Dezenas de famílias moram em cemitério assoladas pela pobreza no Camboja

  • Por Agencia EFE
  • 29/09/2015 08h43

Ricardo Pérez-Solero.

Phnom Penh, 29 set (EFE).- Centenas de pessoas moram com mortos, entre túmulos e lápides, em uma comunidade que foi obrigada a ocupar um cemitério vietnamita ao sul de Phnom Penh para fazer frente à pobreza e desigualdade.

Em Thmor San, uma área da cidade de Doeum Sleng, os sepulcros se mesclam com lares onde fazem parte da mobília doméstica, enquanto as crianças brincam entre as lajes de pedra e os adultos preparam a comida em cima delas.

Ra Maly, que aos 38 anos já é avó, comentou à Agência Efe que se transferiu com sua família ao local há dez anos depois que sua casa anterior desabou por causa da extração de areia na ribeira do rio Mekong.

“Tive que me mudar porque minha casa ruiu”, lamentou a mulher enquanto mostrava um túmulo que integra a parede de um barraco.

Em outros casos, as famílias ocuparam o terreno após migrar do mundo rural na busca de oportunidades trabalhistas e, diante dos caros aluguéis de Phnom Penh, aceitaram a necrópoles como um mal menor.

“Há pessoas que acordam muito cedo e dizem que veem os espíritos caminhando, mas não quero falar porque há crianças aqui”, declarou Maly, sem mostrar de medo.

“Às vezes viver com os fantasmas é melhor do que viver com as pessoas”, acrescentou a mulher, enquanto de fundo soava a música tradicional cambojana, motocicletas, crianças brincando e algum bêbado que falava sozinho.

Acadêmicos, como a antropóloga americana Courney Work, documentaram a grande crença nos espíritos no Camboja, onde fazem parte da realidade diária das pessoas e são honrados nos lares com pequenos altares ou “casas de espíritos”.

No entanto, em Thmor San os moradores têm outras preocupações; como milhares de cambojanos, subsistem com pequenas comercializações, a venda de lixo e a ajuda das ONGs.

Sakun, chefe de projeto da organização Friends International, enumera entre os problemas de Thmor San “o álcool, a violência doméstica, a desnutrição, a falta de escolarização, o abuso de menores, o trabalho infantil, as doenças como HIV e as inundações”.

Segundo as autoridades locais, cinco crianças morreram devido ao HIV e dez faleceram pelas inundações durante a época de chuvas entre 2007 e 2013 na área.

Outro problema é a relação com os parentes dos mortos, já que muitos túmulos foram tapados com cimento para que fossem levantadas casas em cima dos mesmos.

O sexagenário chefe do povo Keiv Chang, que vive em uma casa de tijolos afastada do cemitério, assegurou que desde 2005 já não está permitido enterrar mortos e só se pode construir quando os parentes retiram os restos do falecido.

“Em seus dias religiosos (como o ano novo do calendário lunar) os vietnamitas podem visitar seus ancestrais e deixar comida”, argumentou Chang ao minimizar algumas disputas entre visitantes e residentes ocorridas no passado.

A paz na comunidade, que cresceu sobretudo no começo dos anos 90, é especialmente importante já que pelo menos dez famílias do cemitério são cambojanas de origem vietnamita, o que é um possível germe de conflitos tribais no cemitério. EFE

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