Explosões, fugas e jogo político: saiba tudo sobre a maior série de ataques de facções já registrada no Ceará
A população do Ceará começou o ano novo testemunhando mais uma crise na segurança pública. O estado vem sofrendo ataques criminosos, concentrados na região metropolitana de Fortaleza, desde o dia 2 de janeiro, quarta-feira passada.
Com uma semana de violência desenfreada, já foram registrados 185 atentados até esta quarta (9). É a maior onda criminosa já registrada no território cearense. Força Nacional e Polícia Federal enviaram tropas para auxiliar no resgate da normalidade da região.
A situação tem interferido na vida da população. Com boatos de toque de recolher, ruas estão mais vazias e até mesmo comerciantes têm baixado as portas de lojas. Nos terminais de ônibus, é possível ver coletivos escoltados por policiais.
Como se não fosse o bastante, 23 presos que tomavam banho de sol em cadeia pública Pacoti (CE) resolveram pular o muro e ir embora, sem maiores obstáculos. Apesar dos crimes, até agora não houve nenhuma pessoas ferida ou morta.
Pedido de ajuda
Os dois primeiros ataques criminosos aconteceram em Fortaleza, no dia 2 de janeiro. Dois ônibus foram incendiados, nos bairros Edson Queiroz e Parque Santa Rosa. Nenhum passageiro, motorista ou cobrador ficou ferido na ação.
No dia seguinte (3), houve mais de 20 atos de violência. Entre eles, explosão de viaduto na cidade de Caucaia, tiroteio em banco e concessionária de veículos, em Fortaleza. Também na capital, um “artefato inflamável” foi atirado em posto de combustíveis.
Diante do caos, o governador do Ceará, Camilo Santana (PT), decidiu pedir ajuda ao ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, com quem conversou por telefone na manhã de quinta-feira para negociar o envio de tropas da Força Nacional.
“O ministro se colocou à inteira disposição para o apoio necessário. Entendo que o crime organizado ultrapassou as divisas dos estados e que, somente com a ação conjunta dos estados com o governo federal, iremos vencer esse desafio”, escreveu Santana.
Para auxiliar na situação, o petista – reeleito com cerca de 80% dos votos – também adiantou a nomeação de 220 agentes penitenciários. A finalização de concurso público que os contratos estava prevista apenas para março desde ano, segundo a gestão.
Envio de tropas
Ainda na noite do dia 3 de janeiro, Moro determinou que as polícias Federal e Rodoviária Federal e o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) tomassem providências para auxiliar o Ceará no combate aos atos de violência.
Entretanto, homens e mulheres da Força Nacional só seriam mobilizados na manhã seguinte. Em 4 de janeiro, pelo menos 40 atentados foram registrados. Entre os alvos, duas prefeituras, três delegacias e quatro agências bancárias de diversas cidades.
Pela manhã, Moro autorizou o envio de 330 agentes da Força Nacional ao Ceará. “A decisão foi tomada após dificuldade das forças locais combaterem sozinhas o crime organizado”, afirmou o ministro, por meio de nota divulgada à imprensa.
Os grupos começaram a se deslocar no mesmo dia, em aviões da Força Aérea Brasileira (FAB) designados pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL). O transporte seria feito por via terrestre, mas isso causaria ainda mais demora na atuação da tropa.
Prisões e transferências
Cerca de 215 criminosos já foram presos sob suspeita de participação nos atentados, segundo o governador cearense. “Lideranças criminosas estão sendo identificadas e as transferências para presídios federais estão em curso”, escreveu.
Nesta quarta, 20 presos do sistema estadual foram transferidos para a cadeia federal de Mossoró, no Rio Grande do Norte. Outras mudanças devem acontecer nos próximos dias. “Não haverá tolerância com o crime”, disse Santana.
Mais reforço na segurança
Segundo o governo federal, a recorrência dos ataques diminuiu após a chegada de tropas da Força Nacional e da Polícia Federal. Mesmo assim, na segunda-feira (7), Sérgio Moro decidiu aumentar o efetivo de 330 para 406 até o fim desta semana.
Houve pelo menos 37 atentados criminosos no sábado (5) e 23 no domingo (6). Entre dezenas de veículos incendiados e bancos destruídos, uma embarcação do Corpo de Bombeiros foi atacada e a Prefeitura de Acaraú, atingida por tiros.
Na noite de terça-feira (8), uma concessionária de veículos da Avenida Rogaciano Leire, em Fortaleza, foi alvo de ataque. A bordo de moto, um homem passou atirando e danificou uma vidraça e três caminhonetes que estavam expostas para venda.
Depois, agentes apreenderam explosivos no Morro de Santiago, também na capital. O material seria utilizado para dificultar o acesso da polícia ao bairro. Não muito distante dali, no município de Eusébio, um depósito de reciclagem foi incendiado.
Nesta quarta-feira (9), uma fábrica de castanhas foi incendiada pela segunda vez, na cidade de Aquiraz. Essa empresa já havia sido atacada por criminosos na última segunda, data em que criminosos também atearam fogo em sede de rádio em Morrinhos.
Fuga em banho de sol
Em meio à onda criminosa, 23 detentos fugiram de uma cadeia pública em Pacoti – a 122 quilômetros de Fortaleza. Eles tomavam banho de sol, na manhã de segunda (7), e decidiram pular o muro, segundo a secretaria estadual de Administração Penitenciária.
Ao driblar a segurança do local, os detentos tiveram acesso à área externa da cadeia e conseguiram sair sem grandes obstáculos. De acordo com o governo cearense, procedimentos de busca já foram iniciados, mas ainda não há dados sobre recapturados.
Duro contra o crime
Em entrevista, o governador Camilo Santana afirmou no domingo que “o momento é, mais do que nunca, de união de todas as forças, governos, Poder Legislativo, justiça, Ministério Público, OAB [Ordem dos Advogados do Brasil] e sociedade”.
“Serei duro contra o crime”, declarou o petista. “Por minha determinação, todas as forças de segurança estão em regime permanente de plantão para coibir essas ações, prender os bandidos e proteger a nossa população.”
Jogo político
Em vídeo postado pelo Movimento Brasil Livre (MBL), o deputado federal eleito Kim Kataguiri (DEM-SP) acusa o governador de promover propositalmente a onda de violência no estado para “enfraquecer polícias” e “frear a reforma da previdência”.
Crítica do tipo foi feita também pelo deputado estadual eleito Arthur do Val (DEM-SP), ligado ao MBL. Em resposta, Ciro Gomes – o ex-governador do Ceará presidenciável pelo PDT derrotado – subiu o tom em nota de repúdio e os chamou de canalhas.
“Vocês verão, politiqueiros imundos, que vamos vencer mais esta batalha e aí será também possível avaliarmos a conduta de marginais que entram na política para fazer o mal, mesmo que a vítima seja toda uma população humilde e trabalhadora.”
Como se tivesse previsto a discussão de terça, o secretário da Casa Civil do Ceará, Élcio Batista, disse um dia antes à Jovem Pan que “o grande erro do país é partidarizar a segurança pública” e afirmou que esse não é o desejo da população.
“O Brasil carece de política de segurança pública. O que a população quer é uma política de segurança pública clara. Período da eleição passou. Uma vez passado, precisa criar consensos, governar e para isso precisa produzir entendimentos”, disse.
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