades não soluciona o problema. “No Rio, se faz isso há 30 anos e não resolve”, afirma. “É o pior modelo que existe. Quando ocorre operação para intervir em uma área, significa que já deu tudo errado antes. Organiza uma equipe, chega na área e mata quem estiver ali, mas na semana seguinte tem mais. O crime é negócio. Precisa de inteligência e estratégia de combate. Precisa de treinamento para entrar nos locais, sim, mas a operação não pode ser contra o local, mas sim contra a organização criminosa, onde estão armas e drogas”, complementa.

Em São Paulo, o governo estadual deflagrou a Operação Escudo, no litoral paulista, após a morte do soldado da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), Patrick Reis. Ele foi baleado durante um patrulhamento em uma comunidade do Guarujá. Ele chegou a ser socorrido, mas não resistiu aos ferimentos e morreu. O caso ocorreu no dia 27 de julho. No dia seguinte, a operação foi iniciada, com o intuito de localizar os suspeitos do crime. O saldo foi de 28 mortos, 958 presos (sendo 382 procurados). Cerca de uma tonelada de droga foi apreendida. A operação foi encerrada após 40 dias. O especialista classificou a ação como “vingança”. “Essa operação na Baixada Santista foi ruim em vários sentidos”. Segundo ele, a maioria dos mortos nas operações policiais são linhas de frente das facções e podem ser facilmente substituídos. “Se no lado do crime existe oportunidade, do lado do Estado, as polícias tinha quem pensar melhor e afastar esse fantasma das soluções simples. Isso não é guerra. Precisamos entender, de uma vez por todas que existem direitos e as instituições policiais e de Justiça precisam agir com base nesse marco legal. E isso não quer dizer que os infratores devem estar soltos”, concluiu. No ano passado, inclusive, São Paulo registrou uma taxa de 8,4 homicídios a cada 100 mil habitantes, segundo o levantamento do Fórum de Segurança Pública, embora o Estado também enfrente problemas em relação à segurança.

O que diz a SSP?

Em contato com a Jovem Pan, a Secretaria de Segurança Pública reforçou que as ações policiais ocorrem na legalidade e buscam a preservação da vida. A pasta ressalta que de janeiro a agosto as intervenções da polícia que acabam em morte reduziram em 4,3% no Estado, se comparado ao mesmo período do ano passado. O órgão salientou ainda que são constantes os investimentos em equipamentos, capacitação, tecnologia e inteligência para as forças de segurança da Bahia. A pasta destaca o reconhecimento facial. Segundo dados fornecidos pela SSP, mais de mil foragidos da Justiça foram localizados. Cerca de 80% possuíam mandados de prisão por homicídio, roubo, estupro e tráfico de drogas. Segundo a pasta, as prisões foram efetuadas sem a necessidade do uso de arma de fogo. A SSP mencionou o clima de guerra entre as facções de destacou que nos últimos dois anos e meio cerca de 200 viaturas foram atingidas por disparos de arma de fogo em ações ostensivas de combate ao crime organizado. Segundo a pasta, 130 agentes acabaram feridos, após ataques dos criminosos. O site da Jovem Pan solicitou uma entrevista com o secretário de Segurança Pública da Bahia, Marcelo Werner, mas não obteve retorno da pasta até a publicação desta reportagem.

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