Budistas e muçulmanos trabalham em cooperativa de bambu no sul da Tailândia

  • Por Agencia EFE
  • 30/11/2014 06h31

Gaspar Ruiz-Canela.

Pattani (Tailândia), 30 nov (EFE).- Um grupo de budistas e muçulmanos trabalham lado a lado em uma cooperativa para fabricar objetos de bambu no conturbado sul da Tailândia, uma iniciativa incomum em uma das áreas mais violentas que vive um conflito que já tirou a vida de mais de seis mil pessoas desde 2004.

Desde que a guerrilha muçulmana recrudesceu a luta armada há dez anos, foi instaurado um clima de desconfiança nas províncias meridionais de Pattani, Yala e Narathiwat, onde 80% da população é malaio-muçulmana.

Os moradores não expressam animosidade entre credos ou comunidades, mas têm medo de visitar aldeias situadas a poucos quilômetros e isto gerou uma progressiva alienação entre as comunidades budista e muçulmana, principalmente nas zonas rurais.

Há exceções como o projeto da budista Sompong Artinmong, que conseguiu unir muçulmanos e budistas de várias aldeias em uma cooperativa que se dedica a fabricar cestos e outros objetos a partir de canas de bambu no distrito de Banare, em Pattani.

“Começamos o projeto em 2003, aproveitamos os restos do bambu para fabricar as cestas. Então não tínhamos nenhum lugar para guardar os utensílios e os deixávamos sob a sombra de uma árvore”, relatou à Agência Efe Sompong, uma enérgica mulher de 50 anos.

Em um barracão que conseguiram construir com doações em meio aos campos de arroz e coco, a budista ensina outras mulheres a fabricar cestos, trabalho no qual também participam alguns homens.

“O cultivo de arroz não deixa muita renda e o desemprego é muito alto. Tive a ideia de utilizar os resíduos do bambu para fazer cestas”, explicou Sombong, que emigrou ao sul há décadas desde o norte do país.

“Nós nos organizamos melhor. O governo, às vezes, não entende as necessidades locais”, acrescentou a empreendedora, detalhando que muitas famílias ganham em um bom ano até 30 mil bat (US$ 913) com a venda de arroz.

Mastha Sini, uma muçulmana de 23 anos da cooperativa, declarou que estuda na Universidade Islâmica de Yala e que tem amigos budistas, embora prefira não ir a aldeias de maioria budista que não conhece por medo.

“Não sei por que os budistas e os muçulmanos se matam, talvez seja por vingança”, comentou Mastha, que conversava amigavelmente com Wilari, outra mulher budista de 20 anos na cooperativa.

Cerca de 150 mil soldados, paramilitares, policiais e milícias de voluntários enfrentam cerca de nove mil insurgentes de diferentes grupos que exigem a independência ou autonomia da região, segundo dados oficiais recolhidos pela organização Deep South Watch.

Os civis, incluindo monges e professores budistas ou muçulmanos considerados informantes, são o grosso dos mortos por causa dos tiroteios e atentados com bomba nas três províncias tailandesas de maioria malaio-muçulmana.

Em muitas ocasiões, os acampamentos militares se encontram no interior ou nas cercanias dos templos, considerados um dos “alvos brandos” junto com colégios, professores.

É normal ver os monges sair de madrugada para realizar sua coleta de alimentos escoltados por soldados com fuzis M16.

Os incêndios de colégios ou bombas em karaokês também são frequentes, embora os locais não atribuam todos os ataques à insurgência, que nunca reivindicam publicamente os ataques, mas a grupos criminosos ou inclusive a facções do exército.

O atual governo militar da Tailândia prometeu que resolverá o problema da insurgência em um ano, mas por enquanto a ação de mais destaque foi enviar mais de dois mil fuzis para armar as milícias de civis voluntários.

Além disso, os insurgentes são acusados de atacar civis, professores e monges, enquanto muitos locais têm medo de expressar sua opinião por conta também da forte presença militar.

“Eu quero a independência. Patani era um reino muçulmano”, lembrou um local muçulmano, que só se atreve a expressar sua opinião quando vê que não está sendo gravado, diante da mesquita de Kru Se, a mais antiga de Pattani.

Segundo o professor Srisompob Jitpiromsri, diretor de Deep South Watch, “a preocupação dos movimentos separatistas é a identidade, a identidade malaia, a identidade muçulmana desta região de Patani, que no passado foi um reino. Têm um idioma, cultura e religião diferente do resto da Tailândia”.

As províncias de Pattani, Yala e Narathiwat eram parte do antigo sultanato de Patani, anexado em 1909 por Siyam (atual Tailândia).

Durante anos, a comunidade malaio-muçulmana foi submetida a uma agressiva política de assimilação, embora no ano passado as autoridades e a guerrilha tenham realizado a primeira rodada pública de contatos para negociar a paz. EFE

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