“Qualquer pessoa está sujeita à lei”, diz idealizador da Ficha Limpa após condenação de Lula
A primeira condenação em primeira instância de um ex-presidente da República gerou um cenário de incertezas e debates sobre até onde a Justiça deve interferir no processo político. Primeiro nas simulações de intenção de votos para o pleito presidencial do ano que vem, Luiz Inácio Lula da Silva pode ficar inelegível caso sua condenação a nove anos e seis meses de prisão, pelo juiz Sergio Moro, seja confirmada no Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
O problema é que o TRF-4 costuma demorar meses para apreciar um recurso de apelação. O presidente do tribunal, Thompson Flores, disse que o julgamento deve acontecer até agosto de 2018, mesmo mês em que os partidos apresentarão os registros de seus candidatos. O desembargador não descarta, no entanto, que os magistrados antecipem a análise do caso para corresponder ao calendário eleitoral.
O imbróglio jurídico sobre a corrida presidencial do ano que vem só acontece porque a lei da Ficha Limpa, projeto de iniciativa popular sancionado por Dilma Rousseff em 2010, determina que todos os políticos condenados por decisão colegiada (em segunda instância) ficam inelegíveis por oito anos após o cumprimento da pena.
Por isso a Jovem Pan Online conversou com o idealizador da Ficha Limpa. Ex-juiz eleitoral, relator e um dos escritores do projeto, Márlon Reis diz que “a lei da Ficha Limpa mudou o cenário jurídico do Brasil”.
O hoje advogado eleitoral em Brasília prefere não comentar especificamente o caso de Lula, mas entende que simbolicamente a condenação do ex-presidente “está dentro de um contexto em que qualquer pessoa está sujeita à lei”.
Márlon Reis também detalhou como uma eventual confirmação da condenação de Lula durante o processo eleitoral do ano que vem pode lançar para os tribunais a definição do próximo presidente do Brasil.
Confira a entrevista completa:
Segundo as regras eleitorais e da Ficha Limpa, até quando Lula teria de estar condenado em segunda instância para não concorrer em 2018?
Para afetar a concessão do registro, essa decisão tem que acontecer até antes do julgamento do pedido de registro.
Os partidos apresentam seus pedidos de registros de candidaturas (até 15 de agosto de 2018) e é a Justiça que decide se registra ou não o postulante a candidato segundo as regras eleitorais. Não há prazo para essa decisão da Justiça eleitoral.
Se a condenação de Lula (em segunda instância) acontecer entre o período do registro e a data da eleição, ele poderá participar da campanha normalmente e até concorrer efetivamente na eleição. Mas neste caso ele estará sujeito a sofrer um recurso contra a expedição de diploma, por inelegibilidade superveniente.
Isso vale até antes da data da eleição no segundo turno, 30 de outubro (de 2018).
Sempre foi assim. Essa tem sido a prática da justiça eleitoral mesmo antes da Ficha Limpa.
Você entende que a condenação de Lula entra em um mesmo processo de moralização da política do qual o projeto da Ficha Limpa faz parte?
Prefiro não comentar o mérito da decisão, como é um processo concreto e eu não tive acesso aos autos.
E simbolicamente?
Simbolicamente, está dentro de um contexto em que qualquer pessoa está sujeita à lei.
Quando vemos Paulo Maluf (PP-SP), condenado no Supremo, discursando a favor do presidente da República, denunciado, em uma comissão dentro Câmara, o que pode melhorar ainda na lei ou na aplicação célere delas para aplacar esse sentimento de impunidade?
O caso de Maluf é emblemático porque ele está condenado e continua exercer o cargo normalmente.
Precisamos de uma norma sobre celeridade. Uma vez tomada a decisão, ela deve surtir efeitos imediatos.
Há também o caso do deputado (Celso Jacob, PMDB-RJ) que foi autorizado a trabalhar como parlamentar mesmo estando preso e condenado.
Isso compromete a eficácia da Ficha Limpa?
Não é um problema da lei da Ficha Limpa. Isso acaba enfraquecendo a imagem do poder Judiciário. Essas e outras mazelas já existiam e infelizmente continuam existindo.
Mas estamos em um bom caminho. Precisamos aprofundar a ideia de que ninguém está acima da lei. Se compararmos com a situação de não muitos anos atrás, agora grandes autoridades da República estão sobre o crivo da Justiça.
As perspectivas eleitorais de Lula seriam diferentes se não houvesse a Lei da Ficha Limpa?
Não é um quadro jurídico de Lula somente, mas de todos os processados pela Lava Jato.
A lei da Ficha Limpa mudou o cenário jurídico do Brasil. Todos os condenados como Eduardo Cunha (ex-presidente da Câmara, PMDB), André Vargas (ex-PT), já estão praticamente banidos da vida pública. A Ficha Limpa determina que eles fiquem banidos por todo o período da pena mais oito anos.
Todas essas hipóteses são de grande contribuição para o saneamento da vida pública do Brasil.
Outra grande contribuição da Ficha Limpa: não temos mais parlamentares renunciando para concorrer nas eleições seguintes. Há diversos políticos que fizeram isso, como (o ex-senador) Jader Barbalho, (ex-senador) Antônio Carlos Magalhães, (ex-ministro) Joaquim Roriz e (ex-deputado federal) Severino Cavalcanti.
Antes, a pessoa descoberta (cometendo crimes) na véspera da eleição renunciava e ficava mais fácil abafar o assunto.
Isso não acontece mais porque nós colocamos na lei que quem renunciar depois de pedida a abertura de processo fica inelegível por mais oito anos.
Não renunciando, eles ficam para serem processados, o que gera muito debate e rumor para o escândalo, ajuda a inclusive a encontrar mais políticos que participaram dos crimes.
Isso aumenta o sentimento de indignação, mas também aumenta a sensação de limpeza nos casos em que a lei está sendo aplicada.
Qual é a importância de a Lei da Ficha Limpa garantir que apenas uma decisão colegiada retira a elegibilidade de alguém? Ou: por que um político condenado em primeira instância já não se torna inelegível?
É dado o critério da condenação por um órgão colegiado para se atingir um temperamento.
Antes (da lei da Ficha Limpa) só havia inelegibilidade quando não cabia mais recurso algum, o que tornava ineficiente a norma.
Mas se nós colocássemos (a inelegibilidade) só com o juiz singular, um órgão monocrático, ficaria exagerado demais.
Então nós colocamos um meio termo: nem a primeira decisão de um juiz é o suficiente, nem a última (3ª instância, STF ou STJ) é necessária. Colocamos uma decisão intermediária, ponderada, tomada por uma instância colegiada.
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