Sementes da China: fraude chamada ‘brushing’ pode explicar recebimento de pacotes misteriosos

Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento registrou 181 denúncias de pessoas que receberam os pacotes; foram notificados casos em 17 estados brasileiros e no Distrito Federal

  • Por Carolina Fortes
  • 01/10/2020 20h00
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Gabriel Zapella/Arquivo pessoal Material foi enviado para o Laboratório Federal de Defesa Agropecuária (LFDA) de Goiânia para as análises técnicas

O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) registrou, até esta quinta-feira, 1º, 181 denúncias de pessoas que receberam pacotes de sementes misteriosas vindas de países asiáticos, como a China, Malásia e Hong Kong. Segundo a pasta, foram notificados casos em 17 estados brasileiros e Distrito Federal. Os primeiros relatos no País foram publicados no início do mês de setembro. No dia 14, a Companhia Integrada de Desenvolvimento Agrícola de Santa Catarina (Cidasc) emitiu alerta oficial sobre o caso, mas a Agência de Defesa Agropecuária do Paraná (Adapar) disse que há pessoas que afirmaram terem recebido pacotes suspeitos há mais de um ano. Além do Brasil, países como Canadá, Austrália e Estados Unidos também relataram o recebimento de sementes não solicitadas da China. De acordo com o Mapa, ainda não é possível apontar os riscos envolvidos. O material foi enviado para o Laboratório Federal de Defesa Agropecuária (LFDA) de Goiânia para as análises técnicas. Segundo informações do órgão de defesa agropecuária americano (APHIS-USDA), o caso está sob investigação em conjunto com outras agências de segurança dos Estados Unidos. Até o momento, as evidências apontam para uma ação conhecida como brushing scam.

1. Como funciona a fraude?

De acordo com o especialista em Tecnologia, Inovação e Segurança Digital, Arthur Igreja, o tema surgiu em 2015, quando o Wall Street Journal abordou o assunto pela primeira vez. As grandes plataformas de vendas online, como Alibaba e AliExpress, utilizam a técnica para aumentar o seu ranqueamento, que funciona sob dois parâmetros: avaliação dos clientes (review) e o volume de vendas. Buscando aumentar as vendas, algumas plataformas começaram a enviar produtos para pessoas “fake”, ou eles mesmos comprarem as suas mercadorias. Outra estratégia é enviar um produto adicional, como se fosse um brinde para o cliente, com o objetivo de obter uma melhor avaliação. No entanto, no caso das sementes vindas da China, trata-se, muitas vezes, de consumidores que não pediram produtos. “Isso pode evidenciar um vazamento de dados, pois é possível conseguir endereço, nome completo e e-mail dos consumidores. Assim, estes recebem um pacote e a plataforma valida que foi realizada uma compra. A pessoa não denuncia e nem vai atrás e, como a empresa que enviou o produto tem os dados do remetente, ela cria uma conta no e-commerce e escreve uma avaliação em nome de quem recebeu o produto, mas não o solicitou. Olhando de fora, parece algo muito honesto: existe um pedido, um rastreador e um review que vai ranquear positivamente”, explica Igreja.

2 – Por que estão enviando sementes?

Estados Unidos e Brasil emitiram alertas que poderia se tratar de um ataque de biossegurança, já que as sementes eram geneticamente modificadas. Porém, segundo Arthur Igreja, a explicação é mais simples: sementes são baratas, leves, e quem recebe pode achar que se tratam de um brinde. De acordo com o Mapa, a entrada de sementes no Brasil só pode vir de fornecedores de países com os quais o ministério já tenha estabelecido os requisitos fitossanitários. O ministério, antes de autorizar a importação, realiza análise de risco de pragas para identificar quais poderiam ser introduzidas por aquelas sementes. A partir disso, ficam estabelecidas medidas fitossanitárias a serem cumpridas no país de origem para minimizar o risco de introdução de doenças no Brasil por meio da importação do material. Para evitar o risco fitossanitário, o Mapa atua no controle do e-commerce internacional com equipe dedicada a fiscalizar e impedir a entrada de produtos sem importação autorizada no país.

3 – As empresas podem ser responsabilizadas caso aconteça algo prejudicial?

Arthur Igreja afirma que as empresas e os países podem, sim, ser alvo de investigações. No entanto, segundo ele, até agora não existem punições mais contundentes em andamento para que as empresas se sintam amedrontadas a não fazer isso. O recebimento de produtos não solicitados já aconteceu outras vezes, como em julho de 2019, quando houve relatos de indivíduos recebendo pacotes que nunca pediram da empresa Amazon. Embora o recebimento dos produtos possa não indicar necessariamente um problema maior, eles podem, em alguns casos, indicar uma violação de dados. Por isso, os clientes que acreditam ter sido vítimas de brushing são aconselhados a notificar imediatamente a empresa, bem como alterar sua senha e possivelmente utilizar serviços de monitoramento de crédito. No caso das sementes da China, o Mapa reitera que, caso a pessoa não tenha feito compra on-line ou não reconheça o remetente, não utilize as sementes e leve o pacote para uma das unidades do Ministério em seu estado ou entre em contato por telefone relatando a situação.

4 – Porque os pacotes vêm todos da China?

Grande parte da manufatura global é chinesa. Outro fator importante é que a China, ao lado dos Estados Unidos, tem empresas grandes de tecnologia e portais de venda – como é o caso do Alibaba e AliExpress. Os pacotes, porém, também tem chegado de outros países asiáticos, como Malásia e Japão. A Embaixada da China em Brasília alertou nesta quinta sobre indícios de fraude verificados nos pacotes enviados ao Brasil pelos correios. Etiquetas nas embalagens continham erros, comunicou a embaixada. “Uma verificação preliminar constatou que as etiquetas de endereçamento apresentam indícios de fraude, com erros no código de rastreamento e em outros dados”, afirmou em nota oficial.

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