Chacina em Campinas expõe despreparo para o combate ao crime contra mulher
Mesmo com cinco boletins de ocorrência registrados contra ele, o técnico de laboratório Sidnei Ramis de Araújo conseguiu invadir a casa onde sua ex-esposa Isamara Filier comemorava o ano novo e matar 11 pessoas, incluindo o próprio filho de apenas oito anos.
Todos realizados por Isamara, os registros contêm relatos de agressões físicas e ameaças de morte. Além dos cinco boletins, ela também denunciou Sidnei, em 2015, por abuso sexual contra o filho.
Ainda que o teor das ocorrências representasse riscos para Isamara, ela preferiu rejeitar as medidas protetivas oferecidas pela polícia.
Para grupos de defesa da mulher, essa atitude é comum e representa o medo de represália da vítima. A medida de proteção, no entanto, é uma obrigação prevista por lei, independentemente se a vítima pede ou não. O argumento é da Promotora de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo Gabriela Mansur. “Se uma mulher vai cinco vezes à delegacia, está claro que ela vive em situação de risco e este risco deve ser observado e combatido”.
A presidente do Conselho Direitor da ONG Themis, especializada nas relações entre o direito e as mulheres, Fabiane Simioni explica que o primeiro erro aparece quando Isamara decide não levar adiante as denúncias e o Estado fica omisso. Ou seja, ainda que a vítima volte atrás é justamente para protegê-la que o Estado deve agir.
Na visão da Gabriela Mansur, no momento da denúncia na delegacia deveria ter sido instaurado pela Lei Maria da Penha o encaminhamento imediato ao Ministério Público ou à Defensoria Pública para avaliação de situação de risco. “Algumas delegacias, porém, aguardam o prazo de seis meses que a vítima deve voltar para representar o desejo de processo para dar prosseguimento”, aponta.
Para outra especialista na área, o problema vai muito mais além do aspecto criminal e jurídico. A professora de Direito Penal da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e doutoranda em Direitos Humanos Maíra Zapater acredita que este tipo de violência deve ser encarado por meio de uma rede multidisciplinar. “Em muitos casos, o criminoso é visto como um homem de bem pelos vizinhos ou como um bom funcionário na empresa, mas as pessoas precisam entender que este é um crime praticado por homens comuns que entram em um ciclo de violência machista e misógino”, conta. “A assistência social, em casos como este, pode ajudar a capacitar a vítima para romper com o ciclo de dependência do homem, por exemplo. Um psicólogo poderia orientar não só a ele ou a ela, mas também os seus familiares sobre os fatos. Este atendimento em rede pode ter várias frentes de atuação, que vão além do boletim de ocorrência”.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo afirma que processos envolvendo violência doméstica ficam em segredo de Justiça, por isso, não podem detalhar se houve ou não por parte do juiz alguma ação mais efetiva.
A promotora Gabriela Masur finaliza: “a causa da mulher é extremamente delicada. Para trabalhar com Maria da Penha tem que ter vocação, conhecimento íntegro da lei e sensibilidade com este ciclo de violência. Talvez a grande falha seja não ter pessoas com estas qualidades envolvidas nestes casos”, determina Gabriela Mansur.
A polícia agora procura descobrir quem vendeu a arma para Sidnei.
Com informações de Helen Braun e Rodrigo Amaral
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