Janot faz segunda denúncia contra Michel Temer por organização criminosa
A três dias do fim do seu mandato a frente da Procuradoria-Geral da República, Rodrigo Janot fez a segunda denúncia ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra Michel Temer. O procurador-geral acusa o peemedebista de organização criminosa. Além do presidente, Eduardo Cunha, Henrique Alves, Geddel Vieira Lima, Rodrigo Loures, Eliseu Padilha e Moreira Franco também foram denunciados.
Janot diz que os denunciados praticaram atos ilícitos em troca de propina, por meio da utilização de diversos órgãos públicos, como a Petrobras, Furnas, Caixa Econômica, Ministério da Integração Nacional e Câmara dos Deputados. O presidente teria sido líder desta organização criminosa desde maio de 2016.
Além disso, há também a imputação do crime de obstrução de justiça por ter pago indevidamente o corretor Lúcio Funaro, para evitar que ele firmasse um acordo de delação premiada. O pagamento teria sido feito, a pedido de Temer e Joesley Batista, por Ricardo Saud a Roberta Funaro, irmã do delator.
Organização criminosa
Segundo o PGR, o esquema desenvolvido permitiu que os denunciados recebessem pelo menos R$ 587 milhões de propina. A denúncia explica que o núcleo político da organização era composto também por integrantes do PP e do PT, que compunham subnúcleos políticos específicos, além de outros integrantes do chamado “PMDB do Senado”. Para Janot, em maio de 2016, com a reformulação do núcleo político da organização criminosa, os integrantes do “PMDB da Câmara”, especialmente Michel Temer, passaram a ocupar papel de destaque que antes havia sido dos integrantes do PT em razão da concentração de poderes na Presidência da República.
O PGR faz um registro histórico das nomeações e cargos ocupados desde que Lula foi vitorioso nas eleições presidenciais e precisava de mais espaço no âmbito do Congresso Nacional. Quanto ao grupo do “PMDB da Câmara”, as negociações de apoio passaram a orbitar, por volta de 2006, primordialmente em torno de dois interesses: a prorrogação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF); e a necessidade de ampliação da base do governo em razão do processo do “Mensalão” que havia enfraquecido o poder político da cúpula do Poder Executivo Federal integrada por membros do PT.
Esses temas foram negociados por Michel Temer e Henrique Alves, na qualidade de presidente e líder do PMDB, que concordaram com ingresso do “PMDB da Câmara” na base do governo em troca de cargos chaves, tais como a Presidência de Furnas, a Vice-Presidência de Fundos de Governo e Loterias na Caixa Econômica, o Ministério da Integração Nacional, a Diretoria Internacional da Petrobras, entre outros. No dia 30 de novembro de 2006, o Conselho Nacional do PMDB aprovou a integração da legenda, em bloco, a base aliada do Governo Lula.
Com relação à interação entre os núcleos político e administrativo da organização criminosa, a distribuição dos cargos ocupados pelos membros deste núcleo (administrativo) no âmbito do governo federal foi sempre um processo dinâmico, que envolvia constante tensão com o chefe do Poder Executivo federal e marcado por fortes disputas internas por espaços. Isso porque todos estavam interessados nos cargos públicos que lhes garantissem a melhor rentabilidade em termos de arrecadação de propina.
Segundo a denúncia, o papel de negociar os cargos junto aos demais membros do núcleo político da organização criminosa, no caso do subnúcleo do “PMDB da Câmara”, era desempenhado por Michel Temer de forma mais estável, por ter sido ele o grande articulador para a unificação do Partido em torno do governo Lula. Depois de definidos os espaços que seriam ocupados pelo grupo dos denunciados, Michel Temer e Henrique Eduardo Alves, este último líder do Partido entre 2007 e 2013, eram os responsáveis maiores pela distribuição interna dos cargos, e por essa razão recebiam parcela da propina arrecadada por Moreira Franco, Geddel Vieira Lima, Eliseu Padilha e especialmente Eduardo Cunha.
Eliseu Padilha, Geddel Vieira Lima, Henrique Eduardo Alves, Moreira Franco e Rodrigo Loures têm relação próxima e antiga com Michel Temer, daí porque nunca precisaram se valer de intermediários nas conversas diretas com aquele. Eram eles que faziam a interface junto aos núcleos administrativo e econômico da organização criminosa a respeito dos assuntos ilícitos de interesse direto de Michel Temer, que, por sua vez, tinha o papel de negociar junto aos demais integrantes do núcleo político da organização criminosa os cargos a serem indicados pelo seu grupo e era o único do grupo que tinha alguma espécie de ascensão sobre todos.
O procurador-geral informa que, além de praticar infrações penais no Brasil, a organização criminosa adquiriu caráter transnacional, o que pode ser demonstrado, principalmente, por dois de seus mecanismos de lavagem de dinheiro: transferências bancárias internacionais, na maioria das vezes com o mascaramento em três ou mais níveis para distanciar a origem dos valores; e a aquisição de instituição financeira com sede no exterior, com o objetivo de controlar as práticas de compliance e, assim, dificultar o trabalho das autoridades.
Transição de governo
Explica-se a rápida ascensão de Eduardo Cunha no âmbito do PMDB e na organização criminosa, entre outros fatores, por sua atuação direta e incisiva na arrecadação de valores lícitos ou ilícitos; e pelo mapeamento e controle que fazia dos cargos e pessoas que o ajudariam nos seus projetos. Em 2015, a relação entre os integrantes do “PMDB da Câmara” e a ex-presidente Dilma Rousseff estava fortemente abalada, especialmente pela exoneração de Moreira Franco da Secretaria de Aviação Civil sem prévio ajuste com Michel Temer.
No início de 2015, Eduardo Cunha decidiu não observar o acordo de alternância entre PT e PMDB e lançou-se candidato à Presidência da Câmara dos Deputados numa disputa com o candidato do PT Arlindo Chinaglia. Esse episódio marcou uma virada importante no relacionamento entre os integrantes do núcleo político da organização criminosa do “PMDB da Câmara” e do PT. Os caciques do PMDB achavam que o governo não estava agindo para barrar a Operação Lava Jato em relação aos “aliados” por que queriam que as investigações prejudicassem os peemedebistas; já os integrantes do PT da organização criminosa desconfiavam que aqueles queriam fazer uma manobra política para afastar a então presidente Dilma do poder e assumir o seu lugar.
Em março de 2016, o PMDB decidiu deixar formalmente a base do governo e, em abril de 2016, o pedido de abertura de impeachment da Presidente Dilma Rousseff foi aprovado pela Câmara dos Deputados. Michel Temer assumiu a Presidência da República em 12 05.2016, provisoriamente, e, em definitivo, no dia 31 de agosto de 2016. Na sua gestão, garantiu espaços relevantes aos líderes do PP e do PMDB que já pertenciam a organização criminosa.
A denúncia também destaca que, ante a forte atuação parlamentar e responsabilidade por outras indicações políticas, as quais ainda perduram, a organização criminosa permaneceu praticando crimes nos anos de 2015, 2016 e 2017. Nesse sentido, aplica-se a lei vigente a partir de setembro de
2013 (Lei nº 12.850/13). Conduta permanente, mesmo iniciada antes dessa data, passa a ser regida pela nova lei, nos termos do enunciado da Súmula 711 do Supremo Tribunal Federal.
Comentários
Conteúdo para assinantes. Assine JP Premium.