Ódio se junta em panela de pressão esperando o momento de estourar se não houver escuta, diz psicanalista

  • Por Jovem Pan
  • 13/03/2019 17h52
FELIPE RAU/ESTADÃO CONTEÚDO Dez pessoas morreram e nove ficaram feridas no ataque

A ausência de espaços de escuta em escolas pode possibilitar a expressão do ódio de forma violenta, avaliou o psicanalista e doutor em ciências sociais Sérgio Luís Braghini. “Depois da tragédia, todo mundo vai encontrar um sinal de que isso poderia acontecer. Se esses sinais que sabemos depois, pudermos ter acesso antes, aí sim, pode-se prevenir algumas tragédias”, declarou ele em entrevista ao Jovem Pan Agora.

Nesta quarta-feira (12), dois ex-alunos – de 17 e 25 anos – da Escola Estadual Raul Brasil invadiram a unidade de ensino e abriram fogo contra diversas pessoas, matando cinco alunos e duas funcionárias e deixando nove feridos. Antes, a dupla havia roubado a locadora de veículo do tio de um deles e levou um Onyx branco, utilizado no crime. Depois, ao se depararem com policiais, eles morreram. A suspeita é de suicídio.

Braghini, que coordena curso de pós-graduação em Psicossociologia da Juventude na Escola de Sociologia e Política de São Paulo, acredita que o massacre tem, “ao que tudo indica, apresar de toda a meticulosidade de preparação, algo de um ódio bem estabelecido, que foi sendo juntado, criado, e que possibilitou que fosse motor para esse ato”. O atirador mais novo havia abandonado os estudos no ano passado.

“Nós estamos falando do tempo do ‘te pego na saída’. Na escola era muito comum isso. O que acontecia dentro da escola se resolvia fora dela, naquele primeiro encontro no portão. Atualmente, as coisas tomaram outro volume de violência, de eliminação [de desafetos], pelos meios [de execução dos atos]. Esses ódios hoje não cessam, não acabam na sala de aula, está estampado na rede social”, afirmou o especialista.

As redes sociais do adolescente envolvido no ataque havia algumas mensagens de ódio, outras com referência ao anarquismo e, ainda, diversas fotos dele empunhando uma arma de fogo, que pode ser a utilizada nos assassinatos. “Se você tem espaços de escuta na escola, sinais [‘estranhos’] podem ser vistos ou notados por professores e pode haver canal em que o ódio é trabalhado e encontrar outra forma de resolução [que não a violência].”

“Não tendo esses espaços é como se esse ódio fosse só se juntando numa panela de pressão esperando o momento de estourar”, comparou Braghini. “Em alguns casos, você consegue perceber isolamento ou ameaças, ao que provavelmente ninguém deu bola. Se o ódio aparece de uma vez, aparece na saída da escola; se é recolhido, é mais difícil ter sinais, [e os jovens] procuram meios de fazê-lo. Neste caso, fazem em silêncio.”

Esse silêncio, segundo analisa o professor, se deve muito ao fato de que, por natureza, “o adolescente não se abre com os pais, só com um grupo de amigos muito próximo, geralmente; são eles que têm acesso a essa possibilidade” de expressão do ódio de forma violenta. “Ter esse espaço de escuta, possibilita que coordenadores e professores tenham acesso a saberes psicológicos que auxiliem nas dificuldades e sinais apresentados.”

Ainda segundo Sérgio Luís Braghini, a violência cometida pelos dois autores do ataque em Suzano é um reflexo da sociedade que não é apenas repetido exclusivamente na escola. “Vivemos um momento em que o ódio pode ser explicitado de maneira aberta sem nenhum freio”, comentou. “A escola, por ser um local fechado que agrega grande número de pessoas, é um caldeirão possível de aparecer isso [o ódio aliado à violência].”

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