Cubanos em Angola: de internacionalistas a “voluntários” financeiros

  • Por Agencia EFE
  • 21/12/2014 06h28

Pablo Mazarrasa.

Luanda, 21 dez (EFE). – A geração de internacionalistas cubanos que desembarcou em Angola para combater o apartheid e o capitalismo foi substituída por uma comunidade que hoje vive no local, o segundo maior produtor de petróleo da África Subsaariana, com motivações menos utópicas: melhorar sua situação financeira e a de seu país.

Enquanto as potências ocidentais dão créditos através de organismos que costumam favorecer a internacionalização de suas próprias empresas ou canalizam as doações através de ONGs, a China constrói estradas e ferrovias em troca de matérias-primas. Cuba, por sua vez, abriu uma terceira via em matéria de cooperação ao desenvolvimento, exclusiva da ilha caribenha: exportar médicos e professores em troca de moeda estrangeira.

A ilha foi o primeiro país “do terceiro mundo” a projetar seu poder em outro continente, aposta que inaugurou ao desembarcar na ex-colônia portuguesa há quase 40 anos.

Em Angola vivem hoje quatro mil cubanos, vindos com motivações muito diferentes das que levaram seus compatriotas ao país africano no passado. Cerca de 450 mil cubanos, 5% da população da ilha, passaram por Angola para participar de um dos conflitos mais violentos da Guerra Fria, de 1975 a 1991.

As tropas cubanas combateram junto ao Movimento Popular para a Libertação de Angola (MPLA) – partido que governa Angola desde a independência de Portugal – contra a África do Sul do apartheid e seus aliados angolanos, financiados pelos Estados Unidos.

Em 1991, com a União Soviética desmoronando, os soldados cubanos deixaram Angola, que passaria à economia de livre mercado, enquanto Cuba se agarrava a seu sistema e começava o duro “período especial” dos anos 90.

Em Cuba, alguns lamentaram os esforços desmedidos em recursos e homens – com quatro mil baixas -, mas, após o final da guerra civil de Angola em 2002, as relações entre ambos os países voltaram a melhorar.

Na atualidade, a campanha cubana em Angola, que ocupa um lugar quase mítico no imaginário popular, se revalorizou como um dos primeiros exemplos da “cooperação sul-sul” que Cuba realiza, agora, por outros métodos menos beligerantes.

Se os internacionalistas de antes foram lutar em Angola para honrar Che Guevara, com espírito de aventura ou por solidariedade com um povo “irmão”, os cubanos que emigram hoje para o país sul-africano aspiram a melhorar a situação econômica e, com isso, aumentar a entrada de divisa estrangeira nos cofres do Estado.

Segundo dados do governo de Angola, 1.800 cubanos trabalham no setor da saúde e outros tantos no sistema educacional. Desse total, metade está em universidades.

A saúde e a formação educacional são as duas grandes necessidades sociais de Angola, que ainda carece de pessoal qualificado nessas áreas, embora a agricultura e a construção também empreguem cubanos. Um exemplo é o Aeroporto de Ndalatando, na província de Kwanza-Norte, que está sendo construído por cubanos.

A empresa estatal Antex, vinculada à Câmara do Comércio de Cuba, assinou com o governo de Angola vários acordos de “prestação de serviços” e formação de empresas. Seus trabalhadores recebem em Angola salários muito superiores aos de Cuba, de até US$ 1 mil (R$ 2.693) para os postos de melhor remuneração, segundo funcionários consultados pela Agência Efe.

Não em vão, o governo angolano paga a Cuba por cada trabalhador muito mais do que este funcionário recebe como salário, diferença que é embolsada pelo governo cubano, segundo as mesmas fontes, que preferiram manter o anonimato.

Embora os trabalhadores não tenham conseguido dizer a diferença entre o que recebem para seu sustento em Angola e a quantidade que o Estado cubano cobra, eles garantem que é “muita”, como ocorre na maioria dos países com os quais Cuba firma contratos de serviços.

Os funcionários cubanos vivem juntos em prédios ou instalações provisórias construídas para eles junto a hospitais ou universidades. Como para seus antecessores, a vida em Angola não está isenta de sacrifícios para os “novos internacionalistas”. EFE

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