Estado descarta parecer contrário e quer transposição de rio em área preservada
Após um processo controverso, que teve dois pareceres negativos de técnicos da Fundação Florestal, a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) solicitou ao Conselho Estadual de Meio Ambiente (Consema) a licença prévia para o início das obras de transposição das águas do Rio Itapanhaú para o Sistema Alto Tietê, uma das principais obras do governo Geraldo Alckmin (PSDB) para evitar nova crise hídrica em São Paulo.
O Grupo de Atuação Especial do Meio Ambiente (Gaema) do Ministério Público Estadual pediu vistas ao processo e estuda quais ações serão tomadas. O Consema avaliará o caso no dia 27. Conforme a reportagem noticiou em março, a obra tinha sido travada depois que um parecer da fundação apresentado no início deste ano e apontou que o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) feito pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) não dimensionava o real impacto da obra, que passará por uma região sensível e preservada de Mata Atlântica, nem apontava medidas de redução de danos.
Depois do parecer, que a Secretaria do Meio Ambiente chamou de “inicial”, o governo pediu a criação de um grupo de trabalho para reanalisar o pedido à luz de novos dados fornecidos pela Sabesp. A reportagem pediu acesso ao processo da fundação, via Lei de Acesso à Informação, e viu que mais uma vez os técnicos consideraram que não era possível dar o aval.
“Diante dos elevados níveis de fragilidade ambiental a que estão sujeitos os ambientes que serão afetados pelo empreendimento, bem como aspectos relacionados a espécies ameaçadas de extinção nas Unidades de Conservação, entende-se que as informações apresentadas não permitem uma avaliação apropriada dos impactos gerados (…) conclui-se que não permitem a emissão de parecer conclusivo de forma a subsidiar tomada de decisão sobre autorização”, escreveram os técnicos da fundação em 14 de abril.
A obra, que vai transpor por tubos até 2,5 mil litros por segundo do Ribeirão Sertãozinho, formador do Itapanhaú, para a Represa de Biritiba-Mirim, atinge o Parque Estadual da Serra do Mar, o Parque Estadual Restinga de Bertioga e a APA Marinha Litoral Centro. São regiões sensíveis e de enorme variedade, incluindo florestas, restinga e mangues.
Depois do segundo parecer, foi então apresentado pela Sabesp um plano de monitoramento do rio, por um ano, durante a implantação do empreendimento, para determinar as condições ambientais prévias ao início da captação de água. O plano considera que um dos potenciais efeitos da redução da vazão da água do rio é o aumento da salinidade de suas águas, uma vez que ele passa próximo do mangue e, com menos água doce, há uma penetração da água salgada, que pode prejudicar as espécies que vivem na área de restinga. Um dos alvos do monitoramento, então, seria a salinidade.
O plano, aliado a uma nota elaborada pelo ecólogo da Universidade de São Paulo (USP) Sérgio Rosso, especialista nesse tipo de bioma, foi considerado suficiente pela Fundação Florestal, que apresentou, em 24 de junho, seu parecer final dando aval à obra. O texto foi incluído no processo da Cetesb e encaminhado ao Consema. Não há menção neste material às opiniões contrárias à obra.
Perda maior
Quando o processo começou, o promotor Ricardo Castro, do Gaema, encaminhou uma recomendação à Cetesb. Ele questionava se a degradação ambiental estimada se justificaria diante da quantidade de água que vai ser retirada e se antes da obra não deveria se exigir eficiência no combate às perdas do sistema Alto Tietê.
Dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento referentes a 2014 mostram que nos municípios operados pela Sabesp no Alto Tietê o índice médio de perdas na distribuição é de 33,8%. Dos 11,45 mil l/s produzidos pela Sabesp neste sistema por mês em média, 3,8 mil litros por segundo são perdidos na rede antes de chegar na torneira dos consumidores. Esse volume é 54% maior do que os 2,5 mil l/s que a Sabesp quer captar no Itapanhaú.
Procurada pela reportagem, a Sabesp disse que as perdas da rede de distribuição da companhia são de 19,8% e que a obra visa a aumentar a segurança hídrica.
Para cientistas, plano de ação é insuficiente
Especialistas ouvidos pela reportagem consideram que o plano de monitoramento não resolve os problemas apontados no primeiro parecer apresentado pela Fundação Florestal.
“O documento original emparedava todo o licenciamento ao mostrar as deficiências técnicas do estudo de impacto ambiental, que não trazia propostas de ação mitigadora. Só monitorar e suspender ocasionalmente a captação não resolve a ausência de mitigação à fauna e à flora que serão afetadas pela penetração da cunha salina”, afirma Marcos Pedlowski, da Universidade Estadual do Norte Fluminense, especialista em impacto ambiental.
Para Yara Schaeffer-Novelli, pesquisadora da Universidade de São Paulo e uma das principais especialistas em manguezais do Brasil, as pressões ambientais estão sendo ignoradas.
Segundo ela, que assinou um manifesto com outros cientistas em fevereiro alertando para o caso, os manguezais dependem de uma determinada quantidade de água doce, que será reduzida com a transposição. “Isso vai reduzir a capacidade do mangue de produzir seus serviços, como fornecer alimento para peixes e caranguejos, afetando também os pescadores da região.
Ela afirma que, em vez de fazer o monitoramento por um ano, seria melhor aproveitar esse tempo para fazer um “levantamento de melhor qualidade” dos pontos que faltaram ao estudo de impacto ambiental.
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