Procurador do TCU questiona socorro à Caixa
A manobra do Congresso para dar roupagem legal à operação de socorro à Caixa com recursos dos trabalhadores depositados no FGTS pode criar um precedente perigoso, afirmou ao jornal ‘O Estado de S. Paulo’ o procurador Júlio Marcelo de Oliveira, que atua junto ao Tribunal de Contas da União (TCU).
A avaliação é que outras instituições financeiras, inclusive privadas, podem bater à porta do fundo e pedir por uma capitalização, alegando ter direito ao mesmo tratamento. Deputados envolvidos na articulação para aprovar o projeto, porém, negam que tenham aberto a porteira e defendem que a transação será vantajosa para o FGTS.
Parlamentares da base e da oposição se uniram na última quarta-feira para aprovar projeto de lei que permite ao conselho curador do FGTS adquirir até R$ 15 bilhões em bônus perpétuos emitidos pela Caixa com o objetivo de socorrer o banco público. A instituição enfrenta problemas de capital, como antecipou o ‘O Estado de S. Paulo’, e corre o risco de ter que puxar o freio no crédito justamente em período eleitoral. A Caixa é responsável por programas sociais como o Minha Casa Minha Vida.
O projeto foi apresentado pela bancada do PP, mesmo partido do presidente da Caixa, Gilberto Occhi. É uma tentativa de driblar a investigação iniciada pelo TCU a pedido do Ministério Público junto à corte de contas, que quer barrar a transação por entender que há desvio de finalidade e risco de dano ao patrimônio dos trabalhadores.
“Se a Caixa pode, por que outros bancos não podem pegar dinheiro do FGTS? Não consigo ver motivo para a Caixa ter preferência. Acho que abre uma porteira realmente perigosa”, disse Oliveira. O procurador, autor da representação que originou a investigação das pedaladas fiscais (que resultou no impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff), alertou ainda que esse tipo de operação não é objetivo do fundo de garantia e flerta com a “contabilidade criativa” que marcou o governo da petista. “A criatividade está em usar o FGTS pra estruturar capital de banco”, afirmou.
Pleito. O relator do projeto na Câmara, deputado Roberto de Lucena (PV-SP), afirmou que o texto foi discutido com o Banco Central e com a consultoria legislativa. “Entendemos que o diferencial é porque se trata de banco público. Se fosse socorro oferecido à instituição privada, estaríamos abrindo precedente minimamente delicado. Em função dessa condição, de estar tratando de banco público que financia projetos de interesse social como Minha Casa Minha Vida, entendo que não pode ser parâmetro para que outras instituições financeiras façam o mesmo pleito”, disse.
Os bônus perpétuos são títulos de dívida sem vencimento que em geral pagam taxas de juros mais altas. A Caixa pretende obter inicialmente R$ 10 bilhões, mas o projeto prevê um limite maior, de R$ 15 bilhões – mudança feita pelo relator, já que o texto original não estabelecia teto para a transação.
Pelas características da dívida, o valor poderá ser considerado como parte do capital do banco, o que amplia o poder de fogo da Caixa no ano que vem, em pleno ano eleitoral.
O autor da proposta, deputado Fernando Monteiro (PP-PE), negou que a pressa para aprovar o projeto tenha tido como pano de fundo interesses eleitorais. Segundo ele, outras instituições têm feito operações semelhantes com investidores estrangeiros e que o Congresso viu a chance de “o lucro dessa operação ir paro FGTS em vez de ir para o exterior”.
Em entrevista no dia 6 ao jornal ‘O Estado de S. Paulo’, Occhi declarou que o projeto não era iniciativa da Caixa, mas reconheceu que ele apoia a medida proposta pelos deputados.
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