Impeachment de Dilma, 4 anos: Janaina Paschoal revela bastidores do processo que destituiu a petista
Autora da ação lembra ameaças, discursos e articulações que derrubaram Dilma Rousseff em 31 de agosto de 2016; ‘Sentia grande incômodo no Parlamento sempre que tocava nos assuntos da Odebrecht e da Petrobras’
Há quatro anos, em 31 de agosto de 2016, o mandato da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) foi cassado após um longo processo de impeachment, que teve início em 2 de dezembro de 2015, quando Eduardo Cunha, então presidente da Câmara dos Deputados, acolheu uma denúncia por crime de responsabilidade. As acusações protocoladas no pedido indicavam desrespeito à lei orçamentária e à lei de improbidade administrativa, além de suspeitas de envolvimento em atos de corrupção na Petrobras. Marcado por polêmicas e contradições, o impeachment da ex-presidente continua impactando os caminhos atuais da política nacional. Em entrevista exclusiva à Jovem Pan, a deputada estadual Janaina Paschoal (PSL-SP), uma das autoras do impeachment, considera que a queda de Dilma foi a melhor solução para o Brasil de 2016, marcado por uma convulsão econômica e política.
“Qualquer processo de impeachment é traumatizante, mas é pior para um país saber que existem crimes sendo cometidos livremente, sem punição alguma. Eu entendo que para o amadurecimento da nação e do povo, quando se tem a prática de crimes graves, é necessário tomar as providências cabíveis. Por mais doloroso que seja, foi melhor para o Brasil.” A professora de Direito Penal da USP, mesmo sem a intenção de protagonizar a batalha, ganhou fama e se tornou peça-chave da ação que inviabilizou o exercício de Dilma na Presidência da República. Antes de recordar os bastidores do processo, Janaina se espanta com a rapidez em que o tempo passou. “Nossa, já faz quatro anos desde que a Dilma saiu do poder? Eu nem me lembrava, foi muito rápido. Não costumo rememorar, não sou apegada ao passado, gosto de virar a página”, diz.
Entre uma memória e outra, a deputada federal relata sua atuação nos bastidores do processo. “Meu trabalho foi eminentemente jurídico, produzia peças e estudava documentos. Não existia nenhum aspecto político, mas as pessoas não acreditavam. Meu convencimento era todo feito no plenário. Evitava qualquer contato com deputados ou senadores, morria de medo de que algum parlamentar produzisse um documento capaz de prejudicar ou anular o impeachment. Por isso, me comportei como uma fiscal, uma tutora do processo.” A advogada criminalista assume que adotou uma postura exagerada a fim de proteger seu trabalho. “Foi algo muito desgastante intelectualmente e energeticamente, eu não saía nem para almoçar ou ir ao banheiro, ficava a todo o momento colada no processo”, relata. Apesar de evitar interferências diretas na ação, ela afirma que precisou lidar muitas vezes com as tentativas veladas de intervenção. “Sofria muita pressão para não falar sobre a Petrobras, era extremamente comum as pessoas me pedirem para eu citar apenas a questão das pedaladas. Eu sentia um incômodo muito grande no parlamento todas as vezes em que tocava no assunto do Petrolão, da Odebrecht e da Petrobras, porque estes casos envolviam muitos partidos, não apenas o PT. Sempre fiz questão de trazer todos os escândalos à tona porque meu objetivo não era tirar apenas um grupo do poder, mas mudar a forma de fazer política.” Segundo Janaina, a pressão era sentida em forma de ameaças que chegavam por cartas e e-mails endereçados diretamente a ela e membros da sua família.
Em meio a graves acusações, perda de articulação política e queda de popularidade, Dilma foi deposta do executivo após 273 dias de tramitação do impeachment. “Fiz o que precisava ser feito, no momento em que tinha que ser feito”, diz Janaína Paschoal. A deputada garante não se arrepender do processo e enfatiza que não agiu a fim de atacar a ex-presidente, apesar de saber o sofrimento que a causou. “Durante meu discurso na sessão de julgamento final do impeachment, pedi desculpas a Dilma porque tenho essa preocupação com o ser humano, é da minha natureza. Nunca levei o processo para o lado pessoal, nunca me viram a xingando e ofendendo, mas sim criticando os atos praticados. Infelizmente, ela teve culpa porque sabia tudo o que estava acontecendo e não fez nada para resolver, foi alertada pelos técnicos do governo e não os ouviu. Entendo que ela e sua família sofreram muito pela exposição, foi uma decorrência do processo, mas não é algo que me agrade.” A deputada esclarece que, apesar de todo o trabalho feito, “é absurda” a quantidade do que ainda precisa ser executado para o bem do Brasil.
Em nota divulgada à imprensa em outubro de 2017, José Eduardo Cardozo, advogado de Dilma Rousseff, afirmou que o processo de impeachment “foi nulo” e motivado por “decisões imorais e ilegais” de Eduardo Cunha. Com base na delação de Lúcio Funaro, apontado como operador financeiro do MDB, a defesa alega que Cunha comprou votos para deputados serem favoráveis ao impeachment. Procurados pela reportagem, Dilma Rousseff e José Eduardo Cardozo não se pronunciaram.
Entrada na política
Durante a condução do processo de impeachment, Janaina Paschoal afirmava não ter intenção de entrar para a política partidária. No entanto, em 2018, filou-se ao Partido Social Liberal (PSL) e foi eleita deputada estadual de São Paulo. “Me filiei no último dia do prazo porque tenho muita dificuldade com a vida partidária, sinto que, ao nos filiarmos a um partido, somos diminuídos e temos nossa liberdade restringida. É duro quando escuto me chamarem de ‘a Janaina do PSL’ e seria difícil com qualquer outra sigla, porque parece que deixo de ser a pessoa livre que sempre fui. A ideia de me filiar foi um castigo, mas a legislação exige. Sendo assim, fiz para ter a opção de me candidatar caso eu quisesse”, explica.
Logo após tornar-se integrante do PSL, a advogada foi convidada para compor a chapa de Bolsonaro como vice-presidente, mas recusou. “A questão da vice-presidência foi muito desgastante emocionalmente, porque eu me sentia pressionada a aceitar, mas minha família tem horror à política institucional e não queria. A candidatura não pode ser um projeto pessoal, tem que ser familiar. As pessoas não têm dimensão do que é ir para Brasília, não é fácil assim. Eu tenho vida, raiz, pai e mãe e todo o resto, não podia largar tudo para trás. Eu estaria abrindo mão da minha vida. Na época, eu propus que fizéssemos um polo da presidência em São Paulo e, dessa forma, eu continuaria sediada aqui, mas Bolsonaro não aceitou.” diz. Após descartar concorrer à presidência como vice, decidiu não disputar nenhum cargo nas eleições, mas mudou de ideia devido a ameaças. “Avisei o Major Olímpio (PSL) que não iria me candidatar a nada, mas ele insistiu para eu sair na disputa estadual. Eu repetia ‘não vou, não vou e não vou’. No penúltimo dia do prazo de inscrição, recebi uns e-mails muito agressivos de um pessoal da USP, dizendo que eu não teria mais chances na faculdade, que acabariam comigo, um negócio pesado mesmo. Isso me fez pensar que a única coisa que eu tinha era meu poder de fala e, se eu não pudesse me manifestar nem dentro da universidade, eu iria me me manifestar aonde? Então me candidatei para poder seguir falando.”
Críticas ao governo Bolsonaro
A deputada federal considera que o impeachment de Dilma Rousseff foi essencial para a delimitação do cenário político atual. “Se não fosse a queda da ex-presidente, o Bolsonaro não teria sido eleito. Acho engraçado quando as pessoas dizem que eu me elegi na onda dele porque, na verdade, ele que se aproveitou da onda que eu criei.” Janaina avalia que o País passa por um momento político preocupante. “Anularam uma sentença do Moro relativa ao caso do Banestado e eu vejo essa decisão como uma preparação psicológica para, talvez, anularem a condenação do Lula. Sob o ponto de vista jurídico, não há sustentação para essas anulações. Para mim, que enfrentei tudo aquilo, é entristecedor assistir o que está acontecendo. Estamos vendo que, de certa forma, o presidente também está trabalhando para a desconstrução do nosso trabalho contra a corrupção.”
Além da saída do ex-ministro Sergio Moro, a professora aponta como grave os ensaios de anulação da Lava Jato e do isolamento do ministro da economia Paulo Guedes. “Hoje são tantos desafios. Estou preocupada com as ações do presidente e de seu grupo para queimar Guedes, porque a austeridade fiscal e a pauta econômica são importantes para manter o país enxuto. Tenho medo dele cair naquela dinâmica que a gente vivenciou com o PT. Outro movimento que, mais do que me preocupa, me entristece, é o de anular a Lava Jato, todas as suas conquistas e o próprio combate à corrupção, como vimos com a investida contra o procurador Deltan Dallagnol na última semana, porque o recurso feito pelo governo deve alcançar diretamente e atrapalhar as investigações do caso envolvendo Flávio Bolsonaro”, afirma.
Apesar das críticas afiadas ao governo, a advogada não se arrepende de seu voto em Jair Bolsonaro (sem partido). “Durante as eleições, a gente não tinha muita escolha, mas ele podia se esforçar mais para causar menos. As polêmicas que o envolveram na pandemia me incomodaram demais, porque ele poderia ter tido outra postura, mesmo defendendo tudo o que defendeu. Poderia continuar defendendo o tratamento precoce e o isolamento horizontal, já que é um direito dele ter uma visão diferente. Agora, desmerecer a doença, não dá para aceitar, porque ela é real, é grave. Isso me irritou verdadeiramente”, declara. Neste sentido, Janaina considera que, para sua vida pessoal, fez a melhor escolha ao recusar o convite para compor a chapa do atual governo, no entanto, afirma que teria sido bom para o País se tivesse aceitado o convite. “Com todo o respeito ao General Mourão, porque gosto e respeito muito o trabalho dele, acho que eu enfrentaria mais o presidente. Não enfrentar no sentido de tirar o poder dele, mas para fazê-lo parar de causar. Alguém tem que enquadrar o Bolsonaro, e eu seria boa para isso.”
Nos últimos meses, foram enviados à Câmara dos Deputados 50 pedidos de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro e apenas um foi arquivado até o momento. No entanto, a autora do impeachment de Dilma Rousseff não enxerga embasamento para uma eventual derrubada de Bolsonaro. “Não enxergo elemento jurídico para fazer o impeachment do presidente, mas ele precisa se cercar de pessoas menos puxa-saco, que agem como petistas ao ficarem o tempo todo ao lado dele o elogiando. Isto não é ajudar o governo, mas fazer o que, cada cabeça uma sentença”, conclui.
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