Perda com J&F vai além dos cofres públicos
“Entravam mudos e saíam calados.” É dessa maneira que uma pessoa familiar às reuniões do conselho da BRF descreve a participação de Luis Carlos Fernandes Afonso e Carlos Fernando Costa, ex-presidentes da Petros, nos encontros. Grande acionista da fabricante de alimentos, o fundo de pensão os nomeou conselheiros, entre 2009 e 2015. Só que, descobriu-se com as delações de Joesley Batista, sócio do grupo J&F, eles estavam em sua lista de pagamento de propinas.
A associação foi imediata: dois homens de confiança da JBS tinham acesso a informações privilegiadas, sigilosas e estratégicas, de dentro da concorrente. Num mercado com margens estreitas, alta volatilidade de custos e forte competição, eram uma ameaça potencial.
Ao tomar conhecimento da notícia, a CVM, órgão que regula o mercado de capitais, interpelou a BRF sobre as informações e a ausência de um comunicado oficial. Dizendo-se estupefata, a BRF respondeu que não sabia da associação e que o fato relevante não faria sentido. Eventuais dolos, se aconteceram, já o haviam sido no passado. Mesmo assim, a empresa pediu que a CVM os investigasse.
Mais do que uma ameaça, a postura dos dois no conselho era vista como desinteresse. Saíam no meio de reuniões ou faltavam, não pertenciam a comitês e pouco participavam. “Saber que recebiam propina é ruim de qualquer jeito, mas os benefícios que eles levaram à J&F foram outros e mais profundos”, diz o interlocutor da BRF. Afonso e Costa apareceram em várias delações, intermediando vultosos investimentos da Petros. Sempre em troca de propinas. A reportagem não conseguiu contato com eles.
O episódio, que poderia ser apenas um caso inusitado de espionagem industrial, revela que o prejuízo causado pelos crimes da J&F foi além dos cofres públicos. Com a corrupção serial, o grupo produziu distorções de mercado que geraram perdas em toda a economia, segundo especialistas. “Não é só o dinheiro público apropriado inadequadamente”, diz Marcos Fernandes, do centro de Estudos de Políticas Públicas da FGV. “Há uma ineficiência que impede a competição justa e todos seus benefícios, como preços menores e a geração de empregos.”
Nas delações, assiste-se a confissões de práticas anticoncorrenciais variadas. Elas vão da tomada de uma fábrica de lácteos da BRF à entrada em novos setores, com a criação ou aquisição de empresas gigantescas. A começar pela própria JBS, cujo faturamento passou de R$ 4 bilhões para R$ 170 bilhões, em dez anos, graças a empréstimos de bancos públicos e fundos de pensão de estatais. Sempre com pagamento de propinas.
Procurada, a J&F disse, em nota, que “todos os atos cometidos no passado foram comunicados à PGR e estão documentados nos autos da delação premiada homologada pelo STF”.
Oportunidades. As concorrentes recusam-se a falar sobre o assunto. Não querem suas marcas associadas às da J&F, ao mesmo tempo em que enxergam oportunidades. No setor de carnes, por exemplo, o caixa cheio da JBS fez com que o preço das empresas explodisse. As concorrentes reclamavam da competição desleal. Agora, porém, aproveitam sua necessidade de caixa.
Uma primeira aquisição foi feita semana passada pela Minerva, que comprou uma operação da JBS por US$ 300 milhões. Antes da delação, os ativos eram avaliados em US$ 500 milhões. É esperado que o grupo dos Batista faça novas vendas.
Para os especialistas, os prejuízos causados pela corrupção na economia são difíceis de dimensionar. Um dos motivos, afirmam, é que a J&F é um caso extremo, mas não é o único.
“De modo geral, os empresários brasileiros preferem, em vez da competição, buscar canais de informação privilegiada e de acesso a dinheiro público barato”, afirma Sandro Cabral, professor do Insper. “Como muitos conseguem, há um incentivo à prática, que afasta quem não quer ou não pode se associar a essa realidade e poderia oferecer melhores produtos, serviços e preços.
Uma estimativa do custo dessa ineficiência, diz o acionista de uma concorrente da JBS, poderia ser indicada pelas provisões bilionárias que as empresas carregam em seus balanços.
Claudio Frischtak, da consultoria Inter.B, diz que uma primeira onda de modernizações, incentivando a competição, poderia triplicar o PIB potencial, hoje em 1,5%. Ou colocar algo como R$ 300 bilhões na economia.
Economistas são céticos em acreditar. “A diferença entre o Elon Musk e o Joesley explica o que é o Brasil”, diz Fernandes, comparando o criador do Paypal e da Tesla Motors ao dono da JBS. “Um fica trilionário com inovação. O outro, com tecnologia do século 19 e práticas mercantilistas do século 16, sustentada por monopólios estatais e corrupção. Nós preferimos encher o bolso do Joesley.”
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