Brasil deixa de ser o ‘patinho feio’ dos investimentos com os efeitos da guerra na economia global, diz ex-diretor do BC

Luiz Fernando Figueiredo cita alta das commodities, distância do conflito e boas relações internacionais como fatores positivos; aumento dos juros deve tornar o país um dos primeiros a controlar a inflação

  • Por Gabriel Bosa
  • 27/03/2022 07h00
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Divulgação/Mauá Capital Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor do Banco Central e CEO da Mauá Capital Luiz Fernando Figueiredo, ex-diretor do Banco Central, diz que Brasil deve ser um dos primeiros países a controlar a inflação

O Brasil reúne uma série de fatores para sofrer menos do que o resto do mundo com a crise econômica gerada pelo conflito no Leste da Europa, e ainda se tornar um destino atrativo para os investidores internacionais, afirma o ex-diretor do Banco Central e CEO da Mauá Capital, Luiz Fernando Figueiredo. A posição de privilégio é reflexo do papel fundamental que o país tem na exportação de commodities, e pelos benefícios que a disparada dos preços gera na renda doméstica. A distância geográfica dos campos de batalha e as boas relações em âmbito internacional também são fatores que favorecem. “Se o mundo sofrer mais, é possível que o Brasil seja um dos que sofram menos.”

A entrada de capital estrangeiro desde o início do ano, que fez o dólar fechar na sexta-feira, 25, a R$ 4,74, a menor cotação em mais de dois anos, mostra que o país voltou ao radar dos investidores. Ao contrário dos analistas que creditam a sucessiva alta dos juros como maior atrativo para os aportes, Figueiredo defende que o movimento é reflexo da valorização dos ativos e do câmbio doméstico após dois anos de defasagem em relação aos outros países. “O Brasil era o patinho feio dos investimentos estrangeiros, e não está mais assim”, diz o executivo. A antecipação do Banco Central (BC) em subir a Selic também deve deixar a economia brasileira em vantagem no cenário internacional. “O país está tomando o remédio que precisa para trazer a inflação de volta para a meta, e ainda vai demorar um tempo. Mas, o Brasil foi o primeiro a fazer, e provavelmente ele vai ser, se não o primeiro, mas um dos primeiros a trazer a inflação para dentro da normalidade.” Confira abaixo os principais trechos da conversa: 

Como o conflito no Leste Europeu vai impactar no Brasil? A consequência de longo prazo será um mundo menos globalizado. Ou seja, os países, ao invés de importar tudo, vão começar a fazer mais coisas em casa, além de uma certa divisão política entre o Ocidente e o Oriente. O comércio exterior deve ser impactado, e isso quer dizer que o mundo tende a crescer menos. O Brasil está muito bem posicionado, mas sofre como todo mundo sofre. Como exportador de commodities, o país tem a renda mais alta. Em segundo, o Brasil é mega pacífico, e, neste ponto de vista, ele é um bom país para investir e está suficientemente longe para não ser tão afetado. Não quer dizer que o Brasil vai se beneficiar muito. Se o mundo sofrer mais, é possível que o Brasil seja um dos que sofram menos. Não quer dizer que ele vai andar para frente, mas talvez ande menos para trás. 

No balanço final, o conflito trará mais benefícios ou malefícios ao Brasil? É muito duro falar que uma coisa como essa vai trazer benefício. Dito isso, relativamente aos outros países, o Brasil vai ser beneficiado. Não é por outra razão que os ativos brasileiros têm performado bem, e muito vindo de investimentos de estrangeiros.

Esse fluxo de capital estrangeiro deve se prolongar até quando? É difícil dizer. Esse fluxo não tem nada a ver com a taxa de juros. Tem a ver com que, nos últimos dois anos, os ativos brasileiros caíram e a taxa de câmbio depreciou muito. E o que aconteceu no resto do mundo foi o contrário. O Brasil ficou com uma defasagem no preço muito grande. O que estamos fazendo é uma pequena descompressão desse processo. Claro que a taxa de juros aqui está muito mais alta porque o Brasil foi o primeiro a responder a essa inflação, e está no final do processo de aperto monetário enquanto os outros nem começaram ainda.

O que o país pode fazer para aumentar os benefícios dos efeitos da guerra? O Brasil tem que se mostrar como um bom parceiro, não só para investimentos, mas para parcerias comerciais. O Brasil está muito atrasado nas suas relações com a Europa e com os Estados Unidos, e precisa correr com isso porque se mostrou agora mais interessante do que era antes. Um pouco brincando, nós estamos em um concurso de bruxas, o Brasil era a bruxa, e agora apareceu um monte de bruxas piores. O Brasil era o patinho feio dos investimentos estrangeiros, e não está mais assim.

Com toda a pressão negativa na inflação, por quanto tempo o Brasil aguenta? O país está tomando o remédio que precisa para trazer a inflação de volta para a meta, e ainda vai demorar um tempo. Mas o Brasil foi o primeiro a fazer, e provavelmente ele vai ser, se não o primeiro, mas um dos primeiros a trazer a inflação para dentro da normalidade.

A normalidade será em 2023? Sim. Tivemos um ano de 2021 com uma inflação bastante alta. Em 2022, a inflação deve cair bem, mas com o choque, principalmente do petróleo e de alimentos, devemos ter uma inflação entre 6,5% e 7%. Antes do conflito as projeções estavam entre 5% e 5,5%. Com todo esse aperto e postura na política monetária, devemos ver a inflação em 2023 entre 3,5% e 4%, portanto bem próximo da meta do Banco Central.

As previsões para a economia estão defasadas com os efeitos do conflito? Ninguém sabe quando vai acabar essa história, é só olhar a volatilidade no preço do petróleo. Mas não parece que isso esteja muito perto, infelizmente. No final, o mundo vai acabar se acomodando nessa nova realidade, mas em outro equilíbrio, com mais inflação e menos crescimento. O mercado de ativos financeiros e reais menos será exuberante. Aqueles que acabarem substituindo a Rússia e a Ucrânia como fornecedores, de alguma maneira, minimizarão o que está acontecendo. O Brasil é um candidato a isso. 

O dólar deve continuar nessa trajetória de queda por mais tempo? O Brasil está sendo percebido como um país que vai ter os efeitos minimizados. Por isso, o fluxo para emergentes tem sido canalizado ao país. Já estava sendo antes, e isso se ampliou. A taxa de câmbio estava depreciada demais, embora quando estava a R$ 5,70, ninguém dizia que podia chegar a R$ 4,80. Uma série de incertezas que tínhamos no ano passado, principalmente relacionadas a questão fiscal, não aconteceu. Quando essa incerteza baixa, os ativos descomprimem, como estão fazendo. É possível que ele vá buscar R$ 4,50, mas quem sabe? Me parece que esse processo ainda não acabou. 

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