MP diz que Aranha foi absolvido por falta de provas e que ‘estupro culposo inexiste no ordenamento jurídico’

Segundo o órgão, não foi possível atestar a prática de crime por parte do acusado; na época da denúncia, os exames feitos por Mariana Ferrer comprovaram o estupro

  • Por Carolina Fortes
  • 03/11/2020 21h59 - Atualizado em 04/11/2020 02h08
Reprodução/Instagram/Twitter mariana-ferrer-aranha Acusado de estuprar Mariana Ferrer, André Aranha foi absolvido

A 23ª Promotoria de Justiça da Capital, que atuou no caso de estupro da youtuber Mariana Ferrer, afirmou nesta terça-feira, 3, que o empresário André de Camargo Aranha foi absolvido por falta de provas de estupro de vulnerável, e não com fundamento na tese do “estupro culposo”. Segundo o Ministério Público, esse tipo penal “inexiste no ordenamento jurídico”. Em nota, o órgão reafirmou que “combate de forma rigorosa a prática de atos de violência ou abuso sexual, tanto é que ofereceu denúncia criminal em busca da formação de elementos de prova em prol da verdade”. “Todavia, no caso concreto, após a produção de inúmeras provas, não foi possível a comprovação da prática de crime por parte do acusado”, disse.

“Cabe ao Ministério Público, na condição de guardião dos direitos e deveres constitucionais, requerer o encaminhamento tecnicamente adequado para aquilo que consta no processo, independentemente da condição de autor ou vítima. Neste caso, a prova dos autos não demonstrou relação sexual sem que uma das partes tivesse o necessário discernimento dos fatos ou capacidade de oferecer resistência, ou, ainda, que a outra parte tivesse conhecimento dessa situação, pressupostos para a configuração de crime”, continuou o texto. “O MPSC lamenta a difusão de informações equivocadas, com erros jurídicos graves, que induzem a sociedade a acreditar que em algum momento fosse possível defender a inocência de um réu com base num tipo penal inexistente”, afirmou.

O MP também lamentou a postura do advogado de Aranha, Cláudio Gastão da Rosa Filho, que humilhou Mariana Ferrer durante a audiência, segundo gravações obtidas pelo “The Intercept Brasil”. Além de ter classificado fotos dela como “ginecológicas”, chamou o seu choro de “dissimulado e falso” e sua exasperação como “lágrima de crocodilo”. Gastão afirmou, ainda, que “não deseja ter uma filha ou que seu filho se relacione com “alguém do ‘nível’ da vítima”. De acordo com o órgão, a forma como o magistrado agiu “não se coaduna com a conduta que se espera dos profissionais do Direito envolvidos em processos tão sensíveis e difíceis às vítimas”. Informou, ainda, a importância da conduta “ser devidamente apurada pela OAB e pelos seus canais competentes”.

CNJ vai abrir reclamação contra juiz

Nesta terça, a Corregedoria Nacional de Justiça abriu processo para apurar a postura do juiz Rudson Marcos, que concordou com a tese do promotor Thiago Carriço de Oliveira. Segundo Oliveira, não havia como o empresário André de Camargo Aranha saber que a jovem não estava em condição de consentir o ato sexual e, por isso, não existiu a “intenção” de estuprar. Ele foi absolvido. A conduta do juiz e do promotor sofreram críticas, e eles foram acusados de ser “omissos” ao permitir que Gastão ofendesse a jovem. Segundo o Ministério Público, o promotor “interveio em favor da vítima em outras ocasiões ao longo do ato processual, como forma de cessar a conduta do advogado, o que não consta do trecho publicizado do vídeo”.

Inicialmente, Aranha havia sido condenado pelo promotor Alexandre Piazza por estupro de vulnerável, quando a vítima está sob efeitos entorpecentes ou álcool e não é capaz de consentir ou se defender. Ele também solicitou a prisão preventiva do acusado, que foi aceita pela justiça, mas foi derrubada em liminar em segunda instância pela defesa de Aranha. A sentença mudou após Piazza deixar o caso para, segundo o Ministério Público, assumir outra promotoria. Havia sido informado, inicialmente, que o promotor do caso Thiago Carriço de Oliveira, que assumiu o caso, havia classificado o crime como “estupro culposo” e que, segundo Oliveira, não havia como Aranha saber que a jovem não estava em condição de consentir o ato sexual e, por isso, não existiu a “intenção” de estuprar. O termo “estupro culposo”, no entanto, não consta na ação e, segundo o “The Intercept Brasil”, que revelou a absolvição do empresário, foi usado na reportagem “para resumir o caso e explicar para público leigo”.

A influenciadora Mariana Ferrer tinha 20 anos quando se tornou embaixadora de um requintado beach club em Florianópolis, o Cafe de La Musique. Um ano depois, a jovem reuniu coragem para denunciar um estupro dentro do estabelecimento. Segundo Mariana, em 15 de dezembro de 2018, ela foi dopada e violentada por um empresário, que seria amigo dos proprietários do local. O caso todo veio à tona nas redes sociais da própria Mariana, que, em busca de justiça, resolveu tornar a situação pública. “Não é nada fácil ter que vir aqui relatar isso. Minha virgindade foi roubada de mim junto com meus sonhos. Fui dopada e estuprada por um estranho em um beach club dito ‘seguro e bem conceituado’ da cidade”, disse ela, ao falar sobre o assunto pela primeira vez. Mariana utilizou a rede social para expor detalhes do ocorrido na noite de dezembro. Vídeos em que aparece se apoiando nas paredes, sem conseguir andar sozinha, prints pedindo socorro a amigas que estavam no local, além da foto do vestido que usava na noite todo ensanguentado.

Segundo uma reportagem da revista “Marie Claire” à época, os exames feitos por Mariana comprovaram o estupro. O sêmen encontrado na calcinha da jovem, que era virgem, era de André de Camargo Aranha, atualmente de 43 anos, empresário influente do ramo do futebol, apontado como amigo de jogadores famosos. Desde a denúncia, Mariana Ferrer promoveu uma verdadeira cruzada contra seus abusadores nas mais diversas plataformas. A hashtag #justicapormariferrer possui centenas de milhares de comentários questionando a atuação da Justiça, e já chegou aos mais diversos perfis, como o da cantora Ludmilla, da atriz Débora Nascimento e da também influencer Débora Aladim.

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