Crise ucraniana alimenta sentimento antirrusso na Polônia
Nacho Temiño.
Varsóvia, 15 mar (EFE).- A Polônia observa com ansiedade a situação da vizinha Ucrânia, uma inquietação que ficou evidente no momento em que o primeiro-ministro polonês, Donald Tusk, advertiu que o mundo “está à beira de um conflito” global e que tal crise instigou o velho sentimento antirrusso em um país marcado por um passado traumático.
Muitos poloneses escutaram com temor a declaração de Tusk, tendo em vista que esse possível conflito global traria consequências nefastas aos poloneses e representaria uma verdadeira questão de sobrevivência.
Para a maioria dos poloneses, especialmente para aqueles que viveram o comunismo, a chegada das forças russas na região da Crimeia resgatou lembranças tortuosas de uma história na qual o expansionismo do “Urso russo” sempre esteve presente.
“Tenho medo que possa ocorrer algo, toda minha família vive aqui”, explicou à Agência Efe a publicitária Izabela Jurczak, uma jovem de cerca de 30 anos, com educação superior completa, experiência internacional e uma inquietação que reflete bem o sentimento da maioria dos cidadãos do país.
Diante desta situação, a Polônia adota um discurso quase que único: a Rússia é a “vilã” da história, já que deseja abafar a todo custo os desejos de democracia e liberdade da Ucrânia e, por isso, é preciso frear Moscou antes que algo maior venha a ocorrer.
Esse sentimento de unidade faz com que poucos se lembrem que existem muitas sombras sobre o comportamento da oposição ucraniana em Kiev ou que a região da Crimeia tem um evidente coração russo, já que a região autônoma pertenceu à Rússia até 1954. No entanto, todas essas dúvidas são sufocadas diante de uma Polônia ameaçada.
Essa mistura de medo e rejeição à Rússia que levou a Polônia a apoiar à oposição ucraniana e a desempenhar um papel ativo, junto a Alemanha e França, na assinatura do acordo que pôs fim aos distúrbios em Kiev e que, mais tarde, provocou a queda do até então presidente Viktor Yanukovich.
Ainda se lembra com certa polêmica a advertência que o ministro das Relações Exteriores polonês, Radoslaw Sikorski, fez a um dos líderes dos protestos: “Se não acatarem o acordo terão a Lei Marcial, virá o exército e todos morrerão”, um sentido trágico que aflora novamente perante a delicada situação na Crimeia.
A ativa política oficial em defesa da Ucrânia é respaldada pela maioria da população polonesa e, de acordo com as últimas pesquisas, reflete um aumento do apoio ao governo de Tusk, embora a mesma aponte que 49% dos poloneses não estariam dispostos a lutar por seu país.
“O papel polonês é muito importante porque a Polônia não só transferiu ao resto do mundo o que ocorre na Ucrânia ou na Crimeia como também assumiu a função de propor reuniões e encontros em nível internacional para tratar a situação”, lembrou à Efe Zenia Klimakin, jornalista ucraniana em Varsóvia, que, como muitos de seus compatriotas no ocidente, observam a Polônia como um aliado incondicional.
A Polônia, que faz fronteira com a Ucrânia, se destacou como a principal incentivadora do acordo de associação entre Kiev e Bruxelas, que não chegou a ser assinado e que, mais tarde, foi o detonante para que milhares de opositores saíssem às ruas da capital ucraniana.
Essa política de apoio à Ucrânia, por enquanto, parece não levar em consideração o fato de que a maioria do gás que o país importa proceda da Rússia e que a interrupção desse comércio afetaria inevitavelmente às economias ucraniana, polonesa e do resto dos países da região.
Apesar desta dependência energética parcial, o governo polonês pediu sanções duras contra a Rússia, ofereceu apoio às novas autoridades ucranianas, mediação perante instituições financeiras internacionais e lembrou que os Estados Unidos se comprometeram a proteger a Polônia em caso de agressão.
Ao mesmo tempo em que esse sentimento antirrusso se torna cada vez mais evidente, a presença do chamado “atlantismo”, que há anos caracteriza a política polonesa, também se solidifica, tendo Washington como verdadeiro aliado nos momentos difíceis.
Enquanto a crise da Ucrânia joga por terra os últimos avanços diplomáticos entre Varsóvia e Moscou, a aproximação que havia se intensificado nos últimos anos, em breve, será coisa do passado. EFE
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