Guerra na Ucrânia freia expectativa de avanço da economia após surpresa positiva do PIB

No quarto trimestre de 2021, economia brasileira cresceu acima do esperado por economistas, porém consequências do conflito devem prejudicar manutenção da retomada – mesmo após cessar-fogo

  • Por Gabriel Bosa
  • 06/03/2022 07h00
Dimitar DILKOFF / AFP - 04/03/2022 Homem olha para o chão ao redor de prédios destruídos na guerra na Ucrânia Guerra na Ucrânia chega ao seu 12º dia de conflito consecutivo

A economia brasileira surpreendeu positivamente ao registrar avanço no quarto trimestre de 2021 após dois períodos seguidos de resultados negativos. O crescimento de 0,5% entre outubro e dezembro – acima do 0% esperado por economistas – deu impulso para o Produto Interno Bruto (PIB) subir 4,6% no ano passado e superar as perdas geradas pela pandemia da Covid-19. O ritmo acelerado dos últimos meses de 2021, no entanto, deve encontrar resistência nos próximos meses com a eclosão da guerra no Leste Europeu e os impactos de sanções e fechamento de fronteiras no comércio global. Vale lembrar que o cenário doméstico não vinha sendo totalmente favorável. Mesmo antes da invasão da Ucrânia por tropas russas, os sinais apontavam para um ano desafiador com a inflação pressionada e os juros escalando acima dos dois dígitos — fenômenos que devem se agravar com o conflito. Mas o caminho ao menos indicava uma luz no fim do túnel, principalmente pela retomada das atividades ligadas ao lazer e às viagens, enquanto as condições climáticas apontam para a recuperação do agronegócio.

A recuperação econômica de 2021 foi puxada pela alta de 4,7% do setor de serviços, o que detém a maior fatia da conta do PIB e é o principal responsável pelo mercado de trabalho. Já o consumo das famílias, que registrou avanço de 3,6% ao longo do ano passado, o mais expressivo em uma década, também foi um destaque positivo. “O quarto trimestre surpreendeu e afastou o cenário de recessão. A economia estava tomando fôlego no fim do ano, e isso por causa da volta da circulação de pessoas e  o aumento do turismo. Agora a situação com a guerra estanca essa possível retomada”, afirma a economista e professora do Insper, Juliana Inhasz.

Na comparação de trimestre contra o mesmo período anterior, o agronegócio registrou avanço de 5,8%, o maior salto desde 1997. O resultado, no entanto, se deve pela base fraca de comparação, já que entre julho e setembro o setor desabou 7,4%, mas indica que a produção rural está em trajetória de crescimento. Por décadas considerada a “locomotiva” do PIB por garantir o avanço do país, ou ao menos evitar uma queda mais acentuada, a agricultura registrou retração de 0,2% em todo o ano passado. A perda de protagonismo foi gerada pela baixa produção de bovinos e leite, causada por questões climáticas, que vão desde a pior seca em um século até o excesso de chuvas e temperaturas negativas. Para o economista da XP Investimentos, Rodolfo Margato, mesmo as recentes condições adversas, como enchentes na região Sudeste, não devem abalar a retomada do setor neste ano. “É menos sensível ao ciclo econômico. Mesmo considerando uma quebra na safra de grãos, quando se olha para o todo, em 2022 deve ter um bom crescimento”, explica.

GRÁFICO PIB

O avanço dos russos sobre a Ucrânia há 11 dias fez disparar os indicadores de incertezas em todo o mundo. A Rússia é um dos principais produtores de petróleo em todo o mundo, e o risco de desabastecimento por causa do conflito fez o barril do tipo Brent — referência para a Petrobras — encostar em US$ 120 na semana passada, o maior valor desde 2012. Já a Ucrânia desempenha um papel fundamental no abastecimento de grãos, como o trigo, a cevada e o milho, que também tiveram fortes reajustes para cima. Apesar de o Brasil se beneficiar com a valorização das commodities, no longo prazo, os resultados inflacionários e do clima de temor devem acarretar prejuízos por trazer peso a uma situação já bastante agravada. “Quando se olha para a economia brasileira como um todo, o impacto é negativo. A situação leva ao aumento de incertezas e da percepção de riscos e gera mais problemas logísticos”, explica o especialista da XP.

O mercado estima alta de 0,3% da economia neste ano, segundo previsões do Boletim Focus, a pesquisa semanal do Banco Central (BC) com mais de uma centena de instituições. A previsão foi divulgada antes da publicação do resultado do PIB, e pode sofrer alterações nas próximas edições. O número é contestado pelo Ministério da Economia, que prevê alta próxima de 2%. Para Inhasz, a expectativa é de algo mais próximo de estagnação do que o otimismo projetado pelo governo federal. A economista chama a atenção para que, mesmo com os sinais de cessar-fogo e as indicações de que o confronto armado deva não se estender para muito além das próximas semanas, os problemas gerados pela quebra de acordos, a interrupção de rotas comerciais e o clima de tensão devem continuar pressionando para baixo as estimativas de crescimento. “Antes, tínhamos muita incerteza interna. Agora, o problema é a incerteza internacional. Dependendo do que ocorrer nas próximas semanas, talvez até a projeção de 0,3% seja muito otimista”, afirma. Na XP, a estimativa foi mantida em crescimento nulo (de 0%). A diferença é que até o meio de fevereiro, as estimativas apontavam para revisão para cima, enquanto agora o quadro fica menos otimista. “Já havia sinal de viés positivo no primeiro semestre, mas, com os eventos recentes no ambiente global, adotamos uma postura mais cautelosa”, explica Margato.

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