Destino Brasil: haitianos buscam porta aberta para o futuro

  • Por Agencia EFE
  • 08/10/2014 06h12

Alba Santandreu.

Rio Branco, 8 out (EFE).- Jean Bart prepara sua mala. Dentro dela há algumas roupas, um álbum com fotos de sua família e uma Bíblia que percorreram mais de 5.500 quilômetros desde o Haiti à “procura de uma porta aberta” que agora parece começar a deixar entrar alguma luz.

Após passar dez dias em um albergue para imigrantes em Rio Branco, capital do Acre, Bart conseguiu seus papéis e agora espera “contentíssimo” a chegada de um ônibus com destino a São Paulo, onde seu irmão o espera para ajudá-lo a encontrar um trabalho.

Em seu périplo “por uma vida melhor” deixou para trás a família e sua namorada Cecília; foi extorquido pelos “coiotes” na fronteira com o Peru e passou fome e frio, “muito frio”.

Esse mesmo relato, com diferentes protagonistas, pode ser ouvido em cada uma das esquinas de Chácara Aliança, um terreno afastado do centro de Rio Branco onde 600 imigrantes, a maioria deles haitianos, vivem após uma longa viagem e à espera de terem sua situação regularizada pelo governo brasileiro.

Somente com os papéis em dia os imigrantes podem viajar para outros pontos do país.

Bart, como a maioria de seus colegas, passou por República Dominicana, Panamá, Equador e Peru até chegar ao Brasil.

O tempo passa lento no abrigo, dizem. Uma mulher faz tranças no cabelo de uma colega, outras conversam em pequenos grupos, enquanto uma dezena de haitianos e senegaleses enchem garrafas de plástico em uma cuba de água para se refrescarem dos escaldantes 36° do meio-dia.

A poucos metros, Miguans Jocelyn relaxa em um dos centenas de colchões espalhados no refeitório enquanto observa um mapa mundi pendurado na parede e folhas que dão lições básicas de português.

Como o resto de seus compatriotas, o jovem, de 22 anos, decidiu deixar o Haiti por causa da situação econômica do país mais pobre do hemisfério ocidental e para manter vivo sonho de chegar algum dia a ser professor de inglês.

“Em meu país, o custo de vida é muito alto, e esse é o motivo de vir para cá. Em meu país, frequentava a escola, mas agora que preciso encontrar trabalho é muito difícil para mim, por isso decidi ir para outro país, como o Brasil”, contou.

Jocelyn é só um dos milhares haitianos que começaram a chegar ao Brasil após o terremoto que em 2010 atingiu a capital, Porto Príncipe, matando 220 mil pessoas e deixando em pedaços um país que compartilha as raízes, a cor, os costumes e, sobretudo, a pobreza da África.

Após o desastre, o Brasil, que lidera a força de estabilização da ONU no Haiti (Minustah), começou a expedir em 2012 um “visto especial humanitário” válido até 2015 para a população haitiana. Segundo dados da Agência da ONU para Refugiados (Acnur), entre 2010 e 2013 o número de pedidos de refúgio ao Brasil aumentou quase 1000%, de 566 para 5256.

“O Brasil é como uma porta de salvação para eles. Quando chegam aqui (no Acre), mostramos um mapa para que escolham para onde querem ir, e a maioria opta por São Paulo. Acreditam que é uma cidade com oportunidades”, explicou à Agência Efe o secretário regional de Direitos Sociais do Acre, Antônio Torres.

Durante anos, padre Paulo, diretor do Centro de Estudos Migratórios da Missão Paz, recebeu e ajudou os imigrantes que chegam a São Paulo a procurar emprego. Segundo ele, “sofrem um grande choque porque não é o que imaginam”.

O sacerdote elogiou os “grandes avanços” do governo brasileiro, mas questionou a política “reativa e não pró-ativa”. “A política migratória não se resume em um papel”, ressaltou.

Sob a pressão de diversas ONGs, o Ministério da Justiça apresentou em agosto um anteprojeto de lei sobre migrações que reforma a atual estrutura legislativa e reduz o burocrático processo de entrada e regulação dos imigrantes.

“Nos últimos anos, o governo lançou mão de ações improvisadas e insustentáveis para dar resposta aos imigrantes sem documentos e permanência, como é o caso da maioria dos haitianos que entram no país pelo Acre”, lembrou Camila Asano, coordenadora de Política Externa da ONG Conectas. EFE

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