Governo brasileiro deve vetar acordo em negociação entre Boeing e Embraer

  • Por Estadão Conteúdo
  • 22/12/2017 07h25 - Atualizado em 22/12/2017 07h29
Divulgação Embraer Governo se preocupa com a questão militar, já que a Embraer tem braço na indústria aeronáutica; acordo financeiro, porém, não enfrentaria resistência

As fabricantes de aviões Embraer e Boeing anunciaram nesta quinta-feira, 21, que estudam uma “potencial combinação”, mas sem deixar claro que tipo de negócio seria esse. De acordo com a nota conjunta divulgada pelas empresas, as bases de um potencial acordo ainda estão em discussão, e “qualquer transação estaria sujeita à aprovação do governo brasileiro”. A notícia fez as ações da Embraer dispararem na Bolsa de Valores de São Paulo: fecharam em alta de 22,5%.

Reportagem do jornal americano The Wall Street Journal aponta que a empresa americana teria interesse em adquirir o controle da companhia brasileira. Mas essa posição deve enfrentar resistência dentro do governo, principalmente nas áreas militares. O comando da Aeronáutica, por exemplo, afirmou considerar a Embraer “uma empresa estratégica e fundamental para a soberania nacional”.

Numa conversa com o ministro da Defesa, Raul Jungmann, e o comandante da Aeronáutica, Nivaldo Rossato, nesta quinta-feira, durante a reunião de cúpula do Mercosul, o presidente Michel Temer teria dito que a Embraer é “inegociável”. O que preocupa principalmente o meio militar é que a Embraer, junto com a produção de jatos comerciais leves, tem um braço de indústria aeronáutica de defesa com grande conteúdo tecnológico. Há um receio de que, estando sob o comando da Boeing, essas linhas de produção possam ser interrompidas por influência do Congresso norte-americano, que tem total controle sobre a indústria de defesa local.

Na área econômica, porém, a venda do controle da Embraer não enfrentaria tanta resistência. Uma fonte ouvida pelo Estadão/Broadcast avaliou que seria uma operação complicada, porque a Embraer tem muita participação no Brasil em desenvolvimento de tecnologia e na produção de equipamentos militares. Mas disse, porém, que perder o controle da companhia não seria um problema para o governo.

Um acordo entre as duas companhias teria de passar pelo aval do governo brasileiro por conta de uma ação especial (chamada de golden share) que a União detém desde que a Embraer foi privatizada, em 1994. Essa ação especial dá direito de veto em decisões importantes, como a criação ou alteração de programas militares e a transferência do controle acionário.

Apesar do direito de veto, o governo não é um acionista tão relevante da Embraer: tem uma participação de apenas 5,4%, por meio do BNDESPar, o braço de participações do BNDES. A Embraer, na verdade, é uma empresa sem controlador definido. Seu maior acionista é a consultoria de investimentos americana Brandes, com 15% das ações. A maior parte dos papéis, 64,5%, está diluída no mercado.

Valor sobe R$ 3 bilhões

O anúncio de negociação para uma combinação de negócios entre a americana Boeing e a Embraer fez as ações da companhia brasileira dispararem nesta quinta-feira, 21, na B3 (nova denominação da Bolsa paulista). Com o salto de 22,5% ao fim do pregão, para R$ 20,20, o valor de mercado da Embraer superou R$ 15 bilhões, ou R$ 3 bilhões a mais do que na véspera. Na máxima, o papel chegou a R$ 23, com valorização de 40%.

O grande interesse da Boeing na Embraer reside no segmento de aviação regional, atendido por aeronaves com cerca de cem lugares, disse André Castellini, sócio da consultoria Bain & Company e especialista em aviação. “Embora a Embraer tenha bons produtos de uso militar, a Boeing é um colosso no setor”, disse. “Os aviões da Embraer no setor são mais de transporte e treinamento do que, propriamente, de combate, o que fez o Brasil comprar caças suecos.”

O movimento da Boeing também seria uma forma de a americana se proteger do acordo firmado entre a franco-alemã Airbus e a canadense Bombardier, nesse mesmo segmento, em outubro. Conversas nesse sentido foram noticiadas pela colunista Sonia Racy em 21 de outubro, logo após o acordo entre Bombardier e Airbus. Para Jorge Leal, especialista em aviação e professor da USP, a Embraer teria menor necessidade de formar uma parceria do gênero. “A Embraer vem se dando melhor no mercado do que a Bombardier”, disse.

Na visão de analistas de mercado, a potencial união com a gigante americana poderia ser benéfica à Embraer. O BTG Pactual calculou que o prêmio ante a avaliação atual da empresa brasileira poderia chegar a 50% e estimou o negócio em US$ 15 bilhões (mais de R$ 50 bilhões).

O BTG lembrou, porém, que as ações da Embraer vinham sendo negociadas em patamar bastante baixo. Com as dificuldades enfrentadas no ano passado, a empresa viu o preço de seu papel perder quase 50% – saindo de R$ 29,19, ao fim de 2015, para R$ 15,54, em dezembro de 2016. Ao longo deste ano, mesmo com a melhora dos dados do balanço, o ânimo dos investidores com o papel foi bem limitado.

Entre 1.º de janeiro e 20 de dezembro de 2017, o papel ON da Embraer havia avançado 6,11%, para R$ 16,49, uma alta de pouco mais de 6%. O desempenho da fabricante ficou bem abaixo do Ibovespa, que acumulava ganho de mais de 20% até quarta-feira.

Prós e contras. Ao se associar à Boeing, a Embraer ganharia acesso a clientes e a capital mais barato para seus aviões de médio porte, segundo Castellini, da Bain & Company. No entanto, o especialista ressalvou que, qualquer que seja o desenho do acordo – aquisição de todo o negócio ou parceria específica na aviação regional -, a fabricante colocaria em risco uma de suas principais vantagens: a agilidade. “A Embraer é vista como uma empresa capaz de trazer bons produtos de forma rápida ao mercado”, explicou. “Ao se tornar subsidiária de uma gigante, esse poder de decisão seria reduzido.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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