Roupa cara: Retomada do consumo deve pressionar preços do vestuário até 2021

Com fábricas paradas na pandemia, indústria tem baixo estoque de tecido e, com o aumento da procura, varejistas têm tido dificuldade para encontrar o produto; produtores descartam falta de algodão

  • Por Gabriel Bosa
  • 28/09/2020 07h00
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Pixabay Varejistas negociam com indústrias para não repassar aos consumidores o aumento do valor da produção

A retomada do consumo de roupas em meio à flexibilização das medidas de isolamento social fez as empresas de confecções procurarem por mais insumos, principalmente à base de algodão. No entanto, após meses paralisada por causa das restrições causadas pelo novo coronavírus, a produção da indústria têxtil ficou defasada, impactando no aumento do preço do estoque disponível. Além da procura simultânea dos varejistas pela matéria-prima, o momento coincidiu com o período de renovação dos estoques das lojas, de olho nas vendas para o Natal e fim de ano. Esses movimentos, baseados na lei da oferta e procura, devem refletir na alta do valor impresso nas etiquetas de roupas e demais itens do vestuário nos próximos meses, até que as fábricas de tecido adequem o ritmo de produção de acordo com a necessidade das redes varejistas. Ao contrário do que aconteceu com o arroz, a escassez de algodão no mercado brasileiro é descartada pelas entidades produtoras.

De acordo com a Associação Brasileira do Varejo Têxtil (Abvtex), algumas produtoras de tecido elevaram até 40% o valor das peças nos últimos meses. Apesar da alta de 25,2% na venda de itens de vestuário, calçados e tecidos em junho, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), as incertezas quanto a retomada do consumo e a consolidação dessa demanda impossibilitam o repasse integral do aumento aos consumidores. No entanto, os comerciantes não possuem margem para absorver todo esse impacto sozinhos. “Estamos negociando com a indústria todos os dias para que não haja esse repasse aos consumidores, mas também estamos com as margens muito apertadas. As grandes varejistas têm maior poder de barganha para minimizar esses impactos, mas as pequenas sofrem mais”, afirma Edmundo Lima, diretor executivo da Abvtex. O impacto deve ser sentido já nas compras de fim de ano, e se estender até a coleção outono/inverno de 2021. “Todo o mercado está discutindo essa questão. Até que toda a cadeia se reconecte, vai levar 45 dias. Tudo está atrelado à retomada do consumo”, diz Lima.

A produção da indústria têxtil brasileira recuou 19,8% entre janeiro e junho deste ano, na comparação com o mesmo período do ano passado, sendo que o tombo no setor de vestuário foi de 36%, segundo dados da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit) apresentados em reunião na última segunda-feira, 21, na câmara setorial do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). De acordo com a entidade, a retomada do consumo não era esperada no ritmo apresentado nos últimos meses, impulsionada principalmente pela demanda reprimida e pelo reforço financeiro do auxílio emergencial. Fernando Pimentel, presidente da Abit, afirmou na reunião que o descompasso entre a indústria e a necessidade do varejo deve ser ajustado até o fim de janeiro de 2021. “Precisamos estar coordenados nesse processo de retorno das atividades para ajustar o preço, fornecimento e demanda do mercado. Vamos precisar de 120 dias para ajustar essas equações.”

Ao contrário da disparada do preço do arroz motivada pela escassez dos grãos no mercado nacional, os produtores de algodão afirmam que não há possibilidade da matéria-prima não ser suficiente para abastecer a indústria brasileira. Pelo contrário, o vice-presidente da Associação Brasileira de Produtores de Algodão (Abrapa), Júlio Busato, diz que há excesso do produto no país. “Nós estamos com o problema invertido e não temos mais onde colocar algodão. Os pátios estão lotados porque a indústria têxtil ficou fechada, e os embarques de produtos estão atrasados”, afirma. A safra 2019/2020 foi encerrada na primeira quinzena de setembro e bateu o terceiro recorde seguido de produtividade, com 2,9 milhões de toneladas de algodão pluma, 5% maior do que o registrado entre 2018/2019. Segundo Busato, a indústria nacional deve consumir 600 mil toneladas. “Primeiro, abastecemos o mercado interno, e aquilo que sobrar vai para a exportação. O que não conseguir vender, vira estoque de passagem”, afirma. Além da colheita de 2,9 milhões de toneladas, o estoque deste ano é complementado por quase 400 mil toneladas de estoque de passagem da safra anterior.

A previsão é que o Brasil exporte 190 mil toneladas neste mês, segundo dados da Associação Nacional dos Exportadores de Algodão (Enea), tendo como a Ásia o principal destino. O aumento do valor do algodão no mercado internacional vai favorecer os produtores brasileiros. De acordo com a Abrapa, em relação ao preço, a suposta alta de que se queixam a indústria têxtil e os lojistas se deve à variação cambial do real em relação ao dólar.  Pela tabela do Índice ESALQ, que é a referência para a comercialização do algodão no Brasil, de setembro de 2018, o agricultor vendia seu algodão por US$ 1,70 por quilo de pluma ou R$ 7,02/kg. Em setembro de 2019, o algodão era vendido por US$ 1,31 o quilo, ou R$ 4,76 por quilo de pluma. Neste ano, o valor está em US$ 1,32, ou R$ 7,05 por quilo de pluma. “O que está acontecendo é a falta de fio e tecido pronto no mercado porque 80% da indústria têxtil ficou fechada na pandemia”, afirma o vice-presidente da Abrapa.

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