Ernesto Nieto, o espanhol abrasileirado que calça atrizes e palhaços
Manuel Pérez Bella.
Rio de Janeiro, 4 abr (EFE).- Rodeado por centenas de formas de madeira, retalhos de couro e velhas máquinas de costura, Ernesto Nieto, um espanhol que vive no Brasil desde 1959, comanda um pequeno atelier de sapatos artesanais que, a partir do Rio de Janeiro, calça atrizes de novela, dançarinas de samba e palhaços de circo da Europa Central.
Situada em um prédio com estilo colonial na Praça da Bandeira, a loja parece ter parado no tempo, e conserva o mesmo estilo da época em que foi inaugurada pelo galego há mais de 50 anos.
A forma artesanal de trabalhar o couro, de vaca, cavalo e porco, é o que distingue este sapateiro, que se orgulha em fazer “algo que ninguém mais faz” neste século.
Cerca de 270 pares de sapatos – de dançarina de samba, flamenco, sapateado e de palhaços – fazem a decoração das paredes com uma pintura desconexa e se amontoam nas velhas estantes, enquanto as formas ficam espalhadas pelo chão junto ao couro descartado e as latas de cola, com seu cheiro forte e penetrante.
À Agência Efe Nieto explicou que, graças ao boca a boca, começou a trabalhar para grandes emissoras de TV, especialmente para novelas e séries de época. Esse trabalho abriu as portas para o teatro, circos e salas de espetáculos de países como Espanha, Itália, França e Alemanha.
“Os sapatos de época são os que eu mais gosto. É uma arte e estou trazendo de volta. É diferente de tudo. Me emociono quando os vejo na TV e isso me encoraja ainda mais a fazê-los”, contou.
Os sapatos dos séculos XVIII e início do XIX são os preferidos desse espanhol nascido em Santiago de Compostela, que lembra com carinho de ter confeccionado botas de soldados romanos para adaptações de dramas bíblicos como “Moisés” e “Davi”.
Nieto conta que as emissoras pedem sempre, pelo menos, dez pares e, às vezes, até 30. As encomendas grandes demandam trabalho de duas semanas e de seus quatro funcionários, entre eles Valdo, que está na loja desde a abertura, e José, que trabalha por lá há duas décadas.
Na sua prateleira, exibe vários pares de sapato com saltos vertiginosamente altos, prateados e com detalhes dourados que fabricou para as dançarinas de samba da casa de shows Plataforma, no Rio de Janeiro. Ali também guarda alguns exemplares dos sapatos de palhaço, uns dos produtos pelos quais mais recebeu reconhecimento, e os que também exigem mais dedicação, já que são sempre únicos, personalizados e ao gosto do cliente.
“É um trabalho pesado. É todo manual. São dois dias para cada par. Colocar espuma dura na ponta, revestir de couro, colar os detalhes e depois costurar à mão”, relatou.
Nieto faz de 10 a 12 pares de sapatos de palhaço por mês e os vende a R$400. Contudo, essas obras de arte podem chegar a ter de quatro a cinco anos de duração, “muito mais do que os de plástico, que não aguentam nada”.
O sapateiro também vende os seus artigos aos Doutores da Alegria, grupo dedicado a divertir crianças com câncer: “Deles cobro mais barato”, assegurou.
Os calçados de Nieto também desfilam todos os anos no Carnaval do Rio, nos pés dos mestres-salas e das porta-bandeiras, mas para essas duplas ele pode cobrar mais caro.
Enquanto conversa com a Efe, o trabalho não para. O telefone toca o tempo todo com pedidos de novos clientes, a maioria para sapatos de baile. Para uma cliente de São Paulo, por exemplo, que queria calçados de sapateado, Nieto pediu que enviasse o molde do pé por carta, para que o par fosse feito sob medida.
“Antes pedia só que me mandassem o número por e-mail, mas não fica bom”, explicou.
Aos 73 anos, o sapateiro não pensa em se aposentar e diz amar seu trabalho, que lhe ocupa, pelo menos, 12 horas do dia.
Ele, que antes de aprender o ofício foi estivador no porto do Rio quando tinha 17 anos, depois de tanto tempo de Brasil se sente mais confortável falando português do que espanhol, mas garante que não esquece as suas origens. Prova disso? A assinatura em seus sapatos revela: “Nieto Spain”. EFE
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