Colombianos aprovam acordo com as Farc, mas têm dúvidas sobre seus detalhes
Cynthia de Benito.
Bogotá, 24 set (EFE).- O acordo alcançado entre o governo da Colômbia e a guerrilha das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) conseguiu nesta quinta-feira a aprovação de quase todos os setores da sociedade colombiana, que, no entanto, revelaram suas dúvidas sobre o mesmo em relação às eventuais penas de prisão que serão aplicadas.
Após um dia recheado de manchetes de satisfação pelo acordo nos meios de informação, que o chamaram de “histórico” e estamparam em suas capas fotografias com o aperto de mãos entre o presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, e o líder das Farc, Rodrigo Londoño Echeverri, conhecido como “Timochenko”, as dúvidas se acentuaram em vários fóruns realizados em Bogotá.
Além disso, hoje se conheceu a esperada reação dos militares, que desde o princípio se mostraram reticentes a aceitar um sistema que estabeleça os mesmos parâmetros para o julgamento de agentes do Estado e do grupo armado ilegal.
No entanto, os temores parecem ter se dissipado a julgar pela avaliação feita hoje pelos militares reformados através da Acore, a associação que os representa, que considerou o pacto equilibrado porque, além dos guerrilheiros, também serão julgados militares e civis que tenham cometido delitos no conflito.
“Então há igualdade, há equilíbrio”, disse à Agência Efe o presidente da Acore, o general reformado Jaime Ruiz, que detalhou que os militares continuarão buscando um “tratamento diferenciado” no tribunal especial, cuja criação é estabelecida pelo acordo de justiça.
Também aprovou o texto divulgado em Havana o ministro da Defesa, Luis Carlos Villegas, que disse que é uma iniciativa “satisfatória” para as Forças Armadas.
“Temos hoje, depois de Havana, um sistema de justiça claro, robusto, que garante que não haverá impunidade, tanto para a guerrilha como para agentes do Estado e outros agentes que tenham participado do conflito”, resumiu o ministro.
Na Colômbia, lembrou Villegas, há mil integrantes da polícia condenados por crimes cometidos em atos de serviço dentro do conflito armado.
Além disso, as vítimas da guerrilha e a Procuradoria do Estado examinaram atentamente o acordo, que contempla uma anistia para crimes políticos e a criação de um tribunal especial para a paz cujas penas oscilam entre cinco e 20 anos de “restrição de liberdades”.
Este trecho é o que concentra as maiores dúvidas, lideradas pelo procurador geral da Colômbia, Alejandro Ordóñez, que garantiu que o acordo “é insustentável jurídica e politicamente” se não houver penas de prisão para os líderes da guerrilha.
Ordóñez disse que lhe preocupa “a ambiguidade do texto pactuado”, já que o que se denomina “restrição efetiva da liberdade, em condições especiais” significa, segundo ele, que as penas para os guerrilheiros podem “ser reduzidas à proibição de deixar o país ou à realização de trabalho comunitário”.
“De acordo com o comunicado de imprensa do governo e das Farc, as penas privativas da liberdade não existiriam”, disse Ordóñez durante seu discurso em um fórum em Bogotá, no qual sustentou que as “penas simbólicas são uma afronta e uma tapa na cara das vítimas”.
Uma das vítimas mais emblemáticas das Farc, o general reformado de polícia Luis Mendieta, que foi mantido em cativeiro durante quase 12 anos pela guerrilha, disse, após avaliar como “um avanço” o acordo, que lamenta que ainda não haja um compromisso sobre como se dará a reparação às vítimas da violência.
“Estamos na expectativa de que nos próximos dias se chegue a um acordo sobre o tema das vítimas, porque os grupos que sofreram nas mãos das Farc nesses anos de violência estão esperando para saber como será esse processo que chamam de verdade e reparação”, opinou Mendieta.
Entre os pontos a serem esclarecidos, o policial reformado destacou a incógnita sobre o que acontecerá com o dinheiro que o grupo armado arrecadou com crimes como o narcotráfico, e se esses recursos serão entregues ao Estado colombiano.
Por sua vez, a titular da Comissão de Direitos Humanos do Senado, Sofía Gaviria, também vítima da guerrilha, criticou que o acordo não tenha levado em consideração as “reivindicações válidas das vítimas” e disse esperar que isso “seja corrigido nesta nova etapa do processo”.
Entre as várias questões em torno do acordo, a Corte Suprema da Colômbia lançou uma luz ao ratificar que o narcotráfico é vinculado ao crime político de rebelião, sempre que essa atividade tenha como fim financiar “organizações insurgentes”.
A frase, presente em uma decisão judicial divulgada hoje, abre a possibilidade para que o tráfico de entorpecentes realizado pelas Farc entre em uma futura anistia, uma das opções que mais gera controvérsias no país. EFE
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