Comunidade ultra-ortodoxa moderniza educação feminina para sobreviver

  • Por Agencia EFE
  • 08/03/2014 06h23

María Sevillano.

Jerusalém, 8 mar (EFE).- “Como muitas outras meninas ortodoxas, passei no instituto para preparar para ser professora. Então me dei conta do quão difícil era encontrar trabalho e optei pela computação”, explicou a Agência Efe Rivka Yeruslavsky, uma mulher ultra-ortodoxa judaica dona de uma história de superação que está quebrando barreiras.

Com 45 anos, cinco filhos e cinco netos, seu cotidiano não se distanciava em quase nada do das centenas de milhares de mulheres fechadas na asfixiante sociedade ultra-ortodoxa.

No entanto, sua decisão de estabelecer e tramitar o primeiro centro de formação profissional em Jerusalém dirigido especialmente às mulheres, mas também aos homens ultra-ortodoxos, a transformou em precursora dentro de uma sociedade criticada por sua peculiar concepção de vida, ancorada séculos atrás.

Conhecidas como haredíes ou “temerosas de deus”, são percebidas com certa desconfiança pelo resto de grupos, que receiam de sua extrema e intransigente religiosidade.

De maneira geral, são as mulheres que cruzam as barreiras entre o lar e o privado para trabalhar e ajudar assim a sobrevivência da família, já que os homens se limitam ao estudo dos textos sagrados.

No entanto, o básico de sua educação e as estritas normas de seus rabinos reduzem suas opções e costumam empurrá-las para trabalhos muito mal remunerados, que mal servem para cobrir as despesas de suas numerosas famílias.

Segundo a OCDE, a precariedade laboral das ultra-ortodoxas, unida à não participação dos homens do trabalho, à diminuição dos subsídios do Estado e dos donativos vindos do exterior, colocaram pelo menos metade das haredies nos limites da pobreza.

“Enquanto estudava, me dei conta do quão difícil seria conseguir um emprego nesta área. Encontrar um trabalho como professora era quase missão impossível por causa do grande número de professoras que saíam das escolas a cada ano”, comenta.

Então, tomou uma decisão que mudou o destino ao que parecia dedicada, e se tornou pioneira em uma sociedade apegada a tradição e que constitui aproximadamente 11% dos oito milhões de habitantes de Israel: estudar programação apesar de as casas haredies não terem rádio nem televisão.

Superada a primeira barreira, e sustentada no apoio de sua família, ingressou em um curso de formação profissional junto de um grupo de meninas de sua comunidade, em uma iniciativa que se revelou bem-sucedida e cheia de futuro, apesar dos vários obstáculos.

“Não cansarei falando das dificuldades pelas quais tivemos que passar… É suficiente dizer que era muito duro estar em um lugar no qual ninguém, realmente, entendia nossas necessidades como mulheres ultra-ortodoxas”, lembrou Rivka.

A força, assegura, veio da motivação: “sempre soube que devia estudar capacitação profissional para assim poder criar a minha família em condições aceitáveis”.

O impulso veio de um membro de sua comunidade, que a convenceu não existir base para limitar ou restringir a educação das mulheres haredíes ao magistério, pela simples razão de que não há trabalho para todas.

“Com ajuda, completei meus estudos. E entendi que se houvesse uma maneira de estudar sem comprometer a ideologia, o modo de vida, as crenças, então todo o mundo poderia fazê-lo”, continuou.

E por isso decidiu transmitir sua experiência a outros, primeiro de sua própria casa junto de seu marido, Yaakov.

“O número de estudantes cresceu constantemente, tanto, que tivemos que alugar outro espaço”, e ampliar os professores qualificados que pudessem atender as necessidades desta comunidade.

Assim, o centro que agora diz ser “sua vida” se desenvolveu e até se tornar o instituto Lomda.

Mais de 20 anos depois, Rivka e seu marido contam dez mil homens e mulheres formadas em 20 âmbitos diferentes como programação, alta tecnologia, contabilidade e administração, entre outras.

O sucesso, baseado em combinar crenças com o desejo de entrarem no mercado de trabalho e serem competitivos, desembocou na aliança com o colégio Hadassah, com que há um ano e meio nasceu Strauss Campus, primeiro instituto de capacitação profissional orientado à comunidade haredi de Jerusalém.

Esta escola busca agora solucionar os problemas econômicos dos ultra-ortodoxos ao mesmo tempo em que cria pontes para superar brechas sociais, ao ajudá-los a se integrar no mercado de trabalho israelense, explicaram os diretores.

“Nossa responsabilidade não termina com os cursos, observamos nossos estudantes se desenvolverem e passarem seus conhecimentos no lugar de trabalho”, apontou Rivka, orgulhosa de “sua missão”.

“Quero pensar que colaborações como as que temos aqui criam pontes e conexões entre diferentes setores. Isto é uma prova que quando estamos juntos podemos fazer mais e ser mais fortes. A comunidade ultra-ortodoxa tem gente de alta qualidade com vontade de colaborar”, finalizou. EFE

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