Medida protetiva dada por policial é ‘inconstitucional’, diz promotora
Projeto de lei que permite que policiais e delegados apliquem medidas protetivas às vítimas de violência doméstica foi aprovado na terça-feira e é criticado pelo Ministério Público
O projeto encaminhado nesta semana para sanção presidencial que permite que policiais e delegados apliquem medidas protetivas às mulheres vítimas de violência doméstica foi criticado pela Promotoria de Justiça de Enfrentamento à Violência Doméstica, do Ministério Público de São Paulo. Segundo a promotora do grupo, Fabiana Paes a proposta é “inconstitucional”.
O Senado aprovou, de forma simbólica, o Projeto de Lei 94/2018, que já tinha passado pela Câmara. Segundo a proposta, se for verificada a existência de risco à vida ou à integridade física da mulher e de seus dependentes, delegados e policiais poderão determinar o afastamento imediato do agressor, antes da autorização judicial.
Se for aprovado, o projeto prevê que o juiz deverá ser comunicado pelo delegado ou policial em 24 horas e decidirá, em igual prazo, sobre a manutenção ou a revisão da medida protetiva, comunicando sua decisão ao Ministério Público. Atualmente, a lei estabelece que a polícia comunique as agressões a um juiz em um prazo de 48 horas para que, só então, ele decida sobre as medidas protetivas. O argumento contra as regras atuais é que esse prazo é muito longo, o que contribui para que a vítima fique exposta a outras agressões e até mesmo ao feminicídio.
A promotora explica que é contrária à medida por duas razões: a primeira porque, de acordo com ela, o problema não está em quem aplica a medida protetiva, mas sim na sua fiscalização. “Me parece muito mais interessante para as mulheres que, ao invés da propositura de uma política meramente de propaganda, seria mais interessante que as delegacias tivessem verbas adequeadas. A maior reclamação que recebemos é da falta ou do mal atendimento da polícia”, criticou ela em entrevista à Jovem Pan, acrescentando que o Ministério Público recebe a notificação de um caso de agressão por meio de um sistema eletrônico, o que agiliza o processo de deliberação.
A promotora citou um projeto que existe na região central de São Paulo, chamado Patrulha Maria da Penha, que acompanha as mulheres vítimas de violência doméstica. “Isso sim são políticas efetivas porque a mulher recebe um policial que pergunta se houve algum problema, se houve alguma aproximação do agressor e ele faz um relatório, que nos dá subsídios, até mesmo, para pedir a prisão do agressor”. O MP tenta expandir o projeto para outras regiões da cidade e para outros municípios paulistas.
A segunda razão é que a lei pode vir a ser aplicada de forma arbitrária. “O afastamento de um agressor do lar é uma medida de cunho judicial. E, num estado democrático de direito, restrição de direitos tem que ser determinada pela autoridade judicial com parecer do Ministério Público”, disse.
Ela cita, como exemplo, o artigo 5 da Constituição, que diz que “a casa é asilo inviolável do indivíduo”. “Ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”, diz o texto da lei. Segundo a promotora, tirar o direito de uma pessoa de ter acesso à sua casa é algo que compete apenas a um juiz. “É uma afronta às determinações e poderes do Judiciário, que é quem tem competência de decisõessobre restrições de direitos”, explicou.
Paes afirma que a lei “fatalmente será questionada sobre sua constitucionalidade”, caso seja aprovada. “Seria mais intressante do que se preocupar com maquiagem de política pública, que houvesse investimentos na fiscalização dessas medidas [protetivas]”, concluiu a promotora.
Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública de 2017, os mais recentes, mostram que naquele ano houve 221.238 registros de violência doméstica — são 606 casos por dia. Houve também, naquele período, 1.133 feminicídios.
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