Chico Mendes, a batalha amazônica que acabou entre fichas de dominó
Alba Santandreu.
Xapuri, 10 out (EFE).- Em 22 de dezembro de 1988 Chico Mendes foi assassinado covardemente por pistoleiros em frente a sua casa, mas, quase 26 anos depois, sua memória continua viva através da lembrança de seus vizinhos e em sua casa, transformada em um museu que repassa a vida de um dos grandes líderes ambientalistas brasileiros.
O relógio marcava 18h30 e Chico acabara de deixar inacabada uma partida de dominó para ir tomar banho. Pegou a toalha, abriu a porta. Dispararam.
“Foi assassinado covardemente pelos pistoleiros porque defendia a floresta”, contou Luiz Targino de Oliveira, companheiro de luta de Mendes em Xapuri, pequena cidade no Acre próxima à fronteira com a Bolívia.
Sentado na porta de seu pequeno comércio, Targino fala de costas para a casa de seu amigo Chico, onde ainda há traços de sangue na parede e os mesmos móveis de quando o ambientalista foi assassinado.
No interior do hoje museu, pequenos cartazes recriam os últimos passos do promotor da Aliança dos Povos da Floresta, e a poucos metros o Centro de Memória Chico Mendes reúne alguns dos objetos e pertences que fizeram parte da vida do ativista.
A história de Mendes, símbolo de ecologia dentro e fora do Brasil, continua a atrair a atenção de milhares de turistas, principalmente estrangeiros, que viajam até esta humilde cidade historicamente dedicada ao cultivo de borracha, motor da economia do Acre no passado.
Quando questionado sobre a atual situação de Xapuri, Targino se aferra ao passado. Lembra que estava no seringal quando soube da morte de Mendes.
Targino lamenta que, após a morte do ativista, “o dinheiro” tenha debilitado a luta empreendida por seu amigo e que só por causa da pressão dos meios de comunicação americanos que o caso não terminou em impunidade.
Os assassinos materiais foram o fazendeiro Darly Alves de Silva e um de seus 21 filhos, Darcy Alves Pereira, que viram na oposição de Mendes um obstáculo ao desmatamento que afeta o estado do Acre.
Fundador do sindicato de coletores de borracha, Mendes era consciente dos riscos que sua batalha envolvia, mas não queria morrer, como deixou por escrito em um testamento preservado no Centro de Memória que leva seu nome.
“Se descesse um enviado dos céus e garantisse que minha morte fortalecerá nossa luta, até valeria a pena. Mas a experiência me mostra o contrário. Então quero viver. Os atos públicos e o enterro numeroso não salvarão o Amazonas. Então quero viver”, disse meses antes de ser assassinado.
Ainda hoje, tantos anos depois, Targino acredita no mesmo. Que a morte de seu companheiro “foi o maior prejuízo” para o Amazonas, e para Xapuri. “Quando ele estava aqui, não existia ambição e a ambição agora está aqui”, lamentou.
Mendes, que tinha 44 anos quando foi assassinado, sonhava com uma Amazônia livre de perigos e com uma revolução socialista mundial que “unificasse todos os planetas em um só ideal, pondo fim a todos os inimigos da nova sociedade”.
“Desculpem, estava sonhando quando escrevi este acontecimento; que eu mesmo não verei, mas tenho o prazer de ter sonhado”, escreveu em carta dirigida aos “jovens do futuro”. EFE
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