Justiça do RJ reverte guarda de menino de 11 anos para pai suspeito de abuso sexual

Decisão foi tomada com base na Lei de Alienação Parental, que foi sancionada há quase 10 anos e que provoca controvérsias desde que entrou em vigor

  • Por Nicole Fusco
  • 04/09/2019 07h11 - Atualizado em 06/09/2019 00h08
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Folhapress Silva Júnior/Folhapress Segundo o relato do menino à Delegacia da Criança e do Adolescente Vítima (DCAV), o pai o obrigava a tomar banho em sua companhia e chegou a introduzir um dedo no ânus da criança

A Justiça do Rio de Janeiro decidiu reverter a guarda de um menino de 11 anos para o pai, que é suspeito de abusar sexualmente do filho. A decisão foi tomada na última sexta-feira (30), pela 5ª Vara Familiar do Rio.

Os nomes das pessoas nesta reportagem foram trocados, para preservar a identidade da criança.

Desde maio, o menino Eduardo estava com uma medida protetiva, que impedia que o pai, Rui, ficasse a menos de 200 metros dele. O mandado de segurança tinha sido expedido com urgência depois que Eduardo prestou depoimento especial na Delegacia da Criança e do Adolescente Vítima (DCAV). O ata do depoimento indica a possibilidade de abuso sexual e lesão corporal.

(Erramos: a versão anterior da reportagem afirmou, erroneamente, que o “o laudo, que resultou do depoimento, constatou abuso sexual e lesão corporal”. Na verdade, o termo correto é “ata de depoimento” e ela apenas “indicou” o abuso sexual e a lesão corporal. A informação foi corrigida às 14h15 de 05/09/2019.)

No relato, Eduardo contou que o pai o obrigava a tomar banho em sua companhia e chegou a introduzir um dedo no ânus da criança. Rui também lhe mostrava filmes pornográficos, masturbava-se diante dele e passava em seu corpo o que o menino chamou de “líquido meio gosmento”.

De acordo com o depoimento, os abusos aconteciam quando a esposa de Rui não estava em casa. Eduardo também disse aos psicólogos que o pai, que possui uma academia de jiu jitsu, o agrediu diversas vezes, inclusive com uma toalha molhada e com um pau chinês. O mesmo teria sido feito por amigos de Rui, com a conivência dele, segundo o garoto.

Eduardo contou ainda que Rui ameaçava a mãe e a avó dele, caso contasse o que acontecia entre ele e o pai.

Mesmo assim, a inversão da guarda foi decidida pela juíza Leise Rodrigues de Lima Espírito Santo, com base na Lei de Alienação Parental. Sancionada há quase 10 anos, essa lei provoca controvérsias desde que entrou em vigor.

Segundo o Artigo 2 da Lei 12.318, considera-se ato de alienação parental a “interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este”.

São enquadrados neste crime os atos de: dificultar o contato da criança ou do adolescente com um dos genitores; fazer campanha para desqualificar a conduta do genitor — ou seja, jogar a criança contra o pai ou contra a mãe; apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós.

Foi amparado nesta última cláusula que Rui conseguiu a guarda de Eduardo. De acordo com os advogados criminais do pai, que não quiseram dar entrevista, foram realizadas três perícias psicológicas e um estudo social que constataram que jamais ocorreram quaisquer agressões, sejam elas física ou psicológica.

O depoimento de Eduardo foi classificado como infidedigno, com base no que foi apurado pelos peritos psicológicos. Os psicólogos constatam também que Beatriz, a mãe de Eduardo, cometia atos de alienação parental.

Os abusos relatados pelo menino ainda estão na fase de inquérito, ou seja, de investigação, numa delegacia do Rio de Janeiro. Um primeiro processo chegou a ser arquivado por falta de materialidade, situação esta que é comum em casos que envolvem o crime de abuso sexual, de acordo com o advogado criminal de Beatriz, Taiguara Souza.

“São casos que na maioria das hipóteses são praticados em ambientes domésticos e, por essa razão, há uma dificuldade muito grande para a obtenção de provas. Ainda mais em se tratando de vítimas menores de idade, a dificuldade é maior ainda. No caso em especial, não há na conduta narrada pela vítima, vestígios muito consistentes que apareçam no exame de corpo de delito”, afirmou Souza.

O advogado criminal afirmou que a maior preocupação agora é com a integridade física e mental da criança. “De nossa parte, há a grande preocupação, inclusive, com a possibilidade de reiteração desses crimes”, disse. “No nosso entendimento há uma crime inequívoco praticado e a inversão da guarda é na verdade um cheque em branco para que esse pai possa retomar práticas de condutas inadequadas com esse seu filho.”

Por meio de nota, os advogados de Rui disseram que “as acusações contra o pai do menor vêm sendo sistematicamente provadas falsas e repelidas tanto pelo Ministério Público quanto pelo Poder Judiciário, que fundamentam suas manifestações e decisões nas provas produzidas nos autos”.

Os advogados que defendem Rui e Beatriz na Vara da Família também não quiseram gravar entrevista. Na sexta-feira da semana passada, quando foi determinada a busca e apreensão da criança, Beatriz tinha fugido com o filho. Eles ainda não foram localizados.

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