Raquel pede que Gilmar desarquive investigação sobre Aécio Neves
A Procuradoria-Geral da República (PGR) recorreu da decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, que arquivou, antes do fim da investigação, o inquérito em que se apurava envolvimento do senador Aécio Neves (PSDB-MG) em suposto esquema de corrupção e lavagem de dinheiro relacionado a Furnas, estatal do setor energético. A procuradora-geral da PGR, Raquel Dodge, afirma que novas provas juntadas ao processo pouco antes da decisão do relator, em uma nova linha de investigação aberta graças à cooperação internacional com o Principado de Liechtenstein, apontam “indícios de materialidade e de autoria delitivas”. O pedido da PGR é que o caso seja encaminhado para análise na Justiça Federal do Rio de Janeiro.
Gilmar Mendes arquivou a investigação no fim de junho afirmando que a duração era demasiadamente longa e que não se podem prorrogar inquéritos “por prazo irrazoável, sem amparo em suspeita contundente” e que isso representaria ofensa à dignidade do investigado. Dodge rebateu esses pontos no recurso apresentado nesta sexta-feira, 3, afirmando que o prazo de 2 anos e 3 meses é compatível com a complexidade e porte do caso e que está dentro da média de duração de inquéritos.
Sobre a investigação em si, a procuradora sustenta que ainda não tinha tido tempo de apresentar ao relator as considerações sobre as novas provas que apontam suspeitas de evasão de divisas de valores que teriam sido recebidos pelo senador no esquema de propinas instalado na Diretoria de Engenharia de Furnas – informações obtidas com a cooperação firmada com Liechtenstein em agosto de 2017.
Para além do andamento do caso, a PGR critica diretamente o entendimento do ministro Gilmar Mendes de que se pode arquivar um caso sem que tenha havido pedido do Ministério Público Federal. Raquel Dodge disse que o próprio STF descartou essa possibilidade em julgamento em 2014, com a maioria dos ministros, mesmo existindo previsão no Regimento Interno da Corte.
Ela destacou trecho do voto do então ministro Joaqum Barbosa, segundo quem o arquivamento sem pedido da PGR seria “uma subversão absoluta de tudo o que existe no Brasil em matéria de Processo Penal”. “O relator, a seu talante, arquivar um inquérito. É o absurdo dos absurdos”, disse Barbosa.
“Além da Constituição Federal que reserva a diferentes órgãos as funções de defender, acusar e julgar, o Brasil está vinculado a compromissos constitucionais e internacionais ‘que compelem o Estado a separar as funções de investigar e julgar, como garantia de que todo réu terá direito a um julgador imparcial'”, diz Dodge.
Outro argumento elencado é que, como os fatos suspeitos se referem a período anterior ao exercício do mandato de senador de Aécio Neves e sem relação com a atividade parlamentar, segundo a nova regra que restringiu a aplicação do foro privilegiado, o caso só pode ser analisado na primeira instância.
“Irresponsabilidade”
Raquel Dodge afirmou que seria irresponsável arquivar o inquérito antes de analisar o material obtido com base na cooperação com Liechtenstein, baseado na apreensão de informações na Operação Norbert, no Rio de Janeiro.
Documentos encontrados na casa de dois doleiros revelaram que várias pessoas usaram mecanismos chamados de interposição de personalidade jurídica, para manter e ocultar valores no exterior, inclusive na Suíça e no Principado de Liechtenstein, na Europa. Entre esses nome estava o da mãe do senador, Inês Maria Neves, relacionado à titularidade da “Bogart and Taylor Foundation”.
“Não há como arquivar a apuração sem analisar antes o material recebido do exterior. Seria uma irresponsabilidade”, adverte Raquel Dodge.
Sobre esses documentos, a Procuradoria destacou que há informações bancárias sobre o senador e outros investigados como Dimas Toledo, ex-diretor de Engenharia da Dersa, Andrea Neves, irmã de Aécio, e Inês Neves, e às pessoas jurídicas Boca da Serra e Bogart & Taylor Foundation.
Dodge diz que os dados foram juntados ao inquérito pouco antes da decisão de arquivamento, representam “informações relevantes e até então inéditas nos autos” e que só não tinham sido analisados ainda por falta de tempo.
A PGR afirmou também que depoimentos de delatores explicam como o esquema funcionava. O doleiro Alberto Yousseff disse que, durante o governo do PSDB, de 1994 a 2001, tanto o PP quanto o PSDB eram responsáveis, cada um, por uma diretoria de Furnas.
Segundo ele, enquanto o ex-deputado José Janene operava o esquema pelo PP, a irmã de Aécio, Andrea Neves, recolhia os valores referentes ao PSDB. A PGR aponta que o esquema era sustentado pelo pagamento de vantagens indevidas para servidores públicos e políticos no âmbito da estatal por empresas interessadas em contratar.
As delações do senador cassado Delcídio do Amaral e do lobista Fernando Hourneaux de Moura também trazem informações importantes, segundo Dodge. Delcídio, por exemplo, citou a existência de uma fundação sediada em um paraíso fiscal da qual seria beneficiário Aécio Neves.
A avaliação de Raquel Dodge é que, no curso da investigação, foi possível estabelecer conexões entre o relato dos colaboradores e outras apurações sobre o pagamento de vantagem indevida decorrente de contratos de Furnas. Ela lembra que Dimas Toledo foi denunciado em 2012 sob acusação de participar de um esquema de arrecadação de vantagens indevidas em Furnas, que funcionava de forma muito semelhante ao relatado pelos colaboradores Alberto Youssef e Delcídio do Amaral.
“Está-se diante, portanto, de investigação em que constam elementos probatórios que demonstram a existência de investigação de fatos típicos, com indícios de materialidade e autoria delitivas”, reforça a PGR.
A assessoria de imprensa de Aécio Neves foi contatada pela reportagem e até o momento não respondeu se o senador deseja se manifestar.
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