STF retoma julgamento sobre doação de sangue por gays
O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) retoma na tarde desta quarta-feira (25), às 14h, o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5543, ajuizada contra normas do Ministério da Saúde e da Anvisa que proíbem homens homossexuais de doarem sangue pelo período de 12 meses a partir da última relação sexual. O relator, ministro Edson Fachin, julgou as normas inconstitucionais, por considerar que impõem tratamento não igualitário injustificável. Os outros ministros devem agora proferir seu voto.
“Entendo que não se pode negar a quem deseja ser como é o direito de também ser solidário, e também participar de sua comunidade”, disse Fachin em seu voto. “Compreendo que essas normativas, ainda que não intencionalmente, resultam por ofender a dignidade da pessoa humana na sua dimensão de autonomia e reconhecimento, porque impede que as pessoas por ela abrangidas sejam como são”
A ação foi ajuizada pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB). O PSB alega que as normas impugnadas “determinam, de forma absoluta, que os homens homossexuais são inaptos para a doação sanguínea pelo período de 12 meses a partir da última relação sexual” e que “logo, os homens homossexuais que possuam mínima atividade sexual são considerados, na prática, permanentemente inaptos para a doação sanguínea”.
A parte sustenta ainda que “essa situação escancara absurdo tratamento discriminatório por parte do Poder Público em função da orientação sexual, o que ofende a dignidade dos envolvidos e retira-lhes a possibilidade de exercer a solidariedade humana com a doação sanguínea”.
Recomendação mundial
As normas brasileiras se apoiam em diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS). O órgão, no entanto, destaca que a expressão “homens que fazem sexo com outros homens” descreve “um fenômeno comportamental e social em vez de um grupo específico de pessoas”. “É importante esclarecer que o critério de inaptidão temporária para doação de sangue para este grupo está fundamentado em dados epidemiológicos presentes na literatura médica e científica nacional e internacional, e não em orientação sexual”, destaca nota do Ministério da Saúde.
Segundo dados da pasta, no Brasil, 1,8% da população brasileira entre 16 e 69 anos doa sangue. Para justificar a restrição aos homossexuais, o ministério explica que dados do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais no ministério apontam que a epidemia de Aids está concentrada em populações de maior vulnerabilidade, tais como “homens que fazem sexo com outros homens, usuários de drogas e profissionais do sexo”.
O ministério destaca que essas populações apresentam maior prevalência de infecção por HIV quando comparadas à população em geral. “Atualmente, cerca de 718 mil pessoas vivem com HIV/Aids no Brasil, indicando uma taxa de prevalência de 0,4% na população em geral. Já nas populações de maior vulnerabilidade, a taxa é de 10,5%”.
A OMS corrobora com as regras em vigor no Brasil e nos EUA. Segundo documento em que a entidade trata de doadores de sangue, estudos internacionais apontam que “diminuir a restrição por um período mínimo de 12 meses a homens que mantiveram relações sexuais com outros homens poderia levar a um aumento de 60% no número de doadores com o vírus HIV”.
O dado levado em consideração é o de uma pesquisa realizada em 2003 no Reino Unido, que também aponta que esse mesmo risco subiria 500% caso não houvesse qualquer restrição. Já publicação da Organização Pan-Americana de Saúde, braço da OMS, deixa claro que “pessoas que se engajam em comportamentos sexuais de risco devem ser recusadas como doadores por 12 meses após a última ocorrência”.
No mundo
Segundo informações do Ministério da Saúde, na maior parte dos países da Europa, homens que tiveram relações sexuais com outros homens são considerados “inaptos permanentes para doar sangue”.
No Canadá, o prazo considerado como chamada janela imunológica – período em que o vírus pode ficar incubado no organismo – é de cinco anos. Além do Brasil e dos Estados Unidos, Austrália e França consideram o intervalo de restrição para doações de 12 meses.
Já de acordo com informações da ONG Grupo Dignidade, “pelo menos outros 17 países não fazem distinção ou não estabelecem critérios específicos de exclusão de gays e outros homens que fazem sexo com homens como doadores de sangue”. Entre estes países estão Argentina, Chile, Colômbia, México, Peru, Espanha, Itália, Portugal e Rússia.
Outros critérios
O Ministério da Saúde lembra que a realização recente de cirurgias e exames invasivos, vacinação recente, ingestão de determinados medicamentos, tatuagens nos últimos 12 meses, bem como histórico recente de algumas infecções também podem tornar qualquer doador inapto por certo tempo.
Entram na lista, ainda, práticas variadas que deixem o candidato vulnerável a adquirir determinadas infecções, viagens a locais onde há alta incidência de doenças que tenham impacto transfusional, sintomas físicos e a temperatura do candidato no momento da doação.
Outro lado
O ativista LGBT e presidente fundador da ONG Grupo Dignidade, de Curitiba, Toni Reis, reconhece os números mas pondera que as estatísticas “não mostram que todos os homossexuais têm Aids”. “Precisamos promover uma discussão nacional, também queremos confiar no sangue que está nos bancos de todo o país, mas o que não pode é que as coisas continuem como estão. Temos relatos de homossexuais que nunca tiveram relações e mesmo assim foram impedidos de doar. A situação que existe hoje é de discriminação”, avalia.
“Todo sangue recebido no país é testado para averiguar qualquer tipo de contaminação. Se existe risco, ele existe para todas as amostras, a orientação sexual não deve ser parâmetro para isso”, diz Toni Reis.
Com informações do site oficial do STF e Agência Brasil
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