Câmara pode votar proibição de animais em circos no Brasil
Está na mesa do plenário da Câmara matéria que proíbe o uso de animais no circo. O texto de 2009, pronto para ser votado, também prevê punição aos maus-tratos a animais.
Apesar de muitas cidades e estados já proibirem a prática, ainda não há uma lei sobre o tema que vale em todo o Brasil. Como os circos costumam ser itinerantes e passam por locais com legislações distintas, há uma insegurança jurídica.
Se aprovada como está, a lei impõe um cadastro nacional dos animais ainda utilizados por circos e dá prazo de oito anos para que os bichos sejam destinados a zoológicos, mantenedores de fauna exótica e abrigos.
O antigo projeto encontra apoio de ambientalistas e críticas de defensores dos artistas de circo e domadores. A Jovem Pan Online ouviu especialistas de diversas áreas para comentar o tema.
Ibama fiscaliza maus-tratos
O texto aprovado pela Câmara fala da “impossibilidade, por melhor que seja a intenção dos artistas e administradores de circos, de se considerar humanitário o tratamento dispensado a animais que passam toda a vida confinados em cativeiro impróprio (…) e que se submetem ao estresse do adestramento, das apresentações e das viagens constantes”.
Essa é a mesma conclusão a que chegou o IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente), responsável pela fiscalização de circos. Além do flagrante de maus-tratos, a origem do animal silvestre raramente é comprovada. Portaria do órgão proíbe desde 1990 a venda de animais silvestres nativos e exóticos de zoológicos para circos.
O coordenador das operações de fiscalização do Ibama, Roberto Cabral, explica que atualmente o número de animais usados por circos é bem menor. Tanto que o instituto hoje só realiza fiscalizações e apreensões do gênero quando há denúncias (realizadas pelo telefone 0800-61-8080).
Mesmo assim, foram apreendidos pelo Ibama nos últimos anos: nove tigres, sete elefantes, 12 ursos, três leões, três chimpanzés, uma zebra e duas girafas. Dentro desse verdadeiro zoológico, há flagrantes de animais subnutridos, leões e tigres com garras arrancadas e urso com olho cego. “O que está por trás das lonas é muito mais feio”, diz Cabral.
Ele ilustra com o exemplo do elefante, que, para a segurança humana, deve ficar em um fosso ou contido por muros. Dificilmente o local onde o circo se instala possui tais proteções e “o animal fica basicamente solto”. Ou se prende o animal com as patas esticadas. “Então se resolve o problema da segurança, mas ainda tem os maus-tratos”.
“A posição do Ibama é pela proibição da utilização de animais em circo”, diz Cabral. “Notamos que é impossível compatibilizar bem-estar animal e segurança do público com a atividade do circo”, diz o coordenador do Ibama.
“Santuários”
A Jovem Pan falou também o movimento internacional GAP (Great Ape Protection, ou Projeto de Proteção dos Grandes Primatas), que constatou a partir de levantamento próprio: “não há mais chimpanzés em circos brasileiros, mas ainda existem felinos, ursos e outros animais em condições ruins, que mesmo não sendo usados, permanecem em cativeiro com más condições”.
“Muitos chimpanzés que eram de circo hoje estão no Santuário de Grandes Primatas de Sorocaba, afiliado ao Projeto GAP, bem como alguns leões e ursos. No geral, os animais que eram de circos chegam mutilados e muito estressados”, afirma nota do projeto.
O secretário-geral do GAP Internacional, Pedro Ynterian, diz: “Nos últimos 15 anos projetos estaduais e municipais proibindo a exploração de animais nos circos foram aprovados e forçaram os circos a se desfazer dos animais, se quisessem se apresentar nas principais cidades do país”.
“Os circos quando possuíam animais eram parte da rede ilícita que existia de compra e venda de animais silvestres e exóticos, que operou no país intensamente, em conluio com os zoológicos, que eram parte do negócio”, descreve.
O GAP compartilhou com a reportagem imagens e histórias de dois primatas retirados do circo pelo projeto e que hoje vivem no Santuário de Grandes Primatas de Sorocaba, interior de São Paulo, afiliado ao GAP:
Defensores do circo negam tortura
O coordenador de Circo da Funarte (Fundação Nacional das Artes), Marcos Teixeira, critica o projeto de lei como está. Em nota técnica sobre parecer da Comissão de Educação e de Cultura, ele rebate as denúncias de maus-tratos a animais e diz que os animais de circo vivem “até três vezes mais” que os que se encontram na natureza.
Teixeira afirma que circos de pequeno porte, “pressionados e caluniados por membros de organizações que se dizem protetoras de animais” se veem obrigados a abandonar os animais e se autodenunciar “para que (os animais) sejam resgatados”.
O defensor da atividade circense garante que “desde meados do século passado, os métodos utilizados nessas atividades são os da recompensa, do carinho e da demonstração de afeto com o animal” e que as torturas não são mais adotadas. Ele afirma que “já existe punição para quem maltrata os animais; basta fiscalização e a devida aplicação da lei”.
Já o relatório dos deputados afirma que “para realizar tarefas como dançar, andar de bicicleta, tocar instrumentos, pular em argolas (com ou sem fogo), cumprimentar a plateia, entre outras proezas, os animais são submetidos a treinamento que, regularmente, envolve chicotadas, choques elétricos, chapas quentes, correntes e outros meios que os violentam”.
Para Marcos Teixeira, se aprovado e transformado em lei, a proposta “impedirá que os brasileiros possam apreciar a milenar arte da doma, cujos adestradores têm sua profissão regulamentada pela Lei do Artista (Lei 6.533)”.
Além disso, ele diz que a proibição aplicada ao circo “segrega” os profissionais que trabalham com a arte dos demais adestradores, “como nas sociedades hípicas, nos aquários públicos, na Polícia Militar, no Corpo de Bombeiros, na Polícia Federal”.
Para o coordenador da Funarte, o projeto de lei “incriminará todos os circenses antecipadamente” e “imputará ao circense fato ofensivo à sua honra, fazendo com que seja desacreditado publicamente”. Marcos Teixeira classifica as apreensões do Ibama como “irregulares” e a condução de animais para zoológicos como “indevidas”.
“O Ibama, mesmo não dispondo de uma lei federal que regulamente a prática – ou mesmo estabeleça o que são maus tratos em cada espécie – vem fazendo apreensões e entregando esses animais para ONGs, zoológicos e os chamados ‘santuários'”, critica Teixeira.
O coordenador de Circo da Funarte compartilhou com a reportagem vídeos de adestradores internacionais de circos (como o abaixo), de cabras, tigres e leões, para tentar mostrar que “o adestramento não pressupõe maus-tratos”.
“O que é preciso, e urgente, é a regulamentação da participação dos animais e a fiscalização pelos órgãos competentes”, defende Teixeira.
Para Marlene Querubin, presidente da União Brasileira de Circo Itinerante (UBCI), “a lei deveria ser aprovada nos mesmos moldes que hoje os zoológicos possuem”.
“Hoje é legal a ‘troca’ de animais entre países, desde que o espaço que irá receber tenha as condições necessárias para garantir o melhor e mais seguro acompanhamento do animal”, diz Marlene.
A UBCI afirma também que registrar os circos no Ministério da Cultura seria “de extrema importância, uma vez que reconhece o Circo como patrimônio brasileiro e consequentemente facilita a vida das famílias circenses”. A união espera que a necessidade do registro seja aprovada em 2018.
Segundo a UBCI, hoje em dia “pouquíssimos” circos ainda utilizam animais. “Normalmente são cavalos e animais domésticos, como coelhos e pássaros”. O texto do projeto de lei exclui da proibição os animais domésticos “mantidos pelos estabelecimentos circenses como animais de estimação”.
Durante a tramitação do projeto, o registro no Ministério da Cultura foi excluído, mas o texto trata o circo como “bem do patrimônio cultural brasileiro” e diz que o Poder Público deverá fomentar a sua atividade em todo território nacional.
Tramitação
O projeto inicial é antigo, de 2003, e nasceu com o senador Álvaro Dias, à época do PSDB, hoje no Podemos. Em sua redação original, a proposta era a de permitir o uso de animais em circos e possibilitar até a venda de animais exóticos de circos brasileiros para circos no exterior.
“Queríamos regulamentar a atividade circense na utilização de animais silvestres com um rigoroso controle e fiscalização por parte do Ibama”, relembra o senador. “Vamos aguardar a deliberação da Câmara dos Deputados, ver como fica o texto final, que chegará ao Senado para uma nova análise”.
Quando passou pelas comissão de Educação e Cultura na Câmara, o projeto foi modificado e passou a proibir a utilização de animais silvestres. No texto final, aprovado em 2009 pela Comissão de Constituição e Justiça, a proibição se manteve.
Desde 2010, deputados ambientalistas tentam pautar o projeto. Em 2017, foram 12 tentativas frustradas de votá-lo no plenário desde junho.
A votação da matéria, no entanto, pode ser adiada uma vez que o foco da Câmara dos Deputados nesta semana é a análise da reforma política e a tramitação da denúncia contra o presidente Michel Temer.
Tragédia motivou projetos
O PL 7.291/06 anexa consigo outros 15 projetos da Câmara sobre o mesmo tema. Nove deles são de 2000, ano em que ocorreu a tragédia do Circo Vostok, em Jaboatão dos Guararapes, na Grande Recife (PE). Por falhas de segurança dos responsáveis pelo espetáculo, um garoto de seis anos foi arrastado para dentro da jaula e devorado por um leão que estava há três dias sem comer.
Tanto o coordenador do Ibama quanto o diretor da Funarte recordaram o incidente como marco no aumento das fiscalizações e propostas de lei sobre o uso de animais em circos.
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