Tragédia de Suzano completa 2 meses com mais de mil atingidos na fila por atendimento psicológico
Suzano tem uma população de 294.638 pessoas e apenas catorze psicólogos na rede pública
A dor e o medo vividos por pais, alunos e professores, há dois meses — quando dois assassinos invadiram a escola Estadual Raul Brasil, em Suzano, na Grande São Paulo, e mataram oito pessoas — se transformaram em ataques de pânico, depressão e compulsão alimentar. Sessenta dias após a tragédia, completados nesta segunda-feira (13), as pessoas atingidas direta ou indiretamente por ela continuam em busca de apoio psicológico na rede pública — muitas vezes em vão.
Suzano tem uma população de 294.638 pessoas e apenas catorze psicólogos, segundo a Secretaria de Saúde. Isso significa uma média 21.045 habitantes para cada profissional. A Secretaria informou, ainda, que mais de 1.400 pessoas afetadas pelo ataque aguardam atendimento.
“Não consigo mais dormir”, relata a dona de casa Andreia Moreira Ferreira de Souza, mãe de um adolescente de 16 anos que estuda na Raul Brasil. “Fico imaginando o meu filho gritar, vejo ele correndo na escola, imagino o rostinho dele ao ver os amiguinhos morrendo”, conta, emocionada. “Tenho que ter forças porque de manhã eu estou com a minha pequena, à tarde estou com o meu filho, mas quando estou sozinha, choro muito”, continua ela.
Andreia foi três vezes ao Centro de Atenção Psicossocial (Caps) de Suzano nos dias seguintes ao massacre, para procurar ajuda para ela e para o filho. Ela deixou endereço e telefone para que o Caps pudesse entrar em contato — o que não ocorreu. “Meu filho acabou passando [no psicólogo] 1 mês e 5 dias depois [do atentado] porque teve uma roda de conversa durante a aula”, disse. O menino demorou 41 dias para conseguir voltar a frequentar as aulas.
No dia em que foi atendida por uma psicóloga na escola do filho, Andreia foi informada, pela profissional, que ela não seria atendida pelo mesmo psicólogo durante o tratamento. “O acompanhamento que os pais precisam ter não é com um psicólogo diferente por dia. Se não, vai ter muito psicólogo sabendo da história e não vai ter nenhum resultado”, reclamou Andreia. “Larguei de mão.”
Demorou um mês para a empregada doméstica Lilian Eunice de Lima conseguir marcar uma consulta. Segundo Lilian, isso só foi possível porque ela fez uma reclamação numa rede social da primeira-dama do município, Larissa Ashiuchi. A queixa tinha como contexto um evento com apresentações ao vivo de artistas, promovido pela prefeitura no dia que marcava um mês da tragédia, 13 de abril. Embora o objetivo fosse, de acordo com a gestão municipal, “promover a cultura de paz”, a festa foi considerada desrespeitosa pelos pais.
“Eu escrevi que nós estávamos revoltados porque não estava sendo feito o que deveria ser feito, como atendimento psicológico, melhorias na área da saúde e de segurança da escola. Por isso, achei a festa desnecessária. Então, ela [primeira-dama] me chamou no particular para conversar e foi aí que eu consegui marcar a consulta”, contou Lilian.
Ela é mãe de um adolescente de 13 anos que estuda espanhol no Centro de Línguas da Raul Brasil e que viveu momentos de pânico enquanto os dois responsáveis pelo ataque — Guilherme Taucci Monteiro, de 17 anos, Luiz Henrique de Castro, de 25 anos — estavam armados no colégio. O assassino mais novo matou o companheiro e depois cometeu suicídio, segundo a polícia.
“Eu tenho muita crise de ansiedade, crise de pânico, que são acompanhadas por falta de ar, aperto no peito, desespero”, conta ela. “Agora começou a me dar tontura, psoríase, compulsão alimentar. Tudo isso surgiu depois do massacre”, afirma.
Segundo Lilian, os pais são os que mais estão sofrendo. “É aquele medo de acontecer de novo, de acontecer em outra escola. Qualquer boato que surge, a gente fica apavorado”, disse. “Esse pânico [dos pais] deveria ter uma prioridade muito maior do que está tendo [pelo governo]”, reclama.
Das sete famílias de vítimas fatais, cinco delas manifestaram interesse em receber indenização do governo estadual. Destas, duas já foram indenizadas, segundo a Defensoria Pública do Estado de São Paulo.
Associação de pais
Catorze pais afetados pelos assassinatos formaram uma comissão para buscar melhorias, principalmente no âmbito de segurança, na Escola Estadual Raul Brasil e em outros colégios da região. No último dia 3, a escola instalou um portão automático na entrada — uma das reivindicações do grupo. Além disso, os pais também pedem um agente de segurança que fique o dia todo dentro da escola; o uso de uniformes para os alunos; e a implementação de um sistema de carteirinha.
O pastor Sérgio Luciano Ferreira de Souza afirma que, até agora, o governo estadual não apresentou um projeto que atenda os pedidos dos pais da comissão. “As promessas do governo ainda não existem diretamente. O estado ainda não chegou e disse ‘vamos fazer isso’.”
Prisões
Desde que a tragédia ocorreu, em 13 de março, quatro pessoas já foram presas e um menor de idade, apreendido.
O jovem, de 17 anos, foi levado para a Fundação Casa cinco dias após o massacre. Ele é apontado como mentor intelectual dos assassinatos. A defesa, por outro lado, diz que ele apenas “fantasiou” o crime.
No último dia 3, a Justiça julgou procedente a denúncia do Ministério Público contra ele. O adolescente ficará internado por prazo indeterminado, com avaliações periódicas de acordo com o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA). Dentro de um ano, ele será submetido a exames psiquiátricos e psicológicos.
A Polícia Civil prendeu, em 10 de abril, o mecânico Cristiano Cardias de Souza, de 47 anos. Ele é suspeito de intermediar a venda da arma usada no massacre, um revólver calibre 38. No dia seguinte, outros dois homens foram detidos por suspeita no envolvimento na venda da arma e de munição. Um deles foi solto por falta de provas. O outro, Adeilton Pereira dos Santos, segue preso.
Geraldo Oliveira dos Santos, de 41 anos, foi preso no último dia 2. Ele é investigado por ser a pessoa que vendeu a arma a Cardias que, por sua vez, a negociou com os assassinos. Cinco dias depois, a Polícia prendeu em flagrante Márcio Germano Masson, de 33 anos, conhecido como Alemão. Ele foi autuado enquanto a polícia cumpria mandados de busca e apreensão na casa dele.
No local, foram encontradas munições calibre 38 iguais às compradas pelos autores do atentado, Guilherme Taucci Monteiro e Luiz Henrique de Castro. Também foi encontrada uma pistola 9 milímetros raspada com munições.
O que dizem os governos municipal e estadual
Por meio de nota, a prefeitura de Suzano informou que, nos primeiros dez dias depois da tragédia, houve um acolhimento no Caps Alumiar e rodas diárias no Caps; apoio psicossocial na abertura da escola; acolhimento em todas as unidades da atenção básica e nos quatro Caps do município.
A gestão municipal informou, ainda, que estão sendo atendidas 185 pessoas envolvidas diretamente e 200, indiretamente, no massacre. Há 24 atendimentos sendo feitos em domicílio. Mais de 1.400 pessoas aguardam atendimento, conforme mencionado anteriormente. Além disso, o Caps tem, ainda mais de 1.090 pacientes regulares.
A prefeitura disse que aguarda a conclusão do convênio com o governo do Estado para a contratação de profissionais para o atendimento na cidade. A respeito dessa contratação, o governo de São Paulo disse, também por meio de nota, que vai contratar 47 psicólogos, por meio de convênio com a Fundação Faculdade de Medicina.
Serão repassados mais de R$ 2,2 milhões à FFM, em oito parcelas. O convênio foi publicado em Diário Oficial do Estado na última quinta-feira (9).
Segundo o governo de São Paulo, será realizado um processo de seleção dos profissionais, que deverão passar por análises curriculares, prova escrita e entrevistas. Os selecionados serão alocados em serviços públicos de saúde e educação, incluindo a própria Escola Raul Brasil, a Diretoria de Ensino regional e UBS e CAPS de Suzano.
O governo estadual disse também que as Secretarias de Estado da Saúde e da Educação têm articulado ações integradas de assistência psicológica a alunos, professores e funcionários na Escola Estadual Raul Brasil, de Suzano, por meio de parceria voluntária com o Centro de Referência e Apoio a Vítima (CRAVI) da Secretaria da Justiça e Cidadania, Instituto de Psicologia da USP, Unicamp, Conselho Regional de Psicologia (CRP) e dos Centros de Atendimento Multidisciplinar (CAM) da Defensoria Pública.
“Esse trabalho integrado reúne cerca de 40 profissionais que têm realizado ações diariamente na unidade de ensino, como grupos de formação de vínculo, de cidadania, rodas de conversa e escuta individualizada, quando necessário”, diz o texto. “Desde março, semanalmente, os órgãos envolvidos fazem reuniões para alinhamento das ações coordenadas pelo Governo do Estado”, conclui.
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