Crimes da ditadura do Paraguai seguem impunes 25 anos depois
César Muñoz Acebes.
Assunção, 2 fev (EFE).- Os crimes cometidos durante o regime de Alfredo Stroessner no Paraguai continuam impunes às vésperas dos 25 anos de sua queda porque, segundo representantes das vítimas, os setores políticos e econômicos que se beneficiaram com a ditadura continuam no poder.
Ao contrário do que ocorre em outros países do Cone Sul, o Paraguai nunca teve lei de anistia, apesar de que os abusos estão muito bem documentados graças a mais de dois mil depoimentos e a três toneladas de arquivos oficiais que detalham violações dos direitos humanos tanto no seu território quanto em países vizinhos.
Mesmo assim, enquanto em países como a Argentina e o Chile há investigações ativas sobre crimes cometidos durante as respectivas ditaduras, no Paraguai os processos estão parados há décadas.
Uma dessas ações foi movida por Martín Almada, um pedagogo e grande ativista dos direitos humanos no país, processo aberto em maio de 1989, poucos meses depois da saída de Stroessner, em 3 de fevereiro do mesmo ano por um golpe de Estado orquestrado por seu consogro, e que encerrou quase 35 anos de governo, o mais duradouro da história da América Latina.
Almada foi detido por “terrorismo” por um estudo que escreveu sobre educação. Sua mulher morreu de ataque cardíaco depois de ouvir, em uma ligação telefônica, como o torturavam e de receber sua roupa ensanguentada.
“Meu processo ainda está dormindo”, disse à Agência Efe Almada, que foi libertado por pressão internacional e se exilou.
“Stroessner não se foi, o sistema ficou”, afirmou Almada, que dirige a Fundação Celestina Pérez de Almada, batizada em homenagem a sua mulher e dedicada a lembrar o que aconteceu no país nos anos de chumbo.
“Há setores interessados em que não haja memória na imprensa, na política e nas empresas”, disse à Agência Efe Juan Rivarola, assessor jurídico da Direção Geral de Verdade, Justiça e Reparação do Paraguai, entidade sucessora da Comissão de Verdade e Justiça (CJV).
“Grande parte das fortunas do país foram acumuladas na época de Stroessner, graças ao favoritismo político e a negócios ilegais”, acrescentou.
Ao contrário de outros países do Cone Sul, o Paraguai continua sendo controlado pelo Partido Colorado, conservador, um dos pilares do regime militar ao se transformar em um mecanismo de controle político cujo alcance chegava a todos os cantos do país, segundo o historiador Andrew Nickson.
Em 1986, por exemplo, o partido tinha oficialmente 1,3 milhão de membros, de um total de 1,4 milhão de eleitores.
O controle era tanto que os torturadores não escondiam o rosto e os funcionários do regime deixavam registrados em papel suas violações aos direitos humanos, muitos dos quais formaram os chamados “Arquivos do Terror”, achados por Almada em 1992.
A CJV comprovou a existência de 425 executados ou desaparecidos durante a ditadura e quase 20 mil detidos, a grande maioria vítima de tortura.
Acredita-se que 10 mil desses presos políticos passaram por uma casa comum do centro de Assunção onde operava a Direção Nacional de Assuntos Técnicos, incluindo Almada.
Hoje é um lugar solitário, silencioso e horrível chamado Museu das Memórias. Em exibição há um aguilhão usado para dar choque elétrico, varas para as surras, e uma bola com pontas para bater nas costas.
Quando os guardas colocavam a música no volume máximo, para abafar qualquer outro barulho, os presos sabiam que um deles seria torturado.
Um mapa no museu, que marca com pontos vermelhos os lugares de detenção, revela um país-prisão, no qual as torturas não foram realizadas em locais escondidos por policiais clandestinos, mas nas próprias delegacias, por soldados comuns.
O Paraguai só condenou dez policiais por crimes durante a ditadura, em processos realizados pouco após seu fim, segundo Rivarola.
Almada explicou que os policiais condenados eram os que “faziam o trabalho sujo”.
Diante da falta de avanços, 13 vítimas paraguaias abriram no ano passado um processo na Argentina, pelo qual o magistrado pediu à Justiça paraguaia que explicasse se está investigando os fatos ou não. Três meses depois, ainda não houve resposta. EFE
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