Punição em casos de importunação sexual fica mais rigorosa
O Código Penal brasileiro define infrações e sanções nos casos de importunação sexual, estupro de vulnerável (quando a vítima tem menos de 14 anos) e divulgação de cenas. Porém, o substitutivo aprovado no último dia 7 no Senado altera a tipificação desses crimes e aumenta as penas.
O texto aprovado pelos senadores tipifica como crime a chamada importunação sexual, definida como a prática de “ato libidinoso, na presença de alguém e sem a sua anuência, com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro”.
A pena prevista para esse tipo de crime é de reclusão de um a cinco anos, se o ato não constitui crime mais grave.
O Código Penal também foi alterado pelo projeto de lei no sentido de ressaltar que as penas previstas para quem comete conjunção carnal ou ato libidinoso com menor de 14 anos devem ser aplicadas independentemente do consentimento da vítima ou do fato de ela já ter mantido relações sexuais antes do crime.
Divulgar cena de estupro, incluindo de vulnerável, e imagens de sexo ou pornografia também passa a ser crime.
O texto aprovado é claro no que se refere a atos dessa natureza. Diz o projeto: “Oferecer, trocar, disponibilizar transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio, inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro, ou estupro de vulnerável, ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia”.
A violação desse artigo pode levar à reclusão de um a cinco anos. A pena pode ser aumentada em até dois terços se a agressão for cometida por pessoa que tem relação íntima de afeto com a vítima. Em caso de motivação por vingança ou humilhação, também cabe aumento de pena.
O projeto ressalva que imagens desse tipo, divulgadas em publicações de natureza jornalística, científica, cultural ou acadêmica que impossibilitem a identidade da vítima e que tenham sua prévia autorização, não incorrem em crime.
Incitar também é crime
Sob pena de detenção de um a três anos, o ato de induzir ou instigar alguém a praticar crime contra a dignidade sexual, assim como incitar ou fazer apologia a esse tipo de prática, também foram incluídos na legislação penal.
O projeto prevê que os crimes sexuais possam ser denunciados pelo Poder Judiciário por ação penal pública incondicionada. Ou seja, o projeto dispensa o Ministério Público de agir somente se manifestado o desejo da vítima. Atualmente, no Código Penal, não há exigência de representação para a ação penal. Antes, era aplicada somente para casos que envolviam vítimas menores de 18 anos.
Além do aumento de pena, os crimes de estupros coletivo e corretivo, se o projeto for sancionado como foi aprovado no Congresso, ainda prevê agravamento da punição em um terço, se os crimes forem cometidos em local ou transporte público, à noite, com emprego de arma ou outro meio que dificulte a defesa da vítima. A pena é agravada pela metade se o agressor tiver alguma relação familiar ou de autoridade com a vítima.
Especialistas comemoram criminalização de abusos sexuais
Especialistas e profissionais que atuam na rede de proteção dos direitos das mulheres comemoraram a criminalização de abusos sexuais e atos libidinosos cometidos em locais e transportes públicos, além da divulgação de cenas de estupro.
Há dois dias, o projeto de lei que torna crime tais condutas foi aprovado no Senado e aguarda sanção presidencial.
Com a aprovação do projeto que altera a legislação penal brasileira para ampliar o rol de atos considerados crimes cometidos contra a dignidade sexual, a expectativa de operadores jurídicos e de organizações da sociedade civil é de que as penas previstas possam ter um efeito de inibição das práticas criminosas e punição mais adequada dos agressores.
“É algo que vem fortalecer nossas ações. [O projeto] ampliou a identificação de crimes que antes era constrangedor mencionar, porque não havia registro no Código Penal. Temos agora como redefinir critérios de denúncia, de fiscalização e, consequentemente, de atuação, tanto das políticas públicas, quanto da sociedade”, avaliou Regina Célia Barbosa, fundadora e vice-presidente do Instituto Maria da Penha (IMP).
Para Regina Barbosa, a criminalização de atos de depravação e lascívia contra mulher é fruto do amadurecimento da Lei Maria da Penha, que completou ontem 12 anos. “A Lei Maria da Penha revelou tanta coisa que estava escondida, que era abafada nas relações. Tudo isso que acontece hoje não é novidade, mas a lei passa a revelar essa situação.”
Lacunas preenchidas
A promotora de Justiça e coordenadora do Grupo de Atuação Especial de Enfrentamento à Violência Doméstica (Gevid) do Ministério Público Estadual de São Paulo, Sílvia Chakian, destacou a definição do tipo penal médio da importunação sexual para adequar a conduta dos molestadores, que antes ou eram enquadrados na contravenção mínima prevista para importunação ofensiva ao puder ou no crime hediondo do estupro.
“A gente segue um modelo das legislações penais internacionais que contemplam esse tipo penal intermediário e dá resposta a uma sensação muito ruim que a sociedade manifestava, de ineficiência do direito penal, de proteção ineficiente por parte do Estado. Então, a criação desse tipo penal era urgente”, analisou Sílvia Chakian.
Para a promotora, a dificuldade de punir comportamentos libidinosos praticados em público com a gravidade devida foi escancarada no caso emblemático do homem que ejaculou em uma mulher dentro de um ônibus em São Paulo, no ano passado.
Sílvia Chakian também ressaltou a importância da criminalização da “vingança pornográfica” – quando imagens íntimas são divulgadas por ex-companheiros com o objetivo de vingar ou humilhar a mulher pelo fim da relação. Pelo projeto, é crime a divulgação de cenas de estupro, sexo ou pornografia.
“Trabalho numa vara de violência doméstica, eu me deparo muito com casos onde há o rompimento da relação, e o sujeito em poder de imagens, vídeos de conteúdo intimo da ex-companheira acaba divulgando como forma de vingança, humilhação, danos à imagem da mulher”, relatou a promotora.
Para ela, outro aspecto importante do projeto é a definição de agravamento das penas previstas para casos de estupro coletivo, quando é cometido por vários agressores, e do chamado estupro corretivo, que geralmente é cometido por motivação homofóbica.
“É o estupro, por exemplo, das mulheres lésbicas, uma dupla violência. É muito interessante que o legislador tenha respondido a altura da gravidade desses crimes.”
Cultura do estupro x cultura do respeito
A professora universitária Regina Célia Barbosa espera que a punição adequada e a adoção de uma política de conscientização da sociedade contribuam para evitar o agravamento da violência contra a mulher e casos de feminicídio.
“No momento em que realmente a mulher começa a ter consciência de que aquela forma de carinho não é carinho, aquela forma de carícia não é carícia, mas é malícia, e se torna agora uma importunação sexual e no momento em que eu recuso, posso sim vir a ser uma próxima vítima do feminicídio. Então, se consigo identificar isso antes e tem uma lei que ampare, a possibilidade aí é de inibir.”
Regina Barbosa acrescentou que a inovação da lei é fundamental para que o país não trate mais dessas questões de forma moralista, mas com respeito aos direitos das mulheres.
“Esse aspecto jurídico fortalece as nossas lutas no que se refere à ideia e ao valor do reconhecimento da nossa condição feminina enquanto cidadã. O que precisamos ainda continuar lutando, enfrentando, combatendo é a mentalidade machista”, disse a professora.
Para a promotora Sílvia Chakian, a legislação penal é parte dessa transformação da cultura, mas sem a mudança de consciência da sociedade, a lei sozinha não tem poder para interromper todo o ciclo de violência que cometido contra a mulher.
“As mulheres ainda hoje são mortas, são estupradas, não são resguardadas em seus direitos humanos mais básicos. O direito penal deve estar atento à realidade, mas também é preciso a adoção de novas posturas.”
Sílvia Chakian destacou que não adianta, por exemplo, uma lei que estabelece que matar mulher por circunstância de gênero é feminicídio. Ela ressaltou que se uma mulher gritar por socorro na presença de câmeras e vizinhos, como ocorreu recentemente com a advogada morta supostamente pelo marido no Paraná, é preciso interferir.
“Se a sociedade ainda hoje não interfere, é sinal de que essa sociedade acredita que a questão da violência contra a mulher é normal ou uma questão familiar, não é uma questão de Estado e de responsabilidade nossa, da sociedade.”
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