Sob pressão, Assembleia Legislativa do RS começa a votar pacote de ajuste fiscal

  • Por Estadão Conteúdo
  • 19/12/2016 13h54
Divisão de fotografia/AL-RS Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul - REP

A Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul vota esta semana o pacote de ajuste fiscal apresentado pelo Executivo para enfrentar a crise financeira do Estado. Estão em pauta medidas polêmicas como a extinção de órgãos públicos e a mudança no calendário de pagamento dos servidores.

A apreciação dos projetos começa nesta segunda-feira, 19, e deve se estender até quarta-feira, 21, antes do recesso de Natal. Enquanto o governo gaúcho intensifica o corpo a corpo com a base aliada para tentar garantir maioria nas matérias mais impopulares, grupos de servidores, contrários ao pacote, também apertam o cerco aos parlamentares.

O deputado Gabriel de Souza (PMDB), líder do governo na Assembleia, diz que está convicto da aprovação das medidas. “Os colegas entendem a importância das propostas para se construir um novo Estado, mais adequado ao momento atual”, afirmou ao Broadcast, serviço de notícias em tempo real do Grupo Estado. 

Apesar da previsão otimista, o caminho do governo não deverá ser tão fácil. O governador José Ivo Sartori (PMDB) tem dificuldade para convencer deputados, inclusive da base, a votar a favor de algumas medidas. E determinadas propostas precisam de maioria qualificada – o que significa a necessidade de 33 votos favoráveis de um total de 55 votos possíveis. O pacote conta com o apoio quase irrestrito do PMDB, PSDB e PP. Por outro lado, tem a oposição ferrenha de PT e PCdoB. A tendência é de que, mais divididos, PDT e PTB definam alguns resultados. 

“Somos contrários ao pacote em sua totalidade por causa da forma como ele foi colocado. A população deveria ter tido a oportunidade de debater amplamente as medidas. Usaremos todas as ferramentas possíveis para obstruir a votação”, disse a vice-líder da bancada do PT na Assembleia Legislativa, Stela Farias.

Propostas

O pacote com quase 40 propostas foi apresentado em 21 de novembro. “Trago medidas duras”, disse Sartori no anúncio. No dia seguinte, ele decretou situação de calamidade financeira do RS. O governador argumenta que não há “plano B” e que as ações são imprescindíveis para aliviar o caos das finanças do Estado, prejudicadas por um problema histórico de desequilíbrio fiscal que foi agravado pelo desaquecimento da economia. 

O governo aumentou o ICMS, mas a baixa atividade econômica minimizou o impacto da mudança. Sartori vem parcelando o salário dos servidores vinculados ao Executivo ao longo de todo o ano – Legislativo e Judiciário recebem em dia. 

O plano propõe a extinção de onze órgãos públicos, sendo nove fundações, uma autarquia e uma companhia. Serão demitidos funcionários regidos pela CLT. De acordo com o governo, a economia de recursos estimada é de R$ 137 milhões ao ano. Também está prevista a diminuição de secretarias de 20 para 17, mas neste caso os funcionários serão realocados. 

Desde a divulgação do pacote, os trabalhadores dos órgãos ameaçados organizam manifestações ressaltando a importância dos serviços prestados e pedindo que a ideia de extinção seja abandonada. Na lista de corte estão instituições de pesquisa como a Fundação de Economia e Estatística (FEE), que elabora estudos e gera dados em diferentes áreas, e a Fundação Piratini, que responde pela concessão pública de rádio e TV no Estado.

O movimento em prol das fundações ganhou apoio de um grupo de intelectuais e personalidades ligadas à cultura, que defendem a busca de outros caminhos para contornar a crise. O governo argumenta que está modernizando o Estado em nome de uma estrutura mais enxuta, e que as fundações se tornaram inchadas e onerosas. Parte de suas atividades serão absorvidas pelas secretarias restantes.

Conforme o plano apresentado pelo governo gaúcho, as medidas com potencial para gerar maior ganho financeiro ao Estado não dependem da extinção dos órgãos públicos. O projeto que altera a forma de repasse do duodécimo aos outros Poderes, por exemplo, pode resultar em uma economia de R$ 575,5 milhões anuais aos cofres do Executivo. A proposta é de que o cálculo leve em conta a arrecadação efetiva, e não a prevista, como ocorre hoje.

Já a revisão de benefícios fiscais tem um impacto financeiro estimado de R$ 300 milhões ao ano. O governo pretende diminuir em 30% os incentivos concedidos através de crédito presumido de ICMS nos exercícios 2016, 2017 e 2018. Mas frisa que a redução desses benefícios não seria linear, e dependeria de uma avaliação “caso a caso”.

Algumas medidas do pacote de Sartori integram as contrapartidas impostas pelo governo federal para a entrada no Regime de Recuperação Fiscal, programa que oferecerá socorro aos Estados em situação crítica. Os governadores que aderirem terão que diminuir a máquina pública – inclusive com privatizações -, além de elevar a contribuição previdenciária dos servidores. 

Sartori quer retirar a obrigatoriedade de realização de plebiscito para privatizar a Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE), a Companhia Rio-grandense de Mineração (CRM) e a Companhia de Gás do Estado do Rio Grande do Sul (Sulgás). Outro projeto aumenta a alíquota previdenciária de servidores civis e militares de 13,25% para 14%, com uma repercussão estimada em R$ 130 milhões por ano.

A Secretaria da Fazenda do Rio Grande do Sul informou que o pacote deve gerar um ganho real aos cofres do Estado de R$ 6,7 bilhões nos próximos quatro anos. O governo espera um rombo de R$ 2,36 bilhões nas contas estaduais em 2016. Também estima um déficit acumulado de R$ 8,8 bilhões até 2018. Este último número leva em conta que o Estado reinicia o pagamento do serviço da dívida com a União gradualmente em janeiro de 2017. 

Se o Regime de Recuperação Fiscal que tramita no Congresso Nacional for aprovado e o RS aderir, o pagamento da dívida será novamente suspenso por um período de até 36 meses e, consequentemente, a previsão de déficit acumulado irá diminuir.

Resistência

O pacote anticrise do governo gaúcho sofre forte resistência do funcionalismo público estadual. Além dos projetos que preveem privatizações e extinção de órgãos públicos, outras medidas que afetam diretamente os servidores têm sido duramente contestadas. Uma delas é que institui mudanças no calendário de pagamento do funcionalismo. 

O governo pretende acabar com a obrigatoriedade constitucional de pagar os servidores no último dia útil de cada mês e propõe um calendário escalonado que se estende pelo mês subsequente. Segundo o Executivo, o objetivo é priorizar os menores salários e dar maior previsibilidade no pagamento aos servidores, que hoje não sabem em quantas parcelas vão receber. Os sindicatos, contudo, entendem que na prática a mudança permitirá ao governo perpetuar o parcelamento dos salários. 

“Mais uma vez o ônus recai sobre os ombros dos servidores”, diz o vice-presidente da Federação Sindical dos Servidores Públicos no Estado do Rio Grande do Sul (Fessergs), Flávio Berneira. O governo rebate que, havendo condições financeiras favoráveis, as datas-limite do calendário poderão ser antecipadas.

Os servidores prometem lotar os arredores da Assembleia Legislativa nesta semana. Caravanas do interior do Estado se dirigem a Porto Alegre para reforçar os protestos contra o pacote. Algumas categorias, como a dos professores estaduais, já decretou greve para pressionar os deputados. O acesso à Assembleia para acompanhar as votações deverá ser liberado a um número restrito de pessoas, para evitar tumulto. 

Sartori tem ao seu lado as federações empresariais do Rio Grande do Sul, que declararam apoio em massa ao plano proposto pelo governador. Elas lançaram, inclusive, uma campanha na internet divulgando a fotografia, o nome e o contato dos parlamentares, para que cada eleitor faça um apelo a seu deputado. 

Na tentativa de quebrar a resistência ao ajuste fiscal gaúcho, o governo estadual também adotou uma estratégia mais ativa de comunicação. O pacote ganhou um site próprio com a descrição dos projetos. As redes sociais do governo passaram a ser alimentadas por uma força-tarefa de servidores. O vice-governador, José Paulo Cairoli (PSD), participou de uma bateria de eventos e conversas em cidades do interior. E o próprio Sartori intensificou o contato com a imprensa e atendeu a um número maior de entrevistas nas últimas semanas.

Isso se soma ao investimento no decorrer do ano em publicidade na televisão, no rádio e em jornal para informar a respeito da crise financeira estadual. Os servidores defendem que as despesas com publicidade poderiam ser direcionadas a outros fins “Não há como propor uma mudança dessas no Estado sem fazer comunicação”, diz o secretário da área, Cleber Benvegnú.

O governo gaúcho informa que, de janeiro a 13 de dezembro de 2016, o gasto da administração direta (excluindo autarquias e fundações) com publicidade institucional foi de R$ 11,71 milhões O montante é quase três vezes maior que os R$ 4,47 milhões desembolsados em 2015. Mas, segundo o Executivo, é também três vezes menor que a média anual do gasto em publicidade da gestão anterior, de Tarso Genro (PT).

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