Gafes, fala rebuscada e reformas sem diálogo: Temer se comunica mal no 1º ano
O governo de Michel Temer completa um ano nesta sexta-feira (12), mas ainda não aprendeu a falar.
A comunicação do Palácio do Planalto com a sociedade é alvo de críticas constantes, inclusive de ministros. Segundo especialistas ouvidos pela Jovem Pan Online, a falta de carisma e de poder de convencimento do peemedebista e de seus auxiliares agrava a alta taxa de rejeição do governo.
A pesquisa Ibope mais recente (31 de março) apontou 10% de aprovação (bom ou ótimo) da gestão Temer, enquanto o Instituto Datafolha registrou 9% de avaliação positiva na mesma data. Já a consultoria Ipsos mediu apenas 4% de pessoas que aprovam a atuação do presidente. Em todos os indicadores Temer está mais impopular de que quando assumiu a Presidência (então interina) em 12 de maio do ano passado.
A linguagem rebuscada, as gafes cometidas, a falta de diálogo com a oposição, a imagem arcaica que Temer transmite e, especialmente, a dificuldade de convencer o povo sobre reformas impopulares (como a trabalhista e da Previdência) são apontadas como falhas no diálogo entre governo e sociedade.
“É um consenso no País de que a comunicação nesse primeiro ano de governo Temer é péssima. Essa é a única avaliação possível”, decreta Eugenio Bucci, doutor em livre-docente da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (USP). “Não há um aspecto que possa ser reputado como bem-sucedido, ou brilhante, ou minimamente competente. Há uma inexistência de comunicação entre o governo e a sociedade”, afirma. Victor Trujillo, especialista em marketing político e coordenador de cursos da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), também vê inúmeras dificuldades, tanto na equipe de governo quanto na pessoa de Temer.
“Na parte de comunicação o governo não acertou em momento algum”, afirma também o cientista político Valdir Pucci, lembrando desde a imagem que orna o slogan de seu governo (“Ordem e Progresso”), cuja escolha Temer atribuiu ao filho Michelzinho, até os discursos do presidente. “Ele é um bom político de bastidor, mas tem uma grande dificuldade de se comunicar com a sociedade”, avalia.
Já Andrea Matarazzo, ex-ministro da Comunicação de Fernando Henrique Cardoso (1999-2001) e hoje membro do PSD, partido aliado de Temer, destacou as dificuldades que qualquer governo tem em falar com o povo e classifica o trabalho de comunicação atual como “muito bom”, principalmente no que tange ao “esclarecimento” das reformas propostas. “Campanhas gerais do governo nunca são convincentes”, confessa. Mas as “campanhas focadas” nas reformas estão “excelentes”, em sua visão.
GAFES
Temer coleciona gafes em apenas um ano. Duas das mais famosas surgiram em discursos de improviso de Temer.
Ao se pronunciar tardiamente sobre crise carcerária no começo do ano e a chacina de Manaus, em que 56 detentos sob custódia do Estado foram mortos em conflito de facções (e 200 fugiram), Temer classificou o evento como “acidente pavoroso”.
Depois de a fala virar manchete principal nos principais portais do País, o presidente tentou se justificar no Twitter.
Trujillo destaca que Temer “não fica à vontade” ao tecer comentários de improviso porque está acostumado a uma linguagem mais formal e empolada. Bucci ressalta, por outro lado, que o termo realmente pode significar “incidente”, mas avalia que a escolha do vocábulo foi infeliz.
Já no Dia Internacional das Mulheres, em março deste ano, Temer atribuiu a “educação e formação” dos filhos ao sexo feminino. “Seguramente isso quem faz não é o homem, quem faz é a mulher”, afirmou. Com seus gestos frequentes de mãos, ele continuou: “Na economia também a mulher tem uma grande participação. Ninguém mais é capaz de indicar os desajustes, por exemplo, de preços de supermercado do que a mulher”.
Eugenio Bucci vê a fala como “uma tristeza” e pontua que falas como essas acentuam a percepção retrógrada que a imagem de Temer passa. “A estampa do presidente é uma estampa um pouco ‘démodé’. A percepção que o governo passa é de uma espécie de ‘Baile da Saudade’, um filme em preto e branco” diz o professor da USP. “A Comunicação deveria levar em conta esse estilo (de Temer) e pontuar a retórica do governo com falas menos jurássicas”, sugere.
Bucci entende que “o problema do governo Temer não é apenas um problema de comunicação. É um problema político”. “Gafe todo governante comete, mas falta um lastro mais estável e permanente (para Temer)”, diz. Deste modo, “qualquer gafe vira a coisa mais importante do mundo”.
Matarazzo tenta justificar as gafes de Temer pela forte “pressão” e turbulência política no aniversário do governo Temer. “As pressões são muito grandes e tem momentos em que você tem que falar uma coisa, mas sua cabeça está em outra”.
REFORMAS
O governo busca atualmente, por meio de massiva campanha midiática, convencer a população de que a reforma da Previdência, que tramita na Câmara, é positiva e visa a corrigir desigualdades e garantir a aposentadoria da população.
A iniciativa ocorre depois de já ter sido apresentada a PEC, rejeitada por 71% dos brasileiros, de acordo com pesquisa Datafolha divulgada em 1º de maio.
Já na visão de 64% dos entrevistados pelo instituto, a reforma trabalhista, que flexibiliza vários da CLT, “privilegia mais os empresários que os trabalhadores”.
Mesmo contando com forte base aliada no Congresso, o Planalto enfrenta grandes dificuldades em conseguir os 308 votos necessários para aprovar a mudança constitucional na aposentadoria na Câmara dos Deputados.
Os próprios aliados do governo admitem falha na comunicação. Em entrevista à Jovem Pan no último dia 9, o ministro-chefe da Secretaria de Governo, Antonio Imbassahy, confessou que “aconteceram falhas de comunicação na questão da Previdência”. O relator da pauta na Câmara, o pró-governo deputado Arthur Maia (PPS-BA), também vê “falha grave” na comunicação do governo.
Bucci não vê muita efetividade nas “propagandinhas na televisão” atuais para combater a má recepção inicial das reformas. Ele lembra que Temer assumiu o mandato com um “problema de legitimidade” inicial, uma “marca de nascença de desconfiança”, agravado pela falta de “comunicação política” para explicar o impeachment de Dilma Rousseff, embora o peemedebista tenha a “legitimidade legal” da eleição e do processo de impedimento. O professor coloca ainda que o programa de governo de Temer não é o mesmo que foi eleito em 2014.
Trujillo, da ESPM, também vê a medida reparadora do Planalto como tardia. “Aos 45’ do segundo tempo, é esperar demais da Comunicação”, pondera. Para ele, o governo “falhou” com os dois públicos, “interno e externo”. “A comunicação deixou muito a desejar. Nem a base aliada ficou convencida de que a comunicação com a população era efetiva”.
Já o ex-vereador Andrea Matarazzo acredita que as propagandas do governo pró-reforma são “ótimas” e muito eficazes. O político do PSD e ex-secretário de Comunicação culpa o governo anterior, da presidente Dilma Rousseff (PT) pela impopularidade de Temer, bem como as acusações da Lava Jato, nas quais Temer é citado mas não investigado, por ser presidente, e a recessão econômica. Isso geraria uma “mídia espontânea” negativa e um “humor muito ácido da sociedade”. Matarazzo entende que a aprovação do governo melhorará quando os indicadores econômicos se estabilizarem.
LINGUAGEM
Jurista de formação e de carreira legislativa (sem eleição executiva em disputa majoritária como cabeça de chapa), Michel Miguel Elias Temer Lulia é conhecido pela sua fala rebuscada e uso de mesóclises, características que já se tornaram piada nas redes sociais.
O especialista em marketing político Victor Trujillo lembra que a carreira política de Temer leva o presidente a se comunicar deste modo, o que o afasta ainda mais da população. “Quando tenta uma fala que não é habitual, de sessões formais do Congresso, solenidades, ele acaba pecando porque não fica à vontade”, analisa. “E quando fica à vontade, a população não entende porque é demasiadamente erudita”.
O professor da ESPM separa, no entanto, o “desafio pessoal” do presidente e o trabalho institucional de sua equipe de comunicação em relação às propostas de governo, que “pecou menos”, mas falhou nas reformas. O ex-ministro Matarazzo diz que a capacidade do marketing político para melhorar a imagem do governo é “muito limitada”.
Corte mal feito no Photoshop da imagem oficial de Temer foi criticada nas redes (Divulgação)
Já o cientista político Valdir Pucci discorda. “Isso também é fruto de uma má assessoria do governo onde você que a própria assessoria não tem a preocupação de dar um resguardo ao presidente na condução da sua imagem e do seu discurso”, diz.
Eugênio Bucci também ressalta o “padrão de enunciado de difícil compreensão” de Temer e o uso das mesóclises, que criam barreiras na compreensão da fala.
Ele ameniza, no entanto, a equipe de Comunicação do Planalto, “que tenta fazer o seu melhor”. O professor da ECA-USP reafirmou a questão política envolvida. “A gente tende a acreditar que qualquer governo em qualquer momento chama uma equipe competente de marqueteiros e tudo se resolve. Mas não se trata disso. O problema de comunicação no governo Temer é um problema político e não foi resolvido porque não foi tratado politicamente. Ele está sendo tratado com ‘propagandinhas’ em televisão” de difícil compreensão e crença da população, pondera.
“Muitas coisas que o presidente pronuncia em seus improvisos são incompreensíveis”, atesta Bucci.
#FICA A DICA
Os especialistas também deram sugestões de soluções para o governo Temer melhorar sua comunicação:
– Criar vínculos emocionais
Psicólogo e especialista em marketing político, Trujillo diz que, apesar das mudanças nos meios de comunicação e da ascensão das redes sociais no cenário político, os desafios do ator político são “os de sempre”: “criar um vínculo emocional com os eleitores ou com a população, durante o governo, um vínculo de confiança, lealdade”.
A diferença é que o político atual não pode mais “se esconder dentro do estúdio”. Com celulares sempre apontados sobre si, o político tem que estar pronto para dar uma boa resposta cativante a todo momento, o que “exige de todos um preparo maior”.
– Pontes de diálogo com a oposição
Bucci sugere que o presidente “deveria buscar pontos de diálogo não apenas com a sociedade, mas com outras forças políticas”. Nas reformas, em vez de expor os “conceitos mínimos” e uma “análise objetiva” que evidencie a necessidade de reforma, Temer “vai atropelando divergências” e acaba passando as mudanças econômicas “goela abaixo da população”.
O professor da USP entende que “ficar encastelado” é o erro que Temer repete de Dilma, o mesmo que acelerou o impeachment da antecessora petista, ex-companheira de chapa, que não mencionou o nome do concorrente Aécio Neves no discurso da vitória de 2014. “Ele (Temer) não abre portas para que os descontentes possam dialogar”, avalia. “Temer ignora os que vieram antes deles e não os inclui, nem fala como alguém que pode fazer uma ponte entre o impeachment e as próximas eleições”.
“As piores gafes (de Temer) são aquelas que menosprezam, tripudiam manifestações da oposição”, diz. “Se Temer quer eliminar a ‘raivosidade’ (como disse em discurso na quarta, 10) a atitude dele tem que ser de acolhimento. E não é isso que a gente percebe”.
– Alinhamento do governo
Para o professor da ESPM “faltou um alinhamento” do governo com seus ministros e auxiliares para divulgar de forma mais clara as propostas de reforma. Ele lembra que “você tem mais de um porta-voz, de diversas áreas, e acabam todos representando o governo”. Entre os que defendem a reforma, há “informações muito discrepantes” em relação aos benefícios e ameaças.
Trujillo ressalta que o não alinhamento “pode ter sido uma estratégia política” de Temer, mas vê que faltou “divulgar uma ‘cara inicial’” do projeto da reforma da Previdência por exemplo.
– Continuar como está
O ex-vereador Andrea Matarazzo acredita que a comunicação do governo Temer está boa do jeito que é hoje e deve continuar assim. “É fácil, estando de fora, ficar dando sugestões. O duro é você fazer a máquina andar quando está lá dentro e vivendo esse dia a dia pesadíssimo. Não dá para, cada um que vai falando, ir dando sugestão. Você tem que ter uma linha e apostar nela”.
“O governo está no caminho certo, que é mostrar as reformas de forma detalhada e específica e apostar na linha que eles estão seguindo, sem ficar fazendo zigue-zague”, elogia o aliado.
Reportagem de Thiago Navarro com colaboração de Marina Ogawa
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