Confissões de Putin sobre a Ucrânia

  • Por Agencia EFE
  • 27/10/2014 06h38

Ignacio Ortega.

Moscou, 27 out (EFE).- Embora tenha fama de ser um amante do secretismo como bom agente da KGB, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, se tornou fã nos últimos tempos das polêmicas confissões de coração aberto, especialmente sobre a Ucrânia.

“Sim, digo isso abertamente: Yanukovich nos pediu que o tirássemos (da Ucrânia) e o levássemos à Rússia. E fizemos isso”, disse Putin em relação à rocambolesca fuga no último mês de fevereiro do deposto presidente ucraniano Viktor Yanukovich, até agora um mistério.

Putin aproveitou a presença de vários políticos e analistas ocidentais em um fórum de debate nesta semana na cidade de Sochi, no Mar Negro, para pôr os pingos nos is sobre o papel do Kremlin na vizinha Ucrânia.

“Não vou esconder que o ajudamos a chegar a Crimeia. Então, a Crimeia era parte da Ucrânia. Durante vários dias permaneceu na península”, revelou.

O líder russo lembrou que “como os eventos em Kiev ocorriam de maneira muito rápida e violenta, em tais condições (para Yanukovich) retornar a Kiev não fazia sentido”.

E não economizou críticas contra os então opositores e agora dirigentes ucranianos, os ministros das Relações Exteriores da União Europeia e o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, por ignorar o acordo assinado um dia antes da queda de Yanukovich.

Putin relatou que durante uma conversa por telefone com Obama ambos líderes assumiram “certos compromissos” para contribuir à aplicação dos acordos que contemplavam eleições presidenciais antecipadas, um governo de união nacional e uma nova Constituição.

Por outro lado, pouco depois, “todos se esqueceram dos acordos com a oposição que levavam as assinaturas dos ministros das Relações Exteriores e de nossas conversas por telefone”, ressaltou.

No dia da assinatura dos acordos, segundo relatou Putin, Yanukovich, a quem qualificou ironicamente de “todo um homem”, lhe disse por telefone que “considerava que a situação estabilizava-se e que tinha previsto viajar para Kharkiv”.

“Não nego que lhe manifestei certa preocupação. Disse a ele que não sabia se era possível abandonar a capital dada a situação. Ele respondeu que considerava possível, já que havia um documento assinado”, assegurou.

Além disso, Putin reconheceu que lhe recomendou que não retirasse as forças da ordem das ruas de Kiev.

“Ele respondeu: sim, certamente, eu entendo. Foi embora e ordenou a retirada de todas as forças da ordem de Kiev”, contou Putin.

Em seguida, os manifestantes ucranianos invadiram os edifícios da presidência e do governo em Kiev, ações que deram motivo ao parlamento ucraniano para a destituição no dia seguinte de Yanukovich por abandono de funções.

Agora, Yanukovich, que sustenta que continua sendo o presidente legítimo da Ucrânia, se encontra exilado na região russa de Rostov, limítrofe com Donetsk, e a cada semana surgem rumores de que já recebeu a cidadania russa.

Embora às vezes segredos sejam ditos em voz alta, não deixam de surpreender as confissões do chefe do Kremlin, já que, na opinião de seus opositores, se trata de grosseiras violações do direito internacional.

No entanto, são confissões realizadas meses depois, quando o fato já passou aos anais da história ou da infâmia, segundo Kiev, e já não têm remédio nem solução.

“Não vou negar. Utilizamos nossas Forças Armadas para bloquear as unidades militares ucranianas presentes na Crimeia”, confessou, em alusão aos “homenzinhos verdes” ou soldados russos sem insígnias que foram enviados à península ucraniana.

Por outro lado, negou que o desdobramento de tropas regulares na Crimeia tivesse como objetivo “obrigar” os crimeanos a participar do referendo de independência do dia 16 de março.

“Isso não é possível. Todos nós somos gente madura e entendemos que com os fuzis apontando não se leva ninguém às urnas. O povo foi votar como quem participa de uma festa e isso todo o mundo sabe”, insistiu.

Ao mesmo tempo, no que alguns analistas consideraram o cúmulo do descaramento, Putin assegurou que se o povo da Crimeia, “preocupado por seu futuro”, aproveitou o direito à autodeterminação contemplado no direito internacional “isso não significa” que a Rússia “não respeite a soberania do Estado ucraniano de modo geral”.

“Nunca pus em dúvida que a Ucrânia é um Estado europeu moderno, pleno e soberano. Respeitamos o país e temos intenção de seguir fazendo isso no futuro. E abrigamos grandes esperanças que se normalizem as relações russo-ucranianas”, ressaltou.

“Outra coisa é a formação da Ucrânia em suas atuais fronteiras: esse é um processo consideravelmente complexo”, acrescentou, em uma clara referência a que se trata de um país artificial, como opinam muitos governistas agora na Rússia.

Todos esperam agora ansiosos a próxima confissão de Putin sobre o conflito no leste da Ucrânia, onde, segundo Kiev e a Otan, a Rússia teria posicionado tropas regulares para reforçar as milícias pró-russas. EFE

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