‘Sofrimento global’ faz buscas por ajuda emocional e prevenção ao suicídio aumentarem
Psicológicos relatam aumento de transtornos alimentares e psicológicos na pandemia e falam em ‘crises potencializadas’; Centro de Valorização da Vida registrou 147 mil atendimentos a mais apenas em 2020
Desde 11 de março de 2020, quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheceu a existência de uma pandemia do Sars-CoV-2, a crise sanitária decorrente da Covid-19 trouxe inúmeros reflexos para o mundo, como consequências econômicas, alterações na rotina e até longos períodos de quarentena. Essas mudanças, especialmente as causadas pelo isolamento, deixaram autoridades de saúde em alerta para o possível aumento dos fatores de risco para o suicídio. Em 10 de setembro do mesmo ano, a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) publicou um comunicado sobre os reflexos da crise sanitária na vida dos indivíduos, como a perda de emprego, surgimento de transtornos mentais, episódios de abusos e traumas, além das barreiras enfrentadas de acesso à saúde, que podem refletir em ideação suicida. “O suicídio é um problema urgente de saúde pública e sua prevenção deve ser uma prioridade nacional. Precisamos de ações concretas de toda a sociedade para pôr fim a essas mortes e para que os governos criem e invistam em uma estratégia nacional integral para melhorar a prevenção e o atendimento ao suicídio”, disse o chefe de Saúde Mental e Abuso de Substâncias da Opas, Renato Oliveira e Souza, na nota divulgada. Segundo as Estatísticas Mundiais de Saúde da OMS, 97.339 pessoas morreram por suicídio nas Américas em 2019. A estimativa é que o número de tentativas tenha sido 20 vezes maior no mesmo período.
Com esses números, que podem ser ainda maiores considerando o pós-pandemia, a discussão sobre a importância da saúde mental ficou mais evidente e a busca por ajuda profissional também. A psicóloga clínica Vanessa Gebrim afirma que registrou uma alta de 40% na procura por atendimento no seu consultório durante a crise sanitária. “Sentir-se bem tem sido um desafio para muitas pessoas nessa fase de pandemia. As frustrações comprometeram a autoestima, porque muitas pessoas não conseguiram realizar os projetos que tinham planejado. É um sofrimento global, muitas pessoas passaram por instabilidade financeira, preocupação com a saúde dos parentes e o isolamento. Isso tudo foi a gota d’água para buscarem ajuda”, explica. Segundo a psicóloga, também houve um aumento nos casos de transtornos alimentares e psicológicos nos últimos meses e os pacientes que já tinham um diagnóstico tiveram crises potencializadas. “O estresse, a ansiedade e depressão também aumentaram, fazendo com que as pessoas ficassem com as emoções ‘à flor da pele’, prejudicando o equilíbrio e contribuindo para a baixa autoestima.”
Nesse contexto, ações que buscam fornecer opções de escuta ativa e ajuda se tornaram ainda mais importantes. No Brasil, uma delas é o Centro de Valorização da Vida (CVV), que oferece atendimento qualificado, anônimo e gratuito para pessoas de todo o país. Com o primeiro ano de pandemia, o órgão registrou aumento de cerca de 147 mil atendimentos prestados em comparação com o período anterior. Em número gerais, foram 3,1 milhões de atendimentos em 2020 e pouco mais de 2,9 milhões em 2019. “A procura sempre foi grande e ela acabou aumentando depois que tivemos o telefone gratuito, que é o 188. Então acaba sendo uma demanda geral, independente da pandemia. O trabalho de apoio emocional tem sido fundamental para a sociedade há algum tempo”, explica Adriana Rizzo, voluntária e porta-voz do CVV. Embora o balanço de atendimentos em 2021 seja disponibilizado apenas no próximo ano, o último relatório trimestral divulgado pela entidade, referente aos meses de abril, maio e junho, aponta crescimento de cerca de 20% na média de ligações, o que demonstra o aumento na procura por ajuda, especialmente após junho de 2020. “Como o atendimento é sigiloso, a gente não faz um levantamento sobre os assuntos ditos. Mas é óbvio que entre os temas, a pandemia, a incerteza e o medo, que acabou se fazendo presente na vida de todo mundo, acabaram aparecendo.”
Embora tenha ganhado mais força na pandemia, o debate sobre a importância da saúde mental não é novo. O Centro da Valorização da Vida trabalha há 59 anos e a luta pela prevenção ao suicídio também é antiga. Desde 2003, em colaboração com a OMS, a Associação Internacional para a Prevenção do Suicídio (IASP) promove o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio, em 10 de setembro. Em 2021, o tema foi “Criando esperança através da ação”. A psicóloga Vanessa Gebrim afirma que, tanto ao longo do mês, conhecido como Setembro Amarelo, quanto no restante do ano, ações como a do CVV e de organizações em prol da saúde mental são fundamentais. “Ter alguém para desabafar, ouvir e confortar a pessoa em um momento de crise é sempre importante. Não é a mesma coisa que um acompanhamento psicológico, mas ajuda bastante em situações de emergência. Pessoas que recebem ajuda preventiva ou oferta de socorro diante de uma crise podem reverter a situação ao colocar para fora seus sentimentos.”
A visão de Gebrim é a mesma da porta-voz do Centro da Valorização da Vida. Adriana Rizzo enxerga que a entidade, assim como outras ações de acolhimento, podem efetivamente ajudar outras pessoas. “A prevenção [ao suicídio] deve ocorrer o tempo todo. Nós oferecemos um espaço para que as pessoas dividam os acontecimentos do dia a dia, para que não se torne um peso carregar esses sentimentos. Ao compartilhar tudo isso, pode ajudar na prevenção ao suicídio, porque evita que o acúmulo [de emoções] aconteça e não chegue ao ponto de tudo ser tão pesado que essa pessoa pense que viver não vale a pena. É uma doação de atenção e acolhimento para o que as pessoas estão passando”, acrescenta. O Centro de Valorização da Vida oferece apoio emocional gratuito pelo telefone 188, por chat e por e-mail no site cvv.org.br, 24 horas todos os dias.
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