Lei do abuso de autoridade quer ‘consagrar impunidade’ no País, dizem promotores

  • Por Jovem Pan
  • 17/08/2019 14h16
Cleia Viana/Câmara dos Deputados A nota do MP Pró-Sociedade avalia sete pontos do projeto de lei e ao fim, os integrantes da associação pedem que o presidente Jair Bolsonaro vete integralmente o Projeto de Lei.

Para a Associação Ministério Público Pró-Sociedade, o Projeto de Lei 7.596/17, aprovado na Câmara do Deputados nesta quarta, 14, foi feito para ‘intimidar’ promotores, procuradores, juízes e policiais. A entidade divulgou nota pública indicando que o projeto foi chamado de Lei do Abuso de Autoridade ‘cinicamente’ e garante abuso contra servidores e agentes públicos.

Na avaliação da associação que reúne ‘promotores e procuradores linha-dura’ o projeto quer impedir ‘outras lava jatos ou quaisquer investigações que atinjam poderosos ‘visa colocar promotores, juízes e policiais de joelhos’.

A nota do MP Pró-Sociedade avalia sete pontos do projeto de lei e ao fim, os integrantes da associação pedem que o presidente Jair Bolsonaro vete integralmente o Projeto de Lei.

Integrantes do governo avaliam modificações em dez artigos do texto que passou pelo Congresso. Em dois pontos, os parlamentares da bancada da bala já receberam a sinalização que pode haver vetos. Entre eles, estão os itens que punem autoridades que iniciem investigação sem justa causa fundamentada e que usem algemas de forma inadequada – ambos são criticados pelo Ministério Público Pró-Sociedade.

O documento da associação começa avaliando o artigo 2º do PL 7 596/17, que indica que qualquer agente público de qualquer dos Poderes da União é sujeito ativo do crime de abuso de autoridade O projeto elenca ainda alguns de tais atores: servidores públicos e militares, membros dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, integrantes do Ministério Público e dos tribunais ou conselhos de contas.

Para o MP Pró-Sociedade, no entanto, os crimes previstos no projeto ‘praticamente nunca’ se aplicariam a outros servidores que não promotores, policiais e juízes.

O artigo 9º do PL 7.596/17 também é atacado pelos ‘procuradores linha-dura’. O dispositivo caracteriza como crime, punível com detenção de um a quatro anos e multa, ‘decretar medida de privação da liberdade em manifesta desconformidade com as hipóteses legais.

Na avaliação da associação, o texto intimida promotores, juízes e policiais para evitar que requeiram, determinem ou efetuem prisão. O Ministério Público Pró-Sociedade diz ainda que é ‘ingenuidade’ e ‘malícia’ acreditar que o dispositivo puniria ‘apenas quem estiver em desconformidade com as hipóteses legais’

A entidade argumenta que as hipóteses legais de incidência dos crimes previstos no PL seriam vagas e permitiriam diferentes interpretações.

Com relação ao Artigo 17º – que caracteriza como crime submeter o preso ao uso de algemas quando manifestamente não houver resistência à prisão ameaça de fuga ou risco à integridade física do próprio preso, da autoridade ou de terceiro’ – o MP Pró-Sociedade diz: “enorme elasticidade de interpretação do princípio da dignidade da pessoa humana tem sido a chave que abre a porta da cadeia para o desalgemamento e a soltura dos mais brutais criminosos”.

Para a entidade, a ‘utilização distorcida’ de tal princípio desconsideraria que o risco a que estão sujeitos os policiais, juízes e promotores também viola a dignidade.

A entidade critica ainda a subjetividade dos artigos 10º e 30º do PL. Para o MP Pró-Sociedade, o primeiro – decretar a condução coercitiva de testemunha ou investigado manifestamente descabida ou sem prévia intimação de comparecimento ao juízo – foi elaborado como ‘represália’ à Lava Jato.

Já com relação ao segundo – dar início ou proceder à persecução penal, civil ou administrativa sem justa causa fundamentada ou contra quem sabe inocente – argumentam que ‘justa causa’ é um termo ligado à confiança e boa fé.

O artigo 14º – que versa sobre fotografar ou filmar, permitir que fotografem ou filmem, divulgar ou publicar fotografia ou filmagem de preso ou vítima – os promotores e procuradores linha-dura caracterizam como ‘fogo ou frigideira’. “Se permite tirar fotografias, é criminoso. Se não permite, o policial não tem como provar falta notícia de abuso ou agressão no momento da prisão ou durante a condução”, dizem.

Quanto ao artigo 25º – proceder à obtenção de prova, em procedimento de investigação ou fiscalização, por meio manifestamente ilícito – a associação trata do caso de operações realizadas com base em provas lícitas serem posteriormente declaradas ilícitas pelo Tribunal. Na avaliação da entidade, nesses casos haveria insegurança jurídica e obstrução de operações das Polícias Estaduais e Federal.

Confira a íntegra da nota:

Nota Pública sobre o Projeto de Lei que visa a consagrar a Impunidade no Brasil

O Ministério Público Pró-Sociedade quer chamar atenção para o grande problema que é o projeto denominado de maneira cínica de Lei do Abuso de Autoridade. Cinicamente pois foi feito para intimidar promotores, procuradores, juízes e policiais, além de consagrar e garantir o abuso contra servidores e agentes públicos no exercício diário de suas atribuições.

Senão vejamos

1) O artigo 2º enumera vários agentes públicos que são atingidos pela lei, logo é inverídica a informação de que foi feita contra promotores, juízes e policiais? Na verdade, ao analisar os crimes previstos no Projeto de Lei (PL), percebe-se que praticamente nunca se aplicarão a outros servidores que não: Promotores, Policiais e Juízes.

O alvo é nítido. O objetivo é a intimidação.

2) Intimida promotores, juízes e policiais para evitar que requeiram, determinem ou efetuem prisão. É ingenuidade acreditar que o artigo 9º é feito para punir apenas quem estiver em desconformidade com as hipóteses legais! Ingenuidade de quem alega isso. Ou malícia mesmo. As hipóteses legais de incidência dos crimes previstos no PL são vagas e permitem as mais variadas interpretações. Por exemplo, no próprio Supremo Tribunal Federal, alguns ministros entendem o cabimento de prisão

em segunda instância. A maioria. Outros não, soltam, contrariando decisão do próprio Plenário.

Sobre a prisão preventiva, a lei usa conceitos bem subjetivos. Andre Lenart, em artigo publicado, demonstra que os requisitos para a prisão preventiva na Alemanha têm redação muito parecida com os do Brasil, porém, na Alemanha, se é muito mais duro/rigoroso com o criminoso.

Se aprovado pelo Congresso Nacional o PL de Abuso de Autoridade, a prática será: prendeu, o juiz solta ou o tribunal solta, o criminoso vai representar contra o policial (que prendeu em flagrante delito), o juiz (que decidiu pela manutenção da prisão) e contra o promotor como partícipe (que requereu a manutenção da prisão).

Os agentes públicos poderão ser processados por isso e passsarão quase todo o tempo se defendendo justamente por terem exercido corretamente as suas atribuições. Apenas os policiais, promotores e juízes, desencarceradores e “garantistas”, trabalharão tranquilos. Por outro lado, os que se preocupam efetivamente com a Sociedade, com as vítimas inocentes, não!

3) O uso de algemas é padrão em todas as polícias do mundo e garante a integridade física tanto do preso quanto dos policiais presentes no local. Evita inclusive de se usar a força para conter alguém. Evita morte. Salva vidas. Promotora Grávida exercendo suas atribuições no Plenário do Júri, acusando um traficante homicida perigoso, sem algemas, e este a ataca. Ou a qualquer outra pessoa dentro do Fórum. Ou ataca a vítima da tentativa de homicídio que está depondo.

Se aprovado pelo Congresso Nacional o PL de Abuso de Autoridade, a autoridade que determinar o uso de algemas ou o servidor que algemar, será processado criminalmente, arriscando sua carreira profissional para proteger a vida de todos presentes no Tribunal? A enorme elasticidade de interpretação do princípio da dignidade da pessoa humana tem sido a chave que abre a porta da cadeia para o desalgemamento e a soltura dos mais brutais criminosos. A utilização distorcida desse princípio desconsidera que o risco a que estão sujeitos os policiais, juízes e promotores também

viola a dignidade. Não merece maior proteção nesses casos?

4) O artigo 10 do PL de Abuso de Autoridade demonstra ter sido elaborado como represália à Lavajato. Pune decretar condução coercitiva incabível. E quando ela é incabível? Discutível. Subjetivo. Quando a decisão sofrer a primeira reforma pelo Tribunal, juiz e promotor serão representados criminalmente. Por vezes essa reforma será em HC, saltando instâncias, e em liminar monocrática, como ocorre de praxe no STF.

5) Também é crime permitir que seja fotografado o investigado/criminoso (artigo 14). Essa é fogo ou frigideira. Se permite tirar fotografias, é criminoso. Se não permite, o policial não tem como provar falta notícia de abuso ou agressão no momento da prisão ou durante a condução. Até mesmo policiais sujeitos a responderem criminalmente quando, familiares, amigos ou criminosos apoiadores de traficantes filmam e editam trechos maliciosamente durante a prisão em flagrante com ameaças aos policiais. Os policiais sempre estarão na pior e não nunca poderão utilizar-se da filmagem para provar a correta abordagem, apreensão e prisão em flagrante.

6) O artigo 25 do PL de Abuso de Autoridade: proceder obtenção de prova por meio ilícito. Se operações realizadas com base em provas lícitas forem posteriomente declaradas pelo Tribunal ilícitas, com a consequente anulação e suspensão das operações? Há vários casos nesse sentido. As autoridades e servidores que atuaram corretamente, de repente, virarão criminosos? No Brasil, após o Supremo Tribunal Federal criminalizar homofobia, desconsiderando o princípio da legalidade estrita, a caracterização de um crime de abuso de autoridade é um risco patente em razão da possibilidade de mudança de entendimento acerca da legalidade ou não da prova colhida. A insegurança jurídica estará instalada com a consequente obstrução de dezenas de operações das Polícias Estaduais e Federal.

7) O artigo 30 do PL de Abuso de Autoridade: dar início ou proceder à persecução penal, civil ou administrtiva, sem justa causa. Justa causa é um termo extremamente subjetivo, ligado à confiança e boa fé. O que seria justa causa? Suporte probatório mínimo? E o que é isso? O que se caracteriza como “tecnicamente provado”? A própria existência de indícios é baseada no que convence ou não a quem a avalia com base em sua experiência, conhecimento, perspicácia e lógica. Isso varia e, desse modo, sempre que for dado um Habeas Corpus e houver uma absolvição, o autor ou o partícipe do crime poderá representar criminalmente e processar criminalmente a autoridade que deu ensejo à instauração da persecução penal.

Esses são apenas alguns exemplos do descalabro do PL de Abuso de Autoridade que teve destino certo: impedir que haja outras lavajatos ou quaisquer investigações que atinjam poderosos. Visa colocar promotores, juízes e policiais de joelhos.

Assim, os integrantes da Associação MP Pró-Sociedade requerem ao Excelentíssimo Senhor Presidente da República que evite a consagracão da impunidade e vete integralmente o malfadado Projeto de Lei, além de envidar todos os esforços em seus discursos públicos para que sociedade tome conhecimento dos graves prejuízos que advirão com a sanção do referido PL tanto à segurança pública, quanto ao combate à criminalidade.

Associação MP Pró-Sociedade

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