Do nascimento à morte: a luta da mulher na Índia
Luis Ángel Reglero.
Nova Délhi, 20 dez (EFE).- Desde o ventre da mãe, em um país onde nascer menina pode ser um problema econômico, até o fim da vida e a possibilidade do desamparo na viuvez, ser mulher na Índia é uma luta constante contra estereótipos, cultura, educação e até contra a administração pública.
Na semana passada, os indianos começaram a compartilhar um vídeo, que acabou se tornando um viral na internet, de duas meninas se defendendo do suposto assédio de três homens em um ônibus.
O caso despertou a repulsa no país e mostrou que alguns não se comovem nem se indignam com esta atitude apesar de estarem sentados a poucos centímetros de onde acontece o abuso.
Também nesta semana várias organizações revelaram as dificuldades que meninas e mulheres enfrentam em situações como a incapacidade ou a perda do marido, e lembraram, além disso, o estigma que representa para elas a simples consideração social – proibida por lei, mas amplamente aceita – de que a família da mulher deve pagar o dote no casamento.
“É o momento da mudança, mas será preciso uma autêntica revolução social para acabar com uma mentalidade patriarcal e machista”, declarou à Agência Efe Sehjo Singh, diretora de Programa e Política da organização ActionAid.
A ActionAid revelou nesta semana que a Índia “perde a cada dia” cerca de sete mil meninas antes de completar seis anos, algumas, inclusive, assassinadas pouco depois nascer, em uma sociedade na qual ser homem “é melhor”.
Sehjo advertiu que a discriminação e a desigualdade com relação às mulheres está tão incrustada no gigante asiático que “antes de nascer você já está condenada”, pois na Índia existem práticas como os abortos seletivos de meninas.
Estas práticas ajudam a formar “um enorme problema, porque nascem apenas 914 meninas a cada mil meninos, quando o natural seria o contrário”, o que contribui para uma sociedade cada vez mais “dominada pela masculinidade”, destacou a ativista.
O desamparo herdado na infância se transforma em um empecilho de vida do qual não é fácil se libertar e menos ainda quando o apoio institucional é falho, como denuncia um relatório apresentado esta semana em Nova Délhi pela ONG Humans Right Watch (HRW).
A organização pediu ao governo para atuar e rever a situação de todos os centros e instituições de atendimento a incapacitados ou doentes mentais no país. Eles alertaram que dezenas de mulheres são abandonadas por seus familiares e, até mesmo, internadas à força em sanatórios, algumas delas sem ter qualquer problema psíquico.
Apesar ser o segundo país mais povoado do mundo, com 1,252 bilhões de habitantes, segundo o estudo, intitulado “Tratadas pior do que animais: abusos contra mulheres e meninas com deficiência psicossocial ou intelectual em instituições na Índia”, o país possui apenas 43 destes centros de saúde mental.
Para Kriti Sharma, pesquisadora da HRW e autora do trabalho, o estado de desamparo que acompanha o doente mental em um sistema que não lhes dá voz quando se trata de viver com a sua doença ou deficiência torna-se ainda mais evidente com mulheres e meninas.
Muitas delas sofrem abusos ou são simplesmente abandonadas pelos parentes, que chegam, até mesmo, a fornecer dados falsos nas instituições para elas nunca mais serem localizadas, condenando de fato à suposta doente a um confinamento sem limite de tempo.
O desamparo se acentua com a viuvez, como explica um relatório apresentado pela Organização das Nações Unidas (ONU), também esta semana: “Dando poder às viúvas: um resumo sobre as políticas e programas da Índia, Nepal e Sri Lanka”.
Na Índia, muitas mulheres viúvas se transformam em párias, em sinais de falta de sorte, que as condena a mendigar e algumas chegam a ser queimadas vivas acusadas de bruxaria.
A cidade de Vrindavan, ao norte do país, se tornou um refúgio para essas mulheres. Atualmente, 15 mil viúvas tentam sobreviver cantando nos templos por poucas algumas poucas rúpias ou um punhado de arroz.
Em seu relatório, a ONU pediu aos governos, como o indiano, para acabarem com esta “ausência de direitos”.
“Não quero mais palavras, o que quero é ação”, exclamou Mohini Giri, uma das ativistas participantes do estudo. EFE
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