STF nega aborto a grávidas com zika vírus

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quinta (30) rejeitar uma ação que pedia, entre outras coisas, o direito de aborto para grávidas infectadas pelo vírus da zika. A Corte já havia formado maioria no sábado (25). O último a votar foi o ministro Luís Roberto Barroso, que acompanhou a relatora, Cármen Lúcia, mas, com ressalvas, reiterando posicionamento pela descriminalização do aborto.
O processo foi movido pela Associação Nacional de Defensores Públicos (Anadep). A relatora do caso, ministra Cármen Lúcia, votou por rejeitar a ação – no jargão jurídico, “não conhecer” a ação, sem analisar o mérito.
Único a apresentar ressalvas, Barroso afirmou que, diante da maioria que já se formou no plenário virtual para negar seguimento à ação, não abriria divergência.
Por outro lado, disse entender que a Anadep tinha legitimidade para entrar com a ação e considera que “a extinção das ações adia a discussão de um tema que as principais supremas cortes e tribunais constitucionais do mundo em algum momento já enfrentaram”.
“A reflexão que se segue, portanto, parece-me necessária e, em rigor, transcende a questão da Zika e da microcefalia, alcançando os direitos reprodutivos das mulheres de maneira geral”, afirmou.
Barroso ressaltou que “o aborto é um fato indesejável, e o papel do Estado e da sociedade deve ser o de procurar evitar que ele ocorra, dando o suporte necessário às mulheres”. “Essa é a premissa sobre a qual se assenta o raciocínio aqui desenvolvido”, declarou.
O ministro reiterou posicionamento externado durante durante julgamento na Primeira Turma, em 2016, em que se manifestou pela descriminalização do aborto na análise de prisão preventiva de médicos e funcionários de uma clínica. Na ocasião, por maioria, a turma concedeu habeas corpus para soltura dos envolvidos.
Segundo Barroso, “o tratamento do aborto como crime não tem produzido o resultado de elevar a proteção à vida do feto”. “Justamente ao contrário, países em que foi descriminalizada a interrupção da gestação até a 12ª semana conseguiram melhores resultados, proporcionando uma rede de apoio à gestante e à sua família.”
“Esse tipo de política pública, mais acolhedora e menos repressiva, torna a prática do aborto mais rara e mais segura para a vida da mulher”, afirmou.
Barroso disse ainda que o “acesso aos serviços públicos de saúde, aconselhamento adequado, informações sobre métodos contraceptivos e algumas gotas de empatia produzirão melhor impacto sobre a realidade do que a ameaça de encarceramento”.
“Atirar no sistema penitenciário mulheres que já vivem um quadro aflitivo, quando não desesperador, é não compreender a grandeza do sofrimento de quem se encontra em tal situação. Ninguém faz aborto por prazer ou por perversidade”, escreveu.
O ministro ainda afirmou ser importante “registrar que praticamente nenhuma democracia desenvolvida do mundo combate a interrupção da gestação com direito penal”. “Justamente porque existem alternativas menos traumáticas e mais eficientes. Há de haver alguma razão para isso”, argumentou.
Por outro lado, disse que se deve ter um “profundo respeito pelo sentimento religioso das pessoas”, ao lembrar que a “tradição judaico-cristã condena o aborto”. “E, portanto, é plenamente legítimo ter posição contrária ao aborto, não o praticar e pregar contra a sua prática”, decidiu.
“Mas será que a regra de ouro, subjacente a ambas as tradições – tratar o próximo como desejaria ser tratado – é mais bem cumprida atirando ao cárcere a mulher que passe por esse drama? Pessoalmente, não creio. Portanto, sem abrir mão de qualquer convicção, é perfeitamente possível ser simultaneamente contra o aborto e contra a criminalização”, concluiu o ministro.
*Com Estadão Conteúdo
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