Egito procura o “herdeiro” de Nasser
Belém Delgado.
Cairo, 22 mai (EFE).- Gamal Abdel Nasser morreu em 28 de setembro de 1970, mas sua lembrança segue tão viva no Egito que os dois únicos candidatos à presidência competem agora nas eleições tentando de alguma maneira usar parte de sua herança.
Em uma mesquita no leste do Cairo estão os restos de Nasser, que derrubou em 1952 junto a um grupo de oficiais o rei Farouk e, dois anos mais tarde, assumiu o poder, inaugurando uma série de governos militares.
Quase não há mais flores junto a seu túmulo e entre as fotografias colocadas na parede foi colado um cartaz com os rostos de Nasser e Abdelfatah al Sisi, anterior chefe do exército e principal favorito no pleito da semana que vem.
Há quem chame Al Sisi de Nasser II, disse à Agência Efe o nostálgico Hassan Khalifa, que gosta de vaguear frequentemente pelo sepulcro de seu ídolo e prestar homenagem cada vez que tem oportunidade.
Com Al Sisi e o político Hamdin Sabahi – declarado admirador de Nasser – disputando a presidência do país, Khalifa mostra preferência pelo primeiro, embora com reservas.
“Al Sisi ainda deverá cumprir suas promessas e Sabahi não fez nada” como parlamentar durante o regime de Hosni Mubarak (1981-2011), afirmou este membro do movimento nasserista.
O aspirante esquerdista, que tem um busto de Nasser em seu escritório, segue lembrando o falecido líder, em cuja província natal, Asiut, iniciou sua campanha eleitoral.
Sabahi defende a “justiça social” do carismático Nasser com uma política econômica baseada no socialismo e no nacionalismo, apesar de reconhecer que os tempos já não são os que eram e que essas ideias terão que ser adaptadas.
Fontes de sua equipe explicaram à Efe que sua candidatura conta com parceiros de todo o espectro político, motivo pelo qual elaboraram um programa mais amplo que inclui objetivos como combater a pobreza, reforçar a democracia e a independência do Egito.
Embora as alusões a Nasser sejam constantes, nenhum dos dois candidatos se aventura a se comparar diretamente com quem realizou a reforma agrária, a nacionalização do Canal de Suez e a construção da grande represa de Assuã, enquanto no plano exterior lutou contra Israel e impulsionou o pan-arabismo e o movimento dos países não-alinhados.
“Tomara que seja como Nasser”, declarou Al Sisi recentemente em entrevista em resposta aos que o veem como seu “sucessor”.
Após protagonizar em julho a derrocada contra o islamita Mohammed Mursi, os seguidores do ex-marechal não duvidaram em relacioná-lo com Nasser nas ruas.
Eles o agradecem por ter devolvido à sombra a Irmandade Muçulmana, como já fez em 1954 o então líder ao ilegalizar dita organização, após um limitado período de graça.
Conforme a eleição presidencial se aproxima, Al Sisi parece querer fugir de supostas similitudes com Nasser e nem sequer sua campanha quer fazer comentários a respeito.
Prefere se concentrar em vender a imagem de alguém que pode estabilizar a economia e a segurança do Egito no médio prazo, pondo ponto final às turbulências vividas desde a revolta de 2011 que derrubou Hosni Mubarak.
No entanto, entre os múltiplos apoios de sua candidatura está o de Hoda Abdel Nasser, filha do ex-presidente e historiadora especializada no legado de seu pai.
Em carta aberta publicada ao mês seguinte da queda de Mursi, esta professora universitária pediu a Al Sisi que se apresentasse ao pleito após “ter conseguido em menos de dois meses o que os políticos não puderam fazer em décadas”.
“Os líderes opositores não estão a seu nível neste grande momento que o Egito está vivendo”, destacou Hoda, que qualificou o apoio ao ex-militar de “esmagador”.
Hoda também lembrou que seu pai estabeleceu que os militares “não devem intervir em política e se querem fazê-lo devem antes tirar o uniforme”, um princípio seguido com todo rigor por Al Sisi quando em março decidiu apresentar-se às presidenciais, apesar de ser criticado por seguir representando os interesses militares.
Para o analista do centro de estudos políticos e estratégicos Al-Ahram, Amre Hashim, “Sabahi tradicionalmente se inspirou em Nasser, enquanto (essa vinculação) com Al Sisi é algo recente”.
Hashim disse à Efe que ambos candidatos se imitam mutuamente e lançaram propostas similares, sobretudo em relação à luta contra a pobreza e aos projetos de envergadura como na era de Nasser.
No entanto, ressalta que as circunstâncias mudaram, o que não evita que os egípcios sigam buscando um líder do tamanho de Nasser para resolver os asfixiantes problemas do país. EFE
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