Ex-ministro do STF diz que Gilmar Mendes é “grande prejudicado” em imbróglio sobre suspeição

  • Por Jovem Pan
  • 31/08/2017 16h57 - Atualizado em 31/08/2017 16h58
Carlos Humberto/SCO/STF Francisco Rezek condenou espetacularização do Supremo

Ex-ministro do Supremo Tribunal Federal e advogado atuante, Francisco Rezek não voltaria a atuar na Corte hoje em dia.

Cada manhã caio de joelhos e agradeço a Deus por não estar lá neste momento”, diz Rezek em entrevista ao Perguntar Não Ofende com Augusto Nunes na qual criticou a atuação “criativa” da Corte, o “juridiquês” exagerado, a “exaltação de ânimos” entre os ministros e a extensão dos votos nos atuais debates televisionados.

O ex-ministro, que atuou no STF por 12 anos em duas passagens (1983 a 1990 e 1992 a 1997) intercaladas por passagem pelo Itamaraty no governo Collor, também abriu o jogo sobre o que pensa a respeito da delação premiada, prisão após condenação em segunda instância e os pedidos de impedimento do ministro Gilmar Mendes.

Confira as principais falas de Rezek:

Impedimento de Mendes

O pleno do STF pode julgar de forma inédita o pedido da procuradoria-geral da República de suspeição e afastamento de Gilmar Mendes nos casos que envolvem Jacob Barata Filho, o “rei do ônibus”, preso pela Lava Jato no Rio de Janeiro. Mendes foi padrinho de casamento de Barata além de ter cunhado que é sócio do investigado, mas não vê impedimento de julgá-lo.

Rezek opina: “se eu tenho a menor razão para achar que alguém pode achar que eu não deveria participar desse julgamento em razão da minha história, família e amizades, o que eu tenho de mais sensato a fazer em meu próprio benefício é cair fora e deixar que os outros dez julguem”. E, questionado, vai ao caso específico: a maioria dos juízes não faria isso (julgar o pai de um afilhado de casamento). O ministro Gilmar é um homem de uma formação intelectual mais do que sólida e muito afirmativo em suas posições. Ele acha que deve seguir friamente aquilo que a letra da lei diz sobre impedimento e suspeição”.

“Como os últimos dias estão demonstrando, isso é muito ruim para ele. O grande prejudicado dessa história toda é ele mesmo. E é lamentável que ele não tenha percebido isso desde o início”.

Prisão após segunda instância

Rezek é a favor de que as pessoas condenadas em segunda instância já comecem a cumprir a pena, devido ao grande número de recursos que a legislação brasileira permite. Este é o entendimento atual do STF, mas há movimentações no sentido de se reanalisar o caso.

“Sou a favor (da prisão após 2ª instância) porque o nosso sistema ainda é o mais pródigo em recursos deste planeta. Nunca houve em parte alguma do mundo uma sistemática recursiva tão prodigiosamente fecunda como no Brasil. É possível recorrer de tudo e, com recursos sucessivos uma defesa habilidosa leva à eternidade o curso do processo”.

“Se o Estado brasileiro não se acha intitulado a dar início ao cumprimento de pena a alguém condenado em primeiro grau e novamente condenado com a confirmação segundo grau, para quê? Os recursos à terceira e quarta instância geralmente são recursos que discutem questões de direito, questões formais. Já não é questão de saber se fez ou não fez, se é culpado ou inocente”.

Delação Premiada

A delação premiada é um ordenamento novo no sistema jurídico brasileiro. Ela foi sancionada em 2013 pela ex-presidente Dilma Rousseff (Lei 12.850/2013) e se tornou a base de investigações da Lava Jato. Rezek opina:

“Se você não se utiliza do mecanismo de delação premiada, você nunca, jamais, conseguirá condenar ninguém e nós teríamos sido eternamente considerados o país da impunidade. Foi uma grande coisa a importação do sistema da delação premiada (do sistema norte-americano) pelo Brasil”.

Atuação “criativa” do STF

“O Direito é ciência. Não é poesia, não é declamação, não é busca política do politicamente correto. O Direito é uma ciência e deve ser interpretado com rigor científico. Não se deve tentar interpretar a Constituição naquilo que sabemos que ela está dizendo e quis dizer”.

“Não posso como ministro do Supremo interpretar a coisa de modo diferente daquilo que os redatores da Carta disseram à luz de minhas convicções ou convicções do meu grupo, dessa ou daquela ONG, dessa ou daquela universidade. Isso está acontecendo hoje”.

Cordialidade e TV Justiça

“Éramos um arquipélago com nossas diferenças: 11 ‘ilhas’ (ministros) que se comunicavam com relativa cordialidade. Havia uma estima recíproca muito grande, mesmo (entre) aqueles antagonistas maiores”.

“A convivência sempre foi cordial por conta do fato de que não havia na época exposição pela TV Justiça de todo e qualquer debate. O Tribunal trabalhava mais rapidamente, com mais objetividade”

“Antes você ouvia a expressão mais simples do tribunal: ‘estou de acordo com o relator’. Hoje ninguém mais diz isso. Ainda que seja para jogar confetes e guirlandas no relator, todos têm de se estender por um tempo muito maior do que seria razoável e tem-se a inevitável impressão de que isso é para mostrar ao público que estão trabalhando, que estudaram, que leram”.

Francisco Rezek, advogado que já foi procurador, ministro do STF, ministro das Relações Exteriores e integrante da Tribunal Internacional de Justiça de Haia, foi o convidado do programa “Perguntar Não Ofende”, de Augusto Nunes, desta quinta-feira (31).

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