Revista acusa Moro de orientar ações e travar delação de Cunha

Supostos diálogos atribuídos a Sergio Moro e a procuradores da Operação Lava Jato foram divulgados nesta sexta-feira (5) pela revista Veja, em parceria com o site The Intercept Brasil

  • Por Jovem Pan
  • 05/07/2019 09h50 - Atualizado em 05/07/2019 10h43
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Divulgação/Agência Câmara O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, em audiência na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados na última terça-feira (2)

Em reportagem desta sexta-feira (5), a  revista Veja, em parceria com o site The Intercept Brasil,  mostrou diálogos atribuídos ao atual ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, com procuradores da Operação Lava Jato. O conteúdo, que faz parte de série de vazamentos ainda não esclarecidos, indica supostas orientações do então juiz.

Segundo a publicação, em 7 de julho de 2015, um membro da força-tarefa, que foi identificado como o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, escreveu: “Igor. O Russo [Moro] sugeriu a operação do professor para a semana do dia 20”. Igor [o delegado da Polícia Federal Igor Romário] responde: “Opa… beleza… Vou começar a me organizar”. O “professor” era, de acordo com a revista, o almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, da Eletronuclear, que foi preso em 28 daquele mês.

Em outra ocasião, datada de 13 de outubro de 2015, o procurador Paulo Galvão, o PG, alerta Roberson Pozzobon, seu colega da força-tarefa, sobre o que teria sido uma orientação de Moro. “Estava lembrando aqui que uma operação tem que sair no máximo até por volta de 13/11, em razão do recesso e do pedido do russo [Moro] para que a denúncia não saia na última semana”, escreveu PG. “Após isso, vai ficar muito apertado para denunciar”. Pozzobon concordou com PG e acrescentou: “Uma grande operação por volta desta data seria o ideal. Ainda é próximo da proclamação da república. rsrs.”

A revista identificou que o diálogo tratava da Operação Passe Livre, que prendeu José Carlos Bumlai, acusado de ter intermediado um empréstimo de R$ 12 milhões do Banco Schahin ao PT em 2004. A prisão de Bumlai ocorreu em 24 de novembro, e a denúncia em 14 de dezembro — na última semana antes do recesso da Justiça Federal do Paraná. No dia seguinte, Moro recebeu a denúncia, a tempo de impedir que os crimes prescrevessem no fim de 2015.

Inclusão de provas

Em um dos diálogos vazados, o procurador Deltan Dallagnol teria avisado à procuradora Laura Tessler de uma orientação de Moro para tornar uma peça processual mais robusta. O processo era contra o réu Zwi Skornicki, representante da Keppel Fels, estaleiro que tinha contratos com a Petrobras para a construção de plataformas de petróleo, e um dos principais operadores de propina no esquema de corrupção da Petrobras. Skornicki tornou-se delator na Lava-­Jato e confessou que pagou propinas a vários funcionários da estatal, entre eles Eduardo Musa, mencionado por Dalla­gnol na conversa.

“Laura no caso do Zwi, Moro disse que tem um depósito em favor do Musa e se for por lapso que não foi incluído ele disse que vai receber amanhã e da tempo. Só é bom avisar ele”, disse Dallagnol. “Ih, vou ver”, respondeu a procuradora.

No dia seguinte, o Ministério Público Federal (MPF) incluiu um comprovante de depósito de 80 mil dólares feito por Skornicki a Musa. Moro aceitou a denúncia minutos depois do aditamento e, na sua decisão, mencionou o documento que supostamente havia pedido.

Veto à delação de Cunha

O procurador da força-tarefa da Lava Jato na Procuradoria-Geral da República (PGR), Ronaldo Queiroz, criou um grupo no aplicativo Telegram em 12 de junho de 2017. Nele, Queiroz avisou ao procurador Dallagnol que foi procurado pelo advogado de Cunha para iniciar uma negociação de delação premiada. Segundo Queiroz, as revelações poderiam ser de interesse dos procuradores de Curitiba, Rio de Janeiro e Natal, onde corriam ações relacionadas ao político. Também foram adicionados procuradores da força-tarefa do Rio de Janeiro.

No dia 5 de julho, durante a tarde, os procuradores concordaram em marcar uma reunião com o advogado Délio Lins e Silva Júnior para a terça-­feira seguinte [11 de julho]. Naquele mesmo dia, às 23h11, em uma conversa privada, Moro questionou Dalla­gnol sobre rumores de uma delação de Cunha.

“Espero que não procedam”, escreveu o juiz. Dallagnol afirmou que tudo não passava de rumores e confirmou que estava programado um encontro com o advogado para que os procuradores tomassem conhecimento dos anexos.

“Acontecerá na próxima terça. Estaremos presentes e acompanharemos tudo. Sempre que quiser, vou te colocando a par”, afirmou. Moro, então, reiterou seu posicionamento. “Agradeço se me manter (sic) informado. Sou contra, como sabe.”

Como a proposta de delação tratava de políticos com foro privilegiado, o acordo deveria ser analisado também pela PGR. Em 30 de julho, Queiroz disse que o material era fraco. No dia seguinte, uma mensagem do procurador Orlando SP, provavelmente Orlando Martello Júnior, trouxe o posicionamento de Curitiba: “Achamos que o acordo deve ser negado de imediato.”

Omissão de provas ao STF

Um diálogo atribuído ao procurador Athayde Ribeiro Costa e a delegada Erika Marena, da Polícia Federal, mostra, segundo a Veja, que o então juiz Sergio Moro teria ocultado uma prova do ministro Teori Zavascki, relator da operação Lava Jato na época e morto em um acidente aéreo em janeiro de 2017.

A conversa em questão se referia ao caso de Flávio David Barra, preso em 28 de julho de 2015, quando presidia a AG Energia, do grupo Andrade Gutierrez. Sua detenção ocorreu na Operação Radioatividade, relacionada a pagamentos de propina feitos por empreiteiras, entre elas a Andrade Gutierrez, a Othon Luiz Pinheiro da Silva, da Eletronuclear, responsável pela construção da usina nuclear Angra 3.

Em 25 de agosto, a defesa de Barra pediu a Zavascki a suspensão do processo tocado pela 13ª Vara de Curitiba, alegando que Moro não tinha competência para julgar o caso por haver indício de envolvimento de parlamentares, entre eles o então senador Edison Lobão (MDB-MA). Diante da reclamação, Zavascki cobrou explicações de Moro, que disse não saber nada sobre o envolvimento de parlamentares.

Mesmo assim, com base nas informações da defesa, o ministro do STF suspendeu em 2 de outubro as investigações, o que forçou o então juiz a remeter o caso de Curitiba para Brasília três dias depois. De acordo com a revista, “na pior das hipóteses, Moro já sabia da existência da planilha quando foi inquerido por Zavascki e mentiu ao ministro”. Em um segundo possível cenário, Moro teria tomado conhecimento da planilha depois da inquirição de Zavascki e pediu à delegada para “não ter pressa” em protocolar o documento.

Relação com Dallagnol

A relação entre Moro e Dallagnol foi destacada nos diálogos vazados pela revista Veja e pelo site The Intercept Brasil. De acordo com a publicação, Dallagnol chegou a dar dicas ao “chefe” sobre argumentos para garantir uma prisão.

Em 17 de dezembro de 2015, Moro informou que precisava de manifestação do MPF no pedido de revogação da prisão preventiva de José Carlos Bumlai, pecuarista e amigo de Lula. “Ate amanhã meio dia”, escreveu. Dalla­gnol garante que a ação será feita e acrescentou: “Seguem algumas decisões boas para mencionar quando precisar prender alguém…”.

Em 2 de fevereiro de 2016, o juiz escreve a ele: “A odebrecht peticionou com aquela questao. Vou abrir prazo de tres dias para vcs se manifestarem”. Dalla­gnol agradece o aviso.

Moro se referia ao questionamento da Odebrecht à Justiça da Suíça a respeito do compartilhamento de dados, incluindo extratos bancários, da empresa naquele país. Preocupado com o assunto, Moro pediu notícias a Dalla­gnol no dia 3. “Quando sera a manifestação do mpf?”, perguntou.

“Estou redigindo, mas quero fazer bem feita, para já subsidiar os HCs que virão. Imagino que amanhã, no fim da tarde”, respondeu o procurador. No dia seguinte, Dalla­gnol informou a Moro que a peça estava quase pronta, mas dependia ainda da revisão de colegas. “Protocolamos amanha, salvo se for importante que seja hoje. Posso mandar, se preferir, versão atual por aqui, para facilitar preparo de decisão”, escreveu.

Moro afirmou: “Pode ser amanha”. No dia 5, prazo final, por volta das 15 horas, Dalla­gnol manda pelo Telegram ao juiz a peça “quase pronta”.

Em 7 de maio de 2016, Moro comentou com Dallagnol que havia sido procurado pelo apresentador Fausto Silva. Segundo o relato do juiz, o apresentador o cumprimentou pelo trabalho na Lava Jato, mas deu um conselho: “Ele disse que vcs nas entrevistas ou nas coletivas precisam usar uma linguagem mais simples. Para todo mundo entender. Para o povão. Disse que transmitiria o recado. Conselho de quem está a (sic) 28/anos na TV. Pensem nisso”. Fausto Silva confirmou o encontro e o teor da conversa entre ele e Moro à revista Veja.

Em um dos períodos mais tensos da operação, depois que o juiz que tornou público o famoso trecho do grampo telefônico em que Dilma Rousseff enviou o “Bessias” para entregar a Lula o termo de posse em seu ministério, Dallagnol combinou em um dos chats com procuradores uma nota de apoio a Moro. Ele repassou ao grupo uma sugestão do próprio juiz para o texto.

Em um episódio, porém, há uma divergência entre Moro e Dallagnol. Em uma conversa de 17 de novembro de 2015, Moro reclamou que estava difícil entender os motivos pelos quais o MPF recorreu da sentença aplicada aos delatores Augusto Ribeiro de Mendonça Neto, Pedro José Barusco Filho, Mário Frederico Mendonça Góes e Júlio Gerin de Almeida Camargo.

Dalla­gnol teria tentado se justificar“O mp está recorrendo da fundamentação, sem qualquer efeeito pratico”, critica o juiz. “Na minha opinião estao provocando confusão”.

Para Moro, o efeito prático do recurso apresentado pelo MPF seria “jogar para as calendas a existência execução das penas dos colaboradores”.

Sergio Moro e Deltan Dallagnol também teriam comemorado algumas etapas da Operação Lava Jato. Em 14 de dezembro de 2016, Dallagnol contou a Moro que a denúncia de Lula seria protocolada em breve, enquanto a de Sérgio Cabral já seria registrada no dia seguinte – o que de fato ocorreu. Moro responde com um emoji de felicidade, ao lado da frase: “ um bom dia afinal”.

As comemorações ocorreram, ainda, em um grupo de procuradores, em 13 de julho de 2015, depois que Dallagnol saiu de um encontro com o ministro Edson Fachin. Ele escreveu: “Caros, conversei 45 m com o Fachin. Aha uhu o Fachin é nosso”.

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