Em Roraima, detentos seguem internados com doença misteriosa que causa paralisia e necrose de membros

Doença provoca forte coceira, necrose da pele e alguns presos relatam até paralisia de membros

  • Por Jovem Pan
  • 22/01/2020 14h17 - Atualizado em 22/01/2020 14h22
Reprodução/Google Maps Promotoria requer que os novos detentos que ingressarem no sistema sejam remetidos à Cadeia Pública de Boa Vista

Uma doença misteriosa que causa paralisia, necrose de membros e coceira intensa deixou 29 detentos da Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, em Boa Vista, internados no Hospital Geral de Roraima, o maior do estado. Destes, 15 tratam a enfermidade causada por uma suposta bactéria; os outros foram diagnosticados com outras doenças contagiosas – que teriam sido intensificadas pela falta de limpeza e pela superlotação da unidade prisional.

A bactéria desconhecida tem deformado partes do corpo dos detentos, “comido” a pele e deixado membros em estado de decomposição. Os presos afetados também apresentam paralisia nas pernas.

Segundo o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil de Roraima (OAB/RR), Hélio Abozago, alguns detentos já não conseguem mais andar ou dobrar a perna por causa do inchaço e das feridas causadas pela doença.

Um dos profissionais que atua no hospital e pediu para não ser identificado, com receio de represália, disse que a doença dos presos não é desconhecida do setor.

“O nome correto é fasceíte necrosante. É uma bactéria comedora de carne humana, altamente contagiosa e de difícil cura”, afirmou. “Pior de tudo: vai contaminar as pessoas que estão no hospital, pois estes presos estão no corredor, junto com todos os outros doentes. Não existe isolamento, muito menos escolta policial, e o odor é insuportável. Um perigo para todos”, disse.

A Secretaria de Estado da Saúde de Roraima (Sesau/RR) informou, em nota, que as análises laboratoriais feitas pela Coordenação Geral de Vigilância em Saúde descartaram a hipótese de bactéria não identificada.

“Os casos relatados pela direção clínica do HGR (Hospital Geral de Roraima) se tratam puramente de piodermite, do tipo impetigo, que é uma infecção de pele oportunista, que ocorre quando já existe uma lesão de pele tipo escabiose”, afirmou a pasta.

Os presos teriam passado por atendimento de infectologista e dermatologista, e estão recebendo tratamento com antibióticos e reposição de vitaminas. Exames diários e tratamento continuado estão sendo feitos”, finaliza a nota.

Interdição

O Ministério Público de Roraima pediu a interdição parcial do presídio, que está com apenas uma ala em funcionamento e tem capacidade para 480 detentos, apesar de abrigar 2.074 presos.

A reforma da unidade prisional está paralisada desde o ano passado. Celas com dimensões de seis metros quadrados abrigam, em média, 17 presos, que se amontoam no espaço. O local não tem ventilação nem limpeza, segundo relatório da Defensoria Pública de Roraima e da Comissão de Direitos Humanos da OAB/RR.

Na manhã desta terça, representantes do MP, da Defensoria Pública e das Secretarias Estaduais de Justiça e de Saúde estiveram reunidas na Vara de Execuções Penais, do Tribunal de Justiça de Roraima, para tratar sobre o surto no sistema prisional.

Ficou acordado com o Judiciário a realização de um mutirão de saúde no presídio, que atenderá aos casos específicos, com consultas pela manhã e à tarde. No entanto, serão as famílias dos presos que vão ter de levar kit de higiene pessoal, além de uniformes nos padrões especificados pela Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejuc): camisa de algodão, calça e bermuda em tactel, todos na cor vermelha, além de medicamentos para os presos infectados. A relação do material foi disponibilizado aos familiares dos internos.

O governo informou que ainda aguarda o fim da licitação para adquirir os materiais e que essa é melhor forma de atender aos presos de maneira urgente.

No encontro, também ficou definido que deverá ser providenciada uma ala específica no hospital para atendimento dos detentos, para que a bactéria não infecte outros pacientes e que também será melhorado os quadros de escolta e fiscalização.

Ficou estabelecido, ainda, que nesta semana será realizado um trabalho de dedetização em toda a penitenciária e de limpeza das celas. Os presos em estado mais grave serão encaminhados à perícia médica.

O defensor público Frederico Leão está confiante com os acordos firmados com Estado para restabelecer a assistência à saúde dentro da unidade. “A situação, se não contida, pode se agravar para um problema de saúde pública”, alertou.

A juíza Joana Sarmento destacou que a vistoria realizada serviu para deixar claro que o problema precisa ser controlado o quanto antes para que não haja propagação das infecções de pele. “Enquanto não forem realizadas melhorias nas instalações e a superlotação não for amenizada, só será possível realizar o controle para que o problema não se agrave”, pontuou a magistrada.

Superlotação

Os relatórios feitos pela Defensoria Pública e pela Comissão de Direitos Humanos da OAB apontam que as celas exalam forte mau cheiro e estão com capacidade extrapolada, além de sistema de ventilação precário.

Os defensores e advogados ressaltam também a falta de material de limpeza e o fato de que a maioria dos presos apresenta outras doenças, como hipertensão, tuberculose, hepatite – alguns estão infectados pelo vírus HIV.

O Sindicato dos Agentes Penitenciários também produziu um relatório em que aponta que a existência “dentro do presídio um grande surto de tuberculose; surto de sarna” e de vários apenados com furúnculo, “além de uma quantidade grande de idosos que morrerão sufocados pela superlotação”.

*Com informações do Estadão Conteúdo

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