Crianças feridas em Gaza sofrem tripla tragédia
Saud Abu Ramadan.
Cidade de Gaza, 16 ago (EFE).- Mohamad faz sinais com seus dedos, movimentando suas mãos com evidente nervosismo, enquanto tartamudeia algumas palavras e sussurra com dificuldade a mesma pergunta várias vezes: “Por que não vejo nada? Onde está meu pai?”
Ninguém entende o que é que Mohamad Badran, esta criança da Faixa de Gaza de oito anos, quer. Exceto sua mãe, que tenta acalmá-lo sem descanso, embora não seja capaz de responder à pergunta depois que seu filho foi ferido no bombardeio sobre sua casa no campo de refugiados de Nuseirat, na parte central de Gaza.
Mohamad não foi o único atingido pelo ataque israelense sobre a casa; seus seis irmãos também foram feridos e três deles estão ainda em condição crítica. Ele perdeu a visão.
“Todos nossos filhos foram feridos naquele ataque aéreo. Meu marido Nidal e eu não, mas nossos corações ficaram partidos depois que nossas crianças foram seriamente atingidos”, explica a mulher.
“Poucos dias depois, meu marido morreu em outro bombardeio sobre uma mesquita em nossa região”, acrescenta a mulher em lágrimas, impossíveis de conter.
Desde então, sua responsabilidade aumentou e também o estresse de ver-se sozinha, viúva e sem nada, com crianças feridas “com as quais não sei muito bem que fazer”, se lamenta.
Antes de Nidal morrer, este pai de família estava tentando levar seus filhos para um hospital israelense ou no exterior.)
Mohamad, que perdeu um de seus olhos e o outro está gravemente ferido, permanece em casa com sua mãe, que continua lutando para poder mandá-lo a um hospital para que receba tratamento.
O menino é um exemplo da tripla tragédia que sofrem milhares de crianças na Faixa, condenados à orfandade e à incapacidade pela ofensiva israelense, e presos por um ferrenho assédio militar que asfixia a Faixa desde 2007, lhes negando o direito de fugir e reduzindo suas oportunidades de cura.
Mohamad ainda desconhece o ocorrido a seu pai, por quem pergunta constantemente, é consciente que seus irmãos estão feridos, mas ninguém lhe disse ainda que sua cegueira condicionará toda sua vida, e inclusive pode ser perpétua.
Presa em uma realidade que lhe angustia, a mãe chora de novo, se acalma apenas um instante e volta a chorar, quando relembra um passado tão próximo quanto doloroso.
“Mohamad não pôde sequer vestir a roupa nova que seu pai lhe comprou pelo Eid Fitr (festa do fim do jejum do Ramadã)”, lembra com tristeza.
“Está em situação crítica. Perdeu um olho e tem fragmentos de lascas no outro. Respira por um tubo que tem alojado em seu pescoço e com a ajuda de outro em seu peito”, detalha, por sua vez, o vice-ministro do Ministério da Saúde, Yousef al Rish.
“Os estilhaços machucaram seu rosto, sua cabeça e seu pescoço”, continua Rish. “Fala com muita dificuldade, quase não pode comunicar-se com os demais. A única que o entende é sua mãe”.
Após muitos esforços, esta conseguiu transferir quatro de seus filhos a um hospital de Jerusalém, embora ela não tenha podido acompanhá-los.
“Eles (os israelenses) não me deixaram ir com meus filhos e só lhe deram permissão a uma tia das crianças. Por que me tratam tão mal?”, se pergunta esta mulher de 39 anos que, de acordo com as restrições de segurança israelenses, não pode viajar por não ter menos de 16 anos nem mais de 40.
Os residentes devem pelo menos cumprir este requisito para solicitar uma permissão de saída a Israel, que há sete anos exerce um obstinado bloqueio sobre Gaza, restringindo as entradas e saídas de pessoas, e também de bens.
“Não têm piedade. Como pode ser que evitem que uma mãe esteja com seus filhos no hospital? Mohamad poderia ser enviado a um hospital na Espanha, por exemplo, e teria que ir sozinho, já que sua tia teria que permanecer com meus outros filhos em Jerusalém”, explica.
Kamal Badran, tio das crianças, revela que mantém a esperança de Mohamad poder viajar para um lugar onde alguém possa devolver-lhe a visão.
Em Gaza há cerca de 3.000 crianças feridas que estão sendo tratados em hospitais da Faixa, embora muitos deles esperam para ser enviados a hospitais de fora.
Além dos menores, existem homens, mulheres e idosos que também necessitam receber tratamento médico urgente fora do enclave litorâneo, onde os serviços médicos estão em situação de crise.
Fazem parte dos cerca de 10 mil feridos causados pela ofensiva militar israelense iniciada no dia 8 de julho, e que causou a morte de quase dois mil palestinos e reduziu a escombros bairros inteiros. EFE
Comentários
Conteúdo para assinantes. Assine JP Premium.