Retomada da economia brasileira ainda pode surpreender em 2021, diz economista-chefe do Bradesco

Fernando Honorato aponta a reedição de programas do governo, passagem do pior momento da inflação e ‘poupança forçada’ como motores de crescimento; risco político e vacinação são desafios a serem superados

  • Por Gabriel Bosa
  • 09/05/2021 08h00
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Divulgação/Bradesco Fernando Honorato, diretor e economista-chefe do Bradesco, afirma que o pior momento da inflação ficou para trás: 'Vamos ter dados mais comportados daqui para a frente' Fernando Honorato, diretor e economista-chefe do Bradesco, afirma que o pior momento da inflação ficou para trás: 'Vamos ter dados mais comportados daqui para a frente'

O recrudescimento da pandemia do novo coronavírus e a retomada de medidas de isolamento social em março quebraram a resiliência que a economia brasileira apresentava desde o fim do ano passado. Apesar deste tropeço, na avaliação de Fernando Honorato Barbosa, diretor e economista-chefe do Bradesco, o país ainda reúne condições para surpreender positivamente em 2021 e apresentar um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) acima de 3,3%. O valor projetado pelo time econômico da instituição é superior a estimativa de 3,1% do mercado financeiro, segundo dados do Boletim Focus. O otimismo é embasado por dados internos do próprio banco, que mostram a recuperação dos índices já em abril com a flexibilização das restrições para o funcionamento do comércio e a circulação de pessoas. “A impressão que dá é que alguma coisa está funcionando na economia brasileira fora desse escopo da pandemia”, disse Honorato em entrevista à Jovem Pan.

O cenário positivo se desenha com a superação do pior momento da inflação brasileira depois da sequência de alta acumulada desde o segundo semestre de 2020 — e que chegou a 6,1% nos 12 meses encerrados em março, acima do teto da meta de 5,25%. O movimento de alta da taxa de juros pelo Banco Central (BC), que elevou a Selic para 3,5% ao ano e sinalizou novo ciclo de elevação, também fortalece o bom humor. A reedição do programa federal que permite a redução de salários e jornadas de trabalho (BEm) e a liberação de crédito para micro e pequenos empresários (Pronampe) também são vistos como forças para a retomada, além da “poupança forçada” acumulada pelos brasileiros em meio às restrições impostas pela pandemia. Por outro lado, a vacinação ainda se mostra como um grande desafio. “Se formos capazes de não ter mais que fechar cidades por causa de saturação do sistema de saúde, tem tudo para sermos surpreendidos no PIB e no emprego”, afirma. No campo da incerteza, o risco político, inflado pela CPI da Covid-19 no Senado e as futuras discussões do Orçamento de 2022, além do próprio ano eleitoral que se aproxima, também é um fator delicado. “Tudo isso gera incerteza para quem faz projeções, mas não para a economia real.”

Para Honorato, o novo acréscimo de 0,75 ponto percentual na taxa de juros foi um movimento acertado para o controle de uma inflação que se mostra mais persistente do que o projetado. “A decisão mais apropriada é de fato acelerar o ritmo de remoção de estímulos, e com isso capturar o efeito máximo para atravessar os próximos meses”, afirma, ao defender uma nova dose de 0,75 na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), em junho, e mais duas altas de 0,50, levando a Selic para 5,25% ao ano — levemente abaixo da previsão de 5,5% do mercado financeiro. A alta, no entanto, não deve implicar aumento do polêmico spread bancário brasileiro, o popular “preço do dinheiro” para a tomada de crédito, considerado um dos mais elevados do mundo. “A grande piora das condições financeiras que levou ao aperto ao crédito aconteceu entre o fim do ano passado e o início deste ano“, diz. “A maior parte do que seria incorporado já se refletiu no que vimos nos últimos 3 ou 4 meses, e os bancos já acomodaram isso.” Acompanhe abaixo os principais pontos da entrevista de Honorato à Jovem Pan:

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A vacinação ainda não engrenou e o governo relançou os programas de proteção apenas no mês passado. A resposta do Ministério da Economia ao agravamento da pandemia veio mais tarde do que o ideal? Primeiro é preciso fazer um diagnóstico da resiliência da economia brasileira antes dessa piora que aconteceu em março e abril. Quando se captura os dados da arrecadação de impostos, da venda do varejo, dos serviços, e mesmo da geração de emprego, a economia mostrou uma resiliência muito forte, ela praticamente não desacelerou no bimestre de janeiro e fevereiro em comparação do ritmo do quarto trimestre de 2020. Essa resiliência fez o Ministério da Economia apostar que dava para refazer o BEm [programa para a preservação de empregos] e o Pronampe [linhas de crédito] um pouco mais para a frente, dependendo da evolução da pandemia. Esse foi o diagnóstico, e não parecia muito errado. Agora, quando a pandemia se agravou claramente em março e abril, a impressão é que acendeu um alerta. O que atrasou os programas foi muito mais os debates do Orçamento do que propriamente uma falta de percepção da gravidade da crise. Vamos ver muitas empresas se beneficiando, superamos essa página. Inclusive, quando falamos em resiliência, os nossos dados internos de abril mostram que o mês foi bem melhor do que março. A impressão que dá é que alguma coisa está funcionando na economia brasileira fora desse escopo da pandemia, e na hora que puder reabrir com mais segurança, e espero que isso aconteça ao longo do segundo semestre, ela vai andar a ponto de haver uma surpresa positiva no nosso próprio número de PIB, que hoje a expectativa de crescimento está em 3,3%.

A reedição destes programas e o aumento no ritmo da vacinação geram credibilidade para o retorno do crescimento da economia no segundo semestre? As famílias formaram um piso elevado de poupança ao longo do ano passado e que vem sendo gradualmente consumida para apoiar iniciativas de investimento, de consumo e ajudar na retomada da economia. Quando se pensa em termos de crescimento, se o processo de vacinação for bem sucedido, se formos capazes de não ter mais que fechar cidades por causa de saturação do sistema de saúde, tem tudo para sermos surpreendidos no PIB e no emprego. Outro elemento dessa retomada tem a ver com a taxa de juros, que está subindo, mas mantida baixa para os padrões brasileiros. Se não criarmos muito ruído político ou fiscal nos próximos 6 a 12 meses, a economia tem status para respirar, dar um fôlego para crescer mais e ainda surpreender. Ainda temos essas incertezas a respeito da vacinação, do próprio ambiente político, tem uma CPI em curso, tem ainda dúvidas de como vai ser equacionado o Orçamento. Tudo isso gera incerteza para quem faz projeções, mas não para a economia real se de fato nós conseguirmos reabrir.

O que esperar do ritmo da inflação no segundo semestre e em 2022? A inflação de 2021 vai ficar bem no limite do teto da meta. A nossa estimativa é 5,2%, literalmente no limite do teto de 5,25%. É uma alta ruim, complicada para a renda disponível, mas compreensível diante do tamanho do choque nas commodities. Para 2022, temos a impressão de que está ao alcance do Banco Central, ao posicionar a Selic entre 5% e 6% no final deste ano, conseguir manter as expectativas ancoradas para o ano que vem. Ainda tem muito desemprego na economia brasileira, não esperamos que haja uma pressão inflacionária derivada dos salários. O pior momento da inflação ficou para trás. Vamos ver dados bem mais comportados daqui para a frente, mas o tema da inflação vai persistir no radar, e não vai sair tão cedo.

Repetir a alta de 0,75 ponto percentual na próxima reunião é um caminho correto para o Banco Central? Quando vimos as pressões inflacionárias no final do ano passado, eu fui um dos que insistiu muito que elas seriam transitória. Hoje, o aprendizado que eu tive desse início de ano é que as pressões de commodities têm sido mais persistentes do que o imaginado, e o câmbio cedeu menos do que eu acreditava. A decisão mais apropriada é de fato acelerar o ritmo de remoção de estímulos, e com isso capturar o efeito máximo para atravessar os próximos meses em uma posição mais confortável. Ao fazer isso, o Banco Central consegue evitar ter que fazer uma normalização completa, levar a Selic para 6%, 7% ainda neste ano. Acho que a estratégia está apropriada com mais um aumento de 0,75 ponto percentual e mais dois de 0,50.

Como vão ficar os juros bancários com esse aumento da Selic? A taxa básica Selic não é o principal componente do custo do crédito, ele é determinado pelo preço de mercado. Se você for no mercado financeiro e tentar tomar dinheiro para um ou dois anos, não vai tomar esse dinheiro na taxa Selic, mas na curva de mercado, que já precifica a alta dos juros. A grande piora das condições financeiras que levou ao aperto ao crédito aconteceu entre o fim do ano passado e o início deste ano, quando a curva de juros explodiu e chegou a bater 9,5% em três anos no mercado futuro. Agora, como o Banco Central está combatendo a inflação, a curva de juros está cedendo. Eu não espero um impacto relevante no spread bancário. A maior parte do que seria incorporado já se refletiu no que vimos nos últimos 3 ou 4 meses, e os bancos já acomodaram isso.

O senhor ainda está confiante na aprovação da agenda de reformas? Dá para esperar grandes mudanças estruturais neste governo? Desde quando a pandemia piorou, eu tirei a agenda de reformas do nosso cenário base. Não acho que vá ter reformas tributária e administrativa justamente porque imagino que o debate político vai ficar um pouco interditado, vamos entrar em 2022, que é ano eleitoral. Se as reformas vierem, vai ser uma surpresa positiva. Mas o meu argumento principal é que não precisa de reforma para ter uma surpresa na economia, ela vai acontecer por causa da reabertura e do que estamos vendo no mundo. 

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