Mercado tentador e ainda obscuro: saiba como não cair em ciladas com bitcoin

  • Por Diogo Patroni/Jovem Pan
  • 26/12/2017 12h00 - Atualizado em 26/12/2017 17h47
EFE/ Maxim Shipenkov Bitcoin valorizou 1570% apenas em 2017; Moeda digital ainda não é reconhecida pelo Banco Central

Ganhar dinheiro sem sair de casa é o sonho de qualquer pessoa. Se antes a possibilidade era inalcançável, atualmente ela tem se tornado real. Há nove anos, o Bitcoin, moeda virtual criada para facilitar transações e pagamentos online, tem possibilitado aos investidores mais arrojados aumentar os ganhos de forma considerável. Se a moeda começou janeiro cotada a US$ 1 mil, no início de dezembro o valor bateu a casa dos US$ 15 mil. Estima-se que a valorização final em 2017 seja de 1.570%.

Os mais otimistas acreditam que em 2018 o preço mínimo de um bitcoin será de US$ 60 mil, com valor de mercado em US$ 1 trilhão. A reportagem da Jovem Pan foi até uma financeira, na região da Avenida Paulista, e descobriu como funciona um esquema de pirâmide dentro desse mercado ainda desconhecido e sem muitos critérios. Logo na primeira abordagem o atendente de nome Bruno, responsável pela triagem de potenciais investidores, me perguntou se conhecia a moeda virtual. Na sequência, deu uma breve explicação sobre o “ouro digital”.

Foi então que revelei minha real intenção. Buscar um investimento com um retorno financeiro muito maior do que a Caderneta de Poupança ou Fundos de Renda Fixa. Bruno me disse: “então você veio no lugar certo”. A promessa feita por ele foi de ganho mensal de 22% em cima do rendimento. “Você tem R$ 3 mil agora? Se tiver eu passo seus contatos ao Dr. Carlos, você só preenche um contrato e ele te coloca na rede dele”, declarou o atendente, que não quis fornecer muitos detalhes sobre o tal Dr. Carlos. Supostamente esse deve ser o pseudônimo do “dono da pirâmide”.

“O Dr. Carlos também tem bitcoins e ele permite um investimento menor. Mas preciso ficar com seu contato e aí eu te apresentaria o segundo plano. Esse investimento é muito fechado a ele. Nem para mim ele quis abrir”, continuou o prestativo funcionário.

A proposta parece bem tentadora, pois segundo o intermediador, o rendimento garantido sobre R$ 3 mil investidos é de, no mínimo, R$ 500,00. “Em 15 dias você recupera o valor. E no ano terá R$ 12 mil”, disse.

Máquina de ganhar dinheiro!

Steve Garfield/Flickr

O “vendedor de sonhos” ainda explicou que também havia um plano B. Um investimento junto ao Dr. Carlos, que na realidade renderia 1% ao dia em bitcoins. “Não posso entrar muito em detalhes, mas ele não passa por uma fazenda de mineração, é direto no Forex, você cai no miolo da coisa”, disse Bruno.

NOTA: O Forex (Foreign Exchange Market) é um mercado descentralizado que movimenta US$ 5 trilhões por dia no mundo.

“A gente abre uma carteira e você acompanha sua conta, faz movimentações e ganha um cartão da corretora para sacar em qualquer máquina do Banco 24 Horas. A única coisa que você terá que fazer é pagar R$ 165,00 de taxa por investimento no Forex”, completou o atendente.

Questionei sobre os riscos desse investimento e a segurança contra potenciais invasões. Bruno alegou que “isso não existe”. “A moeda é criptografada e atualizada a cada 15 segundos. Não tem como um hacker descobrir seu login. A senha é sua e ninguém tem mais acesso. A CoinBR vai ter acesso para te dar um suporte, mas você não corre risco”, emendou.

Tentando usar seu poder de convencimento, o rapaz explicou que o investimento é bem mais seguro do que um CDB junto ao Banco ou do que títulos do Tesouro Direto. “Ativou a conta, vai cair. Não precisa acompanhar o mercado. Mesmo que eu tenha sua senha e seu login, eu não consigo fazer nenhuma transação porque não vou ter a sua senha financeira que é cadastrada por você”, afirmou o atendente que ainda fez uma comparação: “O gerente do seu banco também tem acesso à sua conta. Se quiser, ele pode tirar tudo. Então, eu acho muito mais perigoso”.

Ao longo da conversa surgiu mais uma oferta. Participar de um pool para um rateio da chamada máquina de minerar Bitcoin, cujo custo estimado é de R$ 22 mil, mas que ali sairia por R$ 16 mil. “Eu garanto que em um mês você já tira esses R$ 16 mil. Não tem erro porque será 100% seu”, disse.

Após quase 40 minutos, Bruno me apresenta um contrato. Segundo ele, esse é o documento que vai garantir minha entrada no “esquema”. Mas o texto está todo redigido em espanhol. “A empresa é sediada aqui no Brasil. Só que a fazenda de mineração fica no Paraguai. Lá o imposto de energia é muito mais barato e eles optaram por manter a operação lá”, argumentou.

Mineradora CoinPy mantém operações no Brasil, mas oferece contrato em espanhol

Ouro digital e “quebra” de paradigmas

No final desse ano, a Bolsa de Chicago (CBOE), confirmou que vai negociar contratos futuros em bitcoins. A Nasdaq também pretende adotar a inciativa. Para o economista-chefe de criptomoedas da XP Investimentos, Fernando Ulrich, a moeda virtual tem quebrado paradigmas e feito cidadãos comuns e economistas repensaram os conceitos sobre dinheiro e poder de compra.

“O bitcoin é algo inovador. Ele tem característica de commodity como o ouro, porque é um bem escasso, tem característica de moeda e também é usado como meio de troca e sistema de pagamento”, disse.

“Ele também é um protocolo de comunicação, um software e um conjunto de regras que implementa a comunicação nessa rede descentralizada (peer to peer – P2P)”, completou Ulrich.

O economista ressalta que as principais recomendações para quem deseja investir são estudar, conhecer a tecnologia, entender os riscos e saber como usar com segurança. “O bitcoin, como um ativo, não é uma aplicação financeira e não dá nenhum rendimento mensal. Ele é o verdadeiro ouro digital e está exposto a variação de mercado”, explica.

Ulrich reforça que não existe um limite mínimo para investir em bitcoins, pois cada unidade é praticamente divisível. Em contrapartida, a “entrada” nesse mercado deve ser feita sempre por meio da tecnologia blockchain, responsável por gerar uma espécie de identidade virtual do investidor dentro de um banco de dados permanente.

Para o economista da XP Investimentos, a desinformação possibilita o surgimento de aproveitadores e de empresas que garantem retorno garantido e comissionamento aos investidores, mas que na verdade não passam de esquemas podres, a chamada pirâmide (conforme constatado pela reportagem). “Esse esquema é caso de polícia. É uma contravenção e o risco ao se entrar nisso é perder todo o dinheiro. Recentemente, em Brasília, uma empresa foi indiciada pelo Ministério Público, e está respondendo por fraude. Então, o recomendável, para quem acha que está entrando em algo parecido, é fugir”, completa.

Vem rápido, vai rápido

O professor de estratégia financeira do IBMEC, Paulo Azevedo, classifica o investimento na moeda digital como de alto risco, principalmente pela falta de regulamentação e fundamentação econômica. O que pode acarretar uma rápida desvalorização por conta da insegurança do mercado. Assim, o bitcoin pode valer R$ 10 mil ou R$ 10,00 no mesmo dia. “Por não ter um Banco Central e uma regulamentação específica fica difícil assegurar que essa rentabilidade prevista vai se manter em médio e longo prazo”, disse.

Basicamente, 80% dos investidores em bitcoins são jovens, na faixa dos 35 anos de idade, que buscam resultados mais rápidos. Enquanto os mais experientes seguem a linha conservadora com a Previdência Privada e investimentos com poucos níveis de riscos. Por isso, o economista recomenda cautela para aquelas que estão no afã de obter ganhos “expressivos”.

O aconselhável é diversificar os investimentos em carteira, com menos de 5% do ativo em bitcoins. Assim, não há um risco tão grande e a rentabilidade compensa uma eventual perda”, explicou Azevedo, que completa:

Os títulos públicos continuam remunerando bem e ainda são uma aplicação segura, mesmo com a Taxa de Juros (Selic) a 7,5% ao ano e inflação baixa perto de 2%, o que gera um ganho real próximo de 5%. Fundos de Renda Fixa, CDBs de bancos Médios, Debêntures de empresas grandes consistentes, são alternativas que não oferecem tanto risco. Pensando em médio e longo prazo o investimento em ações também é uma boa saída”, aconselhou.

Na mesma linha, Ulrich reafirmou que a moeda virtual é mais indicada para investidores com um perfil mais arrojado em função da volatilidade do mercado. “Não há garantias que eu possa alocar um capital e retirar esse capital mais o rendimento em seis meses”, completou o economista da XPI.

Regulamentação dará mais segurança?

Embora o bitcoin desponte como a moeda do futuro, com operações regularizadas em países como Estados Unidos e Japão, no Brasil ainda não há uma legislação que dê garantias ao investidor. No último mês de novembro, o Banco Central emitiu um informativo para alertar os investidores e ressaltou que as moedas virtuais “não são emitidas nem garantidas por qualquer autoridade monetária”. 

Já o Projeto de Lei PL 2303/15, de autoria do deputado Aureo (Solidariedade-RJ), que tramita na Câmara dos Deputados, busca criar uma regulamentação libertária que reconheça as criptomoedas dentro do mercado financeiro. “Ao criar a legislação estaríamos incentivando o surgimento de startups e de novos negócios em plataformas digitais”, defendeu o parlamentar.

De acordo com o deputado, o governo precisa “olhar” mais para esse mercado das moedas digitais, mas não pode taxar. “O mercado brasileiro ainda não reconhece a criptomoeda, mas há no Imposto de Renda um campo em que é possível declarar quantos bitcoins o sujeito possui. Isso é contraditório”, questionou Aureo.

O parlamentar explicou que o entendimento entre a Receita Federal, Banco Central, Agências e Instituições, permitirá o avanço de startups e o desenvolvimento em soluções de blockchain, além da criação da legislação e de um ambiente seguro para que o País se torne também referência em criptomoeda no Mercosul.

Outro ponto destacado por Aureo remete ao combate à corrupção e lavagem de dinheiro, uma vez que as transações poderiam ter sido rastreadas, caso realizadas por alguma moeda virtual. “Nossa legislação tem que prever a lavagem de dinheiro. Já existe um grupo de estudo e um entendimento favorável no BC, que entende a questão das criptmoedas. Assim como no COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) e na CVM (Comissão de Valores Mobiliários)”, disse.

Segundo o parlamentar, a ideia é aprovar o relatório na Comissão Especial da Câmara ainda em dezembro. Na sequência, a matéria deverá seguir para votação em Plenário.

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