JP Descomplica: O Brasil tem estrutura para lidar com o coronavírus?

Sintomas são parecidos com os de uma gripe comum e uso de máscaras ainda não é recomendado

  • Por Camila Corsini, Carolina Fortes e Giullia Chechia
  • 06/03/2020 16h29
EFE/EPA/ATEF SAFADI A doença já provocou mais de 3.198 mortes e infectou mais de 93 mil pessoas em cerca de 76 países e territórios

Depois de quase três meses, a epidemia de coronavírus chegou ao Brasil. Já são 13 casos no país, os últimos cinco confirmados nesta sexta-feira (6)*. Duas das 13 transmissões ocorreram em território brasileiro, em São Paulo. As demais foram pessoas que viajaram para o exterior.

A doença já provocou mais de 3.198 mortes e infectou mais de 93 mil pessoas em cerca de 76 países e territórios. Ainda não há vacina e restam dúvidas sobre as formas de transmissão, contágio e tratamentos.

Brasil está preparado para uma epidemia

Segundo o Ministério da Saúde, sim. O infectologista e coordenador do comitê de contingenciamento para enfrentar o coronavírus em São Paulo, David Uip, lembra que o processo de resposta ao coronavírus já é conhecido, pois não se trata de um vírus novo.

“Ele é responsável por 5 a 10% das infecções pulmonares em adultos”, explica. No País, há dois tipos mais comuns circulando: o 229E e o OC43, que têm capacidades distintas da Covid-19.

Ele também cita outras epidemias já confrontadas pelo Brasil, como o H1N1, a dengue e o sarampo. “Estamos preparados por uma política adequada de enfrentamento a uma situação conhecida.”

Nos próximos dias, vão ocorrer, ainda, as primeiras entregas de 16 itens de proteção individual. As máscaras e aventais para serem utilizados no serviço público de saúde também devem chegar em breve, já que a compra foi negociada com uma empresa.

A Agência de Aviação Civil (Anac) afirmou, por meio de nota, que até o momento não há indicação para a aplicação de quaisquer restrições ao tráfego internacional. No entanto, esclareceu que reforçou as recomendações aos viajantes, visando reduzir a exposição e transmissão da doença.

Pessoas com tosse e febre não devem ir para o hospital

A orientação do governo brasileiro é que só devem procurar atendimento hospitalar pessoas que tiverem desconforto respiratório ou se a febre ir e voltar (por exemplo, se aumentar o número de respirações por minuto — o normal são 20 vezes).

Já aqueles que apresentarem tosse e febre devem ficar em casa, se hidratar, ter uma boa alimentação e ficar em repouso. O infectologista e coordenador do comitê de contingenciamento para enfrentar o coronavírus em São Paulo, David Uip, criticou as medidas adotadas pela China de hospitalizar todos os que apresentaram sintomas, além de dizer que o hospital construído em 10 dias foi “equivocado”.

Por isso, o Brasil está adotando o isolamento domiciliar para os infectados, o que diminui o risco de transmissão. “Doente internado é doente grave, que precisa de hospital. Doente com tosse e febre, fica em casa, vai ficar mais confortável, seguro, não precisa de hospital”, diz Uip.

Governo não vai testar todo mundo

Ainda há muitas dúvidas em torno da realização dos exames, principalmente depois que o quarto caso confirmado — uma adolescente de 13 anos — está assintomática.

Segundo Luis Fernando Aranha, infectologista do Hospital Albert Einstein — onde foram identificadas grande parte das ocorrências — o exame de detecção do vírus tem resultado rápido e preciso. “O exame é um PCR, portanto não é por exclusão, ele detecta mesmo o coronavírus. E ele é muito simples e rápido.”

O Ministério da Saúde afirmou que, mesmo com esta informação, não vai testar todos os cidadãos. O protocolo continua o mesmo: apenas pessoas que apresentaram sintomas e estiveram em algum dos trinta e um países considerados pelo Brasil como alerta.

Para o infectologista e coordenador do comitê de contingenciamento, David Uip, testar as pessoas que não cumprem esses padrões pré-estabelecidos é “jogar dinheiro no lixo”. Como ainda não há tratamento, o exame acaba ficando caro, em torno de R$ 250 se o vírus testado for apenas o do Covid-19. Se fizer o painel inteiro — que inclui 17 vírus e quatro bactérias –, o valor pode chegar a R$ 1600.

“Você faz o que com o exame? Nada, porque não tem tratamento específico para a doença. Então essa corrida para fazer o exame não tem o menor sentido”, finaliza Uip.

Esqueça as máscaras! Aposte nas etiquetas de higiene

A coordenadora da UTI de Infectologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Ho Yeh Li, explica que as máscaras podem não ter muita utilidade nesse primeiro momento.

“Na situação que estamos neste momento, não há nenhuma necessidade de andar na rua com máscaras. Principalmente porque ela serve para pessoas que estão com sintomas não propagarem para os outros. Para quem quer evitar doença, talvez não seja eficiente.”

De acordo com ela, o melhor é investir nas chamadas etiquetas de higiene. “A primeira coisa é a higienização constante das mãos. Ela pode ser feita tanto com álcool em gel quanto como água e sabão. São igualmente eficazes.”

O infectologista do Instituto Emílio Ribas, Jean Gorinchteyn, completa a informação de Ho Yeh Li e alerta para as aglomerações de pessoas, que tendem a ser maiores no inverno.

“Mantenha os ambientes arejados, ventilados. Outro aspecto é evitar ambientes aglomerados. Se eu puder escolher não usar transporte público no horário de pico, é melhor. Com as temperaturas diminuindo, as chuvas aglomeram mais as pessoas. Estejam atentos especialmente em períodos de lazer.”

Temperatura não influencia na transmissão

Com a chegada das temperaturas mais baixas, as preocupações aumentam. Isso acontece porque os sintomas do coronavírus são bem parecidos com os de uma gripe comum.

Foi até por causa disso que o Ministério da Saúde resolveu antecipar a campanha de vacinação da gripe para o dia 23 de março — além de ampliar os grupos de risco.

Apesar disso, o professor Sérgio Siqueira diz que a temperatura não parece afetar a viabilidade do vírus — já que os casos estão sendo registrados em países como Itália, onde faz frio nessa época do ano, e também nos Emirados Árabes, onde a temperatura está em torno de 25ºC.

“A questão do clima tem muito menos a ver com a viabilidade e mais com a facilidade de propagação. No inverno há uma tendência natural de que as pessoas fiquem em ambientes fechados ou aglomerações. Isso tudo pela maneira como as doenças são transmitidas e pode favorecer o contágio.”

O coronavírus pode estar à 1 metro de distância

A descoberta do novo agente do coronavírus é extremamente recente — os primeiros casos foram registrados em 31 de dezembro de 2019, por isso as investigações sobre as formas de transmissão ainda estão em andamento. Entretanto, já se sabe que a disseminação da doença está ocorrendo.

De acordo com os especialistas em saúde, o vírus se espalha por meio de gotículas respiratórias ou contato próximo. Saliva, espirro, tosse, catarro, contato pessoal ou contato com objetos contaminados podem disseminar a infecção. Qualquer pessoa que esteja próxima de alguém com sintomas respiratórios — cerca de 1 metro, corre o risco de estar exposta ao Sars-Cov-2.

Apesar da grande propagação pelo mundo, o coronavírus apresenta uma transmissão menos intensa que o vírus da gripe comum. O Brasil contabiliza 9 casos da doença. Entre os registros, dois deles são transmissões locais. O secretário de Vigilância em Saúde, Wanderson de Oliveira, afirma que até o momento não está acontecendo a transmissão comunitária — quando o vírus circula livremente na população, uma vez que é possível rastrear a origem de todos os casos confirmados.

Crianças estão mais resistentes ao vírus

Idosos, crianças, doentes crônicos, respiratórios ou cardíacos, tabagistas, consumidores de álcool ou drogas, pessoas que realizam tratamento de doenças reumatológicas, fazem quimioterapias, diálise ou usem imunossupressores ocupam, muitas vezes, o chamado “grupo de risco”.

O termo médico identifica uma população mais propensa a adquirir determinadas doenças, uma vez que se encontra em situações que diminuem a imunidade.

Entretanto, desde o início do surto, há pouquíssima incidência do vírus em crianças. De acordo com Ho Yeh Li, coordenadora da UTI de Infectologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, ainda não há respostas para os médicos ao redor do mundo sobre a grande resistência dos pequenos ao coronavírus. A doutora enfatiza que algumas hipóteses devem ser levantadas. “Pode ser que o tipo de resposta à doença não dependa tanto da maturidade imunológica ou, eventualmente, as crianças da China podem não estar frequentando áreas de alta contaminação.”

* Os números desta reportagem são referentes à sexta-feira (6), por volta das 16h30min. Já as informações do podcast foram atualizadas pela última vez na quinta, às 17h. Ou seja, podem aumentar.

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