Enxurrada de lama tira vida dos ecossistemas e ofício dos pescadores; Ibama quer multa maior

  • Por Agência Estado
  • 15/11/2015 13h24
Resplendor (MG) - Imagem aéra mostra a a lama no Rio Doce, na cidade Resplendor ( Fred Loureiro/ Secom ES) Fred Loureiro/ Secom ES Onda de lama invade Rio Doce na cidade de Resplendor - Espírito Santo

Dez dias depois do rompimento das barragens de rejeitos da mineradora Samarco, na região de Mariana (MG), o cenário é de devastação e desesperança em toda a área atingida, que se estende por centenas de quilômetros. O impacto da enxurrada de 62 milhões de m³ de lama avança rumo ao oceano e deixa um rastro de destruição. O inventário dos prejuízos sociais e ambientais ainda está apenas começando, mas, de acordo com especialistas, os ecossistemas atingidos estão irreversivelmente comprometidos.

Embora as empresas responsáveis sejam obrigadas pela lei a pagar a recuperação total dos estragos ambientais, neste momento, nem elas nem o governo ou cientistas sabem como será possível fazê-lo.

Depois de anunciar cinco multas à Samarco, totalizando R$ 250 milhões, pelos danos causados ao meio ambiente, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) quer uma mudança na legislação para permitir multas ambientais mais altas. “Cada auto de infração administrativa tem um teto de R$ 50 milhões. Isso é pouco para inibir a negligência das empresas. Vamos induzir mudanças legislativas para abrir o limite de autuação e combater esse tipo de catástrofe”, disse Luciano Evaristo, diretor de Proteção Ambiental do Ibama.

Segundo Evaristo, as autuações só estão começando. “As infrações visíveis já tinham materialidade suficiente para que aplicássemos essas multas de R$ 250 milhões. Mas vamos quantificar todos os danos ambientais e encaminhar ao setor jurídico para que o ressarcimento seja exigido.” Segundo ele, o Ibama montou uma sala de crise com especialistas em diversos setores para avaliar o dano ambiental. “Os autos de infração são brinquedo perto dos valores a que chegarão os custos de restauração.”

Pesca

Para quem vive da pesca no Rio Doce, a situação é dramática. O pescador Eli da Silva Soares, o Paco, de 38 anos, percorre de barco parte da região afetada e aponta os peixes que agora flutuam mortos no rio. “Como a gente vai fazer agora? Isso aqui está tudo morto. Vai levar muito tempo para poder pescar de novo”, afirmou.

Vivendo em uma vila a 50 metros do rio, no município de Governador Valadares (MG), Paco e sua família conseguiam R$ 1 mil mensais com a pesca. Durante o passeio pelo cenário sem vida, ele e as irmãs Elaine, de 36, e Eliane, de 39 anos, expressam falta de esperança pela recuperação da área. “Isso não vai recuperar nem daqui a cinco anos”, diz o pescador.

De cima, a água laranja do Rio Doce parece estática. A lama de rejeitos se move a cerca de 1,2 quilômetro por hora desde o dia 5, quando aconteceu a tragédia, e vai percorrer toda a calha de 853 quilômetros entre o município de Rio Doce, em Minas, até Regência, vila do município de Linhares (ES), onde encontra o Oceano Atlântico. A expectativa é que a onda atinja o oceano neste fim de semana, levando mais problemas de abastecimento a cidades capixabas.

Segundo Alexander Turra, do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP), quando a água poluída do rio chegar ao estuário, a decantação de um sedimento diferente do natural terá impacto intenso na fauna marinha. “Mais turva, a água não deixará passar a luz e impedirá a fotossíntese das algas no fundo, afetando também o plâncton. Esses organismos são a base da cadeia alimentar e sua perda terá impacto em todos os organismos marinhos. Os peixes morrerão ou fugirão, afetando severamente a pesca local. A areia das praias mudará suas características”, disse Turra. Segundo ele, cada vez que uma chuva forte atingir o vale do Rio Doce, mais lama endurecida se dissolverá e escorrerá novamente para o mar.

Cheiro de carniça

Se o impacto ambiental é ainda desconhecido e sua recuperação inimaginável, suas consequências são bem concretas para quem as sente na pele. Em um pasto na margem do Rio do Carmo em Barra Longa (MG), Gilson Felipe de Rezende, de 42 anos, cuida de cerca de 15 cabeças de gado. É uma área de menos de um hectare, que até então tinha como vantagem justamente o rio, fonte farta de água para o gado. Fica a exatos 71 quilômetros de distância do ponto em que as barragens da mineradora Samarco romperam. E está coberto de barro.

Mesmo a essa distância, a lama foi capaz de formar ali uma “casca” nas margens e no fundo do rio, que chega a um metro de espessura. O curso d’água em que, antes, era possível navegar de canoa, virou um rio raso. Nessa crosta de lama, os peixes aparecem aos montes, grudados no chão, como se fossem fósseis. Toda a região tem cheiro de carniça. “Tinha umas 50 capivaras que ficavam por aqui. Desde que a barragem rompeu, só vimos uma”, conta Rezende.

A cena impressiona mais quando ele conta como a lama chegou: quando a enxurrada, que vinha do Rio Gualaxo do Norte, desaguou no Rio do Carmo, seguiu tanto pelo fluxo normal da água quanto no sentido oposto. “A lama avançou contra a correnteza”, explica E avançou quase um quilômetro contra a água, até formar uma espécie de represa. Agora, perto de Barra Longa, o rio tem parte do curso desviado para o mato. O que segue é um fio de água ao redor das margens de lama grossa. O rebanho de Rezende está em risco. “As duas nascentes que têm por aqui secaram. Vai demorar uns 10 anos para isso voltar a ser como era.”

Talvez demore mais. De acordo com Carlos Alfredo Joly, do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), dificilmente será possível reverter o impacto da lama na biodiversidade. “Os rejeitos que se acumulam nas margens dos rios formam um sedimento duro, que altera a composição do solo, tornando-o mais compacto. Com isso, as matas ciliares serão afetadas, matando as árvores que não foram carregadas pela enxurrada de lama e abrindo grandes clareiras.”

Enquanto isso, segundo Joly, a perda de oxigênio da água condenará a fauna dos rios, afugentando ou dizimando os animais que se alimentavam dela. “Pode ser até que a floresta se recupere, mas vai demorar mais que o tempo de uma vida. Nenhum de nós viverá para ver a vegetação voltar a ser como era.”

 As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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